Necrologia partidária

O PS não se safa dos jobs for the boys, ou do mais recente familygate – tudo nomes anglo-saxões para os velhos jeitinhos.

Conheces alguém lá no Banco, ou na seguradora, ou no hospital, ou na repartição? Todo o português que se preze gosta de usar os conhecimentos, os favorzinhos, as atenções, as cunhas, para obter benefícios.

O PS, como partido dos portugueses genuínos, faz isso mesmo (aliás, como o PSD – e o PCP, o Bloco e o CDS só não o fazem porque não podem, isto é, porque não estão no Poder).

Ora, eu estou num lugar cimeiro, digamos, num Ministério, e preciso de colaboradores nas secretarias de Estado e nas Direcções-Gerais – quem vou convidar se não o meu filho, a namorada de um primo, o amigo de um cunhado, ou mesmo a minha esposa – conheço-os bem, sei que não me vão apunhalar pelas costas e, ainda por cima, até têm formação nessa área… portanto, concurso público?… para quê?!… para demorar meses a escolher um colaborador?…

Foi assim que, nesta campanha eleitoral, todos se lembraram que o Governo tinha, no seu seio, marido e mulher, pai e filha, e mais…

A partir daí, foi só começar a escavar e descobriram-se muitas outras ligações perigosas.

Tão perigosas que chegaram aos cemitérios!

Vocês lembram-se das esquisitas Associações de Amizade Portugal-Albânia, ou Portugal-Coreia do Norte?

Pois existe uma Associação dos Amigos dos Cemitérios de Lisboa (AACL)!

Isso mesmo: um grupo de pessoas que se juntam porque gostam de cemitérios – e gostam tanto que se auto-intitulam amigos dos cemitérios.

É que uma pessoa pode trabalhar com cadáveres, como fazem os especialistas em Medicina Legal, mas daí a gostar de cadáveres ao ponto de se dizer amiga deles, vai uma diferença muito grande.

Mas pronto – cada maluco com a sua mania – e esta associação reúne pessoas que são amigas dos cemitérios de Lisboa.

Pois o PSD descobriu que a maior parte dos membros da Associação são do PS: o presidente é Jorge Ferreira, fotógrafo do PS; o vice-presidente é Pedro Almeida, funcionário do PS no Parlamento; e entre os membros estão Inês César (sobrinha do líder parlamentar do PS, Carlos César) e a sua mãe, Patronícia (deputada municipal do PS), e o seu pai, Horácio (irmão de Carlos César), João Soares (filho de Mário Soares), e Diogo Leão (deputado do PS).

Na minha opinião, é assustador que tantos membros do PS sejam amigos dos cemitérios. No mínimo, cheira a almas do outro mundo…

Mas, afinal, o que é que esta Associação quer fazer com os cemitérios?

Pelos vistos, quer transformar o cemitério dos Prazeres, numa espécie de Parque Temático dos Mortos Ilustres, juntando, um mesmo local, os restos mortais de Agostinho da Silva, Lourdes Pintassilgo, João César Monteiro, Raul Solnado, Carlos Paredes, Al Berto, Laura Alves, Alfredo Marceneiro e outros…

Assim, os turistas poderiam visitar o cemitério e, passando perto dos jazigos respectivos, ouviriam a guitarra de Paredes, um poema de Al Berto, um fadinho do Marceneiro, etc.

Cobravam-se uns bilhetes e a autarquia teria mais uma fonte de riqueza…

O PSD denunciou esta tramóia, não porque esteja contra a ideia mórbida, mas apenas porque a Associação dos Amigos dos Cemitérios não inclui familiares do PSD…

Mas esta amizade pelos mortos não é apanágio dos partidos do centrão.

Também a extrema-direita, consubstanciada no inacreditável Partido Chega, liderado pelo não mesmo inacreditável André Ventura, exibe uma atracção pelos mortos. Atracção fatal, claro…

Pois o Chega entregou, no Tribunal Constitucional, cerca de dez mil assinaturas para obter a legalização.

Dessas dez mil, cerca de 2600 assinaturas foram consideradas inválidas porque alguns desses subscritores já tinham morrido.

O Tribunal dá, como exemplo, o Sr. Adelino Lopes, que facilitou a sua assinatura para a legalização do Chega e que, caso ainda fosse vivo, já teria 114 anos!

Por maioria de razão, o Partido Chega devia também fazer parte da Associação dos Amigos dos Cemitérios!

E o PSD, por se ter lembrado de levantar esta questão em pelo período eleitoral, merecia, também, um lugarzinho na Associação.

Aliás, todos deveriam ir parar ao cemitério dos Prazeres, onde estar morto deve ser um gozo…


Procol Harum no Coliseu

Um Coliseu praticamente cheio de cabelos brancos e muitas carecas assistiu ontem a um concerto memorável da banda britânica denominada Procol Harum (descobri ontem que era o nome de um gato de um amigo dos fundadores da banda, Gary Brooker e Keith Reed).

Hoje, 52 anos depois da estreia da banda com o inesquecível A Wither Shade of Pale, só Brooker (73 anos) se mantém.

A acompanhá-lo: Geoff Witehorn (68 anos), na guitarra solo, Matt Pegg (47 anos), no baixo, Josh hillips (59 anos), nas teclas e Geoff Dunn (58 anos), na bateria.

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Gary Brooker mantém a voz ligeiramente rouca e bem colocada e a banda conseguiu recriar os grandes clássicos dos Procol Harum: Conquistador, Homburg, Shine on Brightly, Fires (wich burns brightly), Grand Hotel, Salty Dog e, claro, A Wither Shade of Pale, que vendeu mais de 10 milhões de discos.

Para além dos clássicos, a banda tocou também vários temas do novo disco, Novum, saído no ano passado. Uma dessas músicas dá o nome í  digressão: Still There’ll be More – e, de facto, embora Brooker pareça mesmo um ancião (cabelos brancos e, pareceu-me, alguma hesitação na marcha), a banda ainda está ali para as curvas!

No final, uma sala cheia de saudosistas pelos gloriosos anos 60 e 70 do século passado estava rendida e regressou a casa com lágrimas nos olhos.

Nõs também regressámos de papo cheio!

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25 de Abril Sempre!

Em novembro/dezembro de 1973 estávamos em plena crise petrolífera, por causa da guerra israelo-árabe.

As filas para as bombas de gasolina eram a regra e só podíamos pí´r 20 litros por bomba. A 21 de novembro, os jornais noticiavam que a velocidade máxima tinha sido estabelecida nos 100 km/hora na autoestrada (ah! ah! ah!), que terminava ali para os lados de Aveiras de Cima, e 80 km/hora fora das localidades.

No entanto, a principal notícia ficava escondida e tinha a ver com os estudantes universitários.

Um decreto-lei determinava que as Universidades podiam recusar a matrícula a estudantes.

E porquê?

Porque tinham tido más notas? Porque não tinham conseguido a média necessária para entrar na Universidade?

Parece que não.

As Universidades podiam recusar a inscrição de estudantes que “justificadamente fossem considerados como prejudiciais í  disciplina dos estabelecimentos”. (notícia de 25/11/1973)

Cerca de um mês depois, a 12.12.1973, o jornal República noticiava que a Faculdade de Letras tinha suspenso dez alunos e que no Instituto Superior Técnico, dois estudantes tinham sido presos depois da polícia ter invadido a sala de alunos.

E ainda há quem queira 300 salazares!…

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Assunção Cristas acusa o Governo de ignorar o interior

É este o título de uma notícia da RTP.

Eu sei bem o que isso é!

Durante quase 40 anos, ignorei o meu interior, fumando quase um maço por dia e deixando as minhas coronárias ao deus-dará.

Claro que, agora, tarde piaste e nada mais posso fazer senão esperar que a sorte me proteja!…

Cristas, coitada, quer o melhor para o interior.

Por isso, só usa cuecas de algodão, brancas (cuecas pretas é para as doidas, que só pensam em sexo!…)

De facto, como é que um governo chefiado por um Costa pode ligar ao interior? O próprio apelido explica tudo: Costa da Caparica, Costa de Prata, Costa Vicentina – o interior que se lixe!

Deve ser por isso que a Cristas quer o nosso apoio.

No outro dia, vi-a a apanhar couves com o jeitoso do Nuno Melo. Que bem que eles defendem o interior das couves! Que engraçado ver aquele senhor de 50 anos, mas que continua com cabelo í  Beatle, a apanhar couves. Quase que me apetecia fazer um cozido í  portuguesa com ele. Lá dentro, claro!

Depois, vi a Sãozinha em Pedrógão Grande e Castanheira de Pera.

Não, não foi ajudar a construir as casas destruídas – foi criticar o facto de ainda haver algumas casas que não foram reconstruídas. Mais uma vez, o Governo a ignorar o interior.

Juro que fiquei a pensar: se a Cristas, por absurdo, ganhasse as eleições, a capital de Portugal seria em Canas de Senhorim!

E então, poderíamos dizer que os de Canas são sacanas e os de Nelas são panelas!

“A Morte do Comendador”, de Haruki Murakami (2017)

Os livros de Murakami deixam-me ambivalente. Por um lado, a sua escrita simples, directa, quase coloquial, a sua capacidade para contar histórias, fazendo-as correr suavemente, como se fosse fácil, cativam-me – e a prova é que li este primeiro volume de uma penada.

Por outro lado, esta “mania” que Murakami tem de misturar a realidade com cenas do Outro Mundo, irrita-me um bocado.

Foi por isso que, depois de ler, de enfiada, Em Busca do Carneiro Selvagem, Kafka í  Beira-Mar , e A Rapariga que Inventou um Sonho, fiquei farto de Murakami por sete anos.

Recaí agora.

A Morte do Comendador conta-nos a história de um pintor retratista de 36 anos, recém divorciado, que se retira para as montanhas, para uma casa que pertenceu a outro pintor, já falecido. No sótão dessa casa descobre um quadro intitulado A Morte do Comendador.

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Entretanto, trava conhecimento com um homem muito rico e pinta o seu retrato. Durante a noite, ouve um sino e descobre que o som vem de uma espécie de cripta. Ele e o seu novo amigo conseguem escavar a tal cripta e, aparentemente, está vazia mas, dias depois, o pintor é visitado por um ser do Além, vestido como o comendador do quadro.

Estão a ver por que me irrito com Murakami?…

Quanto í s frases feitas, são í  pazada. Por exemplo, só nas páginas 122 e 123, encontrei: insistir na tecla, nunca as vira mais gordas, como tínhamos vindo ao mundo, estás mortinho por saber, vender o seu peixe.

E no entanto… e no entanto, vou ler o segundo volume e depois digo alguma coisa…

Páscoa

Era domingo de Páscoa e Santiago conhecia a rotina: de manhã, iam í  missa pascal, depois almoçava-se o cabrito e, í  tarde, havia caça aos ovos, no jardim da moradia onde vivia com os pais e os empregados (já sabia que não os devia chamar de criados…).

A mamã de Santiago era muito católica e, paras ela, a Páscoa era sagrada.

Este domingo, no entanto, ia ser um pouco diferente porque o papá não estaria presente, mais uma viagem de negócios, a juntar a muitas outras que tinham acontecido nos últimos tempos. Talvez fosse por isso que a mamã andava triste, parecendo não ligar muito ao que se passava í  sua volta; o que valia era a Palmira, a criada, perdão, a empregada de muitas décadas, que mantinha as coisas a funcionar. Se não fosse ela, não haveria cabrito nesta Páscoa, certamente…

Durante a missa, Santiago manteve a mamã sob escrutínio, mas não detectou, no seu rosto, nenhuma emoção, a não ser na altura da comunhão ““ então, pareceu-lhe ver uma lágrima e, nessa altura, apertou mais a mão da mamã. Santiago tinha apenas oito anos e não percebia muito bem essas coisas, mas era óbvio que as viagens de negócios do papá estavam a perturbar a mamã.

Terminada a missa pascal, e depois de beijarem a mão do senhor padre ““ coisa que Santiago abominava porque a mão do padre sabia a lixivia, rumaram a casa, onde almoçaram o cabrito em silêncio. Santiago comeu pouco porque não gostava daquela carne e a mãe apenas tasquinhou, com ar ausente.

Mas chegou o momento da caça aos ovos e Santiago estava feliz, com os amiguinhos que tinha convidado, todos do Colégio do Sagrado Coração. Eram dez meninos, ao todo, e os respectivos papás e mamãs; entre eles, estava o Gonçalo, o único menino que era filho de papás divorciados.

A mamã de Santiago não tinha gostado muito deste convite; como boa católica, não aprovava o divórcio, mas Santiago tinha convencido a mamã: o Gonçalo era um dos seus melhores amigos e não tinha culpa que os pais se tivessem divorciado.

Gonçalo chegou, acompanhado pelo pai, um quarentão bem parecido, com aspecto de não estar nada preocupado com o recente divórcio.

E começou a caça aos ovos, que a fiel Palmira escondera entre as sebes e os canteiros de flores do vasto jardim.

Os meninos dispersaram, em busca dos ovos e Santiago e Gonçalo, de saco a tiracolo, já tinham encontrado três ovos. Os miúdos formavam uma boa equipa e queriam ser os campeões.

Foi quando se aproximaram da garagem que ouviram uns gemidos que pareciam um miar de gato. Estranho, disse Santiago, a mamã detesta gatos!…

Pela porta entreaberta da garagem, os miúdos depararam com a mãe de Santiago deitada sobre o capí´ do Porsche do papá e, em cima dela, o papá do Gonçalo, investindo.

Era a mamã que gemia e, depois, sorria com gargalhadas pequeninas. Houve um momento de pausa, e o papá do Gonçalo voltou a investir e, passados alguns segundos, a mamã do Santiago gargalhou novamente.

Feliz, Santiago pensou que, quando o papá chegasse da viagem de negócios haveria de lhe dizer que o papá do Gonçalo tinha conseguido finalmente fazer a mamã rir-se.

Duas vezes, Santiago… duas vezes…

Saudade de Pedra, fotos de Jorge Guerra

Exposição patente no Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, na Rua da Palma (entrada livre).

Jorge Guerra nasceu em 1936 e vive no Canadá; fotografa desde sempre e fez diversas exposições, um pouco por toda a Europa, e não só.

Esta Exposição reúne cerca de uma centena de fotos, todas a preto e branco, feitas em 1966 e 1967.

São fotos de pessoas, fotografadas sem o saberem, em vários locais de Lisboa, Feira da Ladra, Terreiro do Paço, Jardim 9 de Abril, Rocha de Conde de í“bidos, etc.

Todas as pessoas aparentam estar tristes, macambúzias, zangadas com a vida. As mulheres, invariavelmente, usam lenço na cabeça; os homens, boné ou chapéu. Nos jardins, os reformados parecem esperar a morte em pé. Diz o Jorge Guerra, no texto distribuído: “o México pode ser pobre, mas não é tão triste”.

Claro que as fotos são datadas. Em 1966/67, vivíamos sob um ditadura e o país era triste e cinzento, como estas fotos de Jorge Guerra. Hoje, pelo contrário, ao passearmos pelos locais fotografados por Guerra, só vemos gente feliz, alegre, com roupas coloridas… é verdade que a maioria não são portugueses, mas, mesmo assim, a diferença é notória.

Vale a pena visitar esta Exposição.

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A greve

No segundo dia da greve dos motoristas de transporte de matérias perigosas, Vitorino ouviu nas notícias que um determinado posto de combustível iria ser abastecido.

Embora não andasse de carro há mais de uma semana, dirigiu-se para o referido posto e colocou-se na fila que já se formara.

Durante seis horas esperou pela sua vez, entretendo-se a fazer cruzadex.

Vitorino estava reformado e raramente usava o carro, que estava estacionado em frente ao prédio onde residia, devidamente tapado com uma cobertura que comprara no século passado e que, apesar de ter alguns rasgões, ainda servia muito bem o propósito de proteger a pintura.

Vitorino tinha até pensado em vender o carrito, mas quem iria pegar num chaço com mais de trinta anos?

Depois das seis horas de espera, Vitorino conseguiu atestar o depósito e encheu também um jerrican de 25 litros porque nunca se sabe…

Quando chegou í  praceta, o lugar para o carro ainda lá estava. Há gente com muita sorte. Estacionou o veículo, cobriu-o com a capota e levou o jerrican com gasolina para casa, guardando-a na despensa.

Três meses depois, quando o prédio ruiu como um castelo de cartas, ninguém percebeu o que tinha causado tamanha explosão…

Trabalhar até í  morte!

A Fundação Francisco Manuel dos Santos preocupa-se muito com a sociedade portuguesa…

Como se diz nos seus estatutos, a Fundação tem por missão estudar, divulgar e debater a realidade portuguesa, de um modo livre e independente. O seu fundador, Soares dos Santos, neto de FMS e dono da Jerónimo Martins (Pingo Doce, entre muitas outras coisas), é o garante dessa liberdade e independência. Ele, que despreza a classe política, quer ajudar o nosso país e, por isso mesmo, sediou a sua empresa na Holanda, pagando lá os impostos.

Pois a Fundação encomendou um estudo sobre a Segurança Social. Esse estudo afirma que o sistema de pensões vai í  falência em breve, a menos que a idade da reforma passe para os 70 anos.

Numa altura em que diversas classes profissionais (professores, enfermeiros) reivindicam a reforma aos 55 anos, esta proposta da Fundação Pingo Doce só pode dar vontade de rir.

Apetece mesmo dizer ao chato do sindicato dos professores e aos diversos chefes dos muitos sindicatos dos enfermeiros para irem ter com o Soares dos Santos e pedir-lhe satisfações.

Se ver um polícia de 60 anos correr atrás de um ladrão já é um fartar de rir, que dizer de um gnr de 70?

E que dizer de um professor de História, daqueles muito chatos e com Alzheimer? Quem aguenta uma aula de História dada por um professor desses, com 69 anos?

Há quem diga que a Fundação encomendou este estudo para criar, na opinião pública, a ideia de que a Segurança Social só se safa com a privatização.

No futuro, talvez, ao ires ao Pingo Doce, possas comprar duas embalagens de Chocapic e receber, como prémio, um Plano Complementar de Reforma.

Poderás então dizer que, se te quiseres reformar, terás que ir ao sítio do costume…

Schostakovich e a morte de Estaline

Foi este o título genérico escolhido para o concerto de ontem da Orquestra Metropolitana de Lisboa, na Reitoria da Aula Magna da Universidade de Lisboa.

Dois autores em foco: um, que não esteve para aturar o Estaline e emigrou para os States – Rachmaninov; e outro, que aguentou, ficou na União Soviética e encaixou as críticas, nomeadamente as do Congresso Nacional de Compositores soviéticos, que considerou, em 1948, a sua música formalista e adversa aos desígnios da Revolução.

Rachamninov, nos Estados Unidos, deu largas ao seu romantismo e ontem assistimos í  execução do seu concerto para piano nº4, com António Rosado ao piano. Irrepreensível.

No final, como encore, Rosado tocou uma composição de Debussy, autor de que é especialista.

—Mas, para mim, o melhor do concerto foi a segunda parte: a 10ª Sinfonia de Schostakovich.

Já a tinha visto, ao vivo, no Teatro São Luiz, nos anos 70 do século passado. Lembro-me que, nessa altura, sentados no 2º balcão, ficámos estarrecidos com a energia desta sinfonia. Mesmo no final, o músico encarregado da tarola, no frenesim de atacar o instrumento, perdeu uma baguete.

Ontem, também um segundo violino viu uma das suas cordas não aguentar a refrega a que é sujeita no último andamento e rebentar!

Segundo o folheto distribuído na aula magna, o segundo tema melódico do terceiro andamento, deriva do nome do compositor (D-S-C-H, isto é Ré, Mi bemol, Dó, Si). Mais í  frente, a trompa irrompe com outro tema melódico, que terá sido inspirado pelo nome da sua aluna, porque quem estava apaixonado – E-Lá-Mi-Ré-A, isto é, Elmira (Nazirova).

Individualismo? Onde está o povo? – diria Estaline. Só que o ditador já estava morto quando Schostakovich compí´s esta sinfonia.

O mesmo texto distribuído acrescenta que as sinfonias deste compositor “são propensas a uma obstinação que se afunda em angústia e resiliência, mas também são capazes de exaltações épicas, ou de embalarem no doce encanto da afectação melódica” (texto de Rui Campos Leitão).

Estou totalmente de acordo. Ao escutar esta 10ª Sinfonia de Schostakovich senti exaltação, angústia, raiva, opressão, libertação, alegria e, sinceramente, emocionei-me, como já tinha acontecido há 40 anos!

A Orquestra Metropolitana de Lisboa foi muito competente, sob a batuta do enérgico Pedro Neves.

Cinco estrelas!