“Golpe de Sorte”, de Woody Allen (2023)

Quem sabe, não esquece (às vezes…) e Woody Allen, apesar dos seus 87 anos parece ainda não ter esquecido.

“Coup de Chance” é uma história simples, mas bem narrada, com algum suspense pelo meio. Contada com limpeza e num tom irónico, vai desvendando um crime, que leva a outro e ainda a outro, que acaba por não se consumar devido a um golpe de sorte.

Li algures que Allen tem tido dificuldade em contratar actores americanos para as suas películas, devido às acusações que impendem sobre ele desde há alguns anos. resolveu muito bem o problema desta vez. O filme é todo falado em francês e os actores são, também eles franceses.

Fanny (Lou de Laâge) é casada com um homem de negócios bem-sucedido, Jean Fournier (Melvil Poupaud) – tão bem-sucedido que se suspeita que tenha feito desaparecer o seu sócio. Certo dia, Fanny encontra na rua um antigo colega da escola, Alain (Niels Schneider) e, a pouco e pouco, a sua relação via-se tornando mais íntima. O resto vem daí.

Uma maneira bem agradável de passar hora e meia no cinema. Pena as pipocas! Apesar de, na sala, só estarem espectadores acima dos 50 anos, havia um que se batia com um balde de pipocas digna de um puto de 14! O mastigar do velhadas confundia-se com os érres carregados dos actores franceses.

The Fabelmans, de Steven Spielberg (2022)

Antes do filme começar, Steven Spielberg surge no écran para nos dizer que aquele é o seu filme mais pessoal e para nos agradecer por o irmos ver num grande écran e numa sala com outras pessoas.

The Fabelmans é a história do pequeno Samuel Fabelman até ser aceite num estúdio cinematográfico. Vemos, primeiro, o Sammy em criança, a fazer os primeiros filmes com uma câmara que a mãe lhe dá e, depois, o adolescente Sam, a fazer filmes caseiros, já com montagem e com música a acompanhar. Ao mesmo tempo, desenvolve-se a história da família, do pai que trabalha em computadores e obriga a família a mudar-se, primeiro para Phoenix, depois para a Califórnia, da mãe, que podia ter sido uma pianista profissional, do tio Bernie que, afinal, é mais do que um tio, das três irmãs de Samuel. Ficamos a conhecer a dificuldade de integração de Sammy na escola californiana, onde é o único judeu, dificuldade que acaba por ultrapassar graças aos filmes.

Claro que Samuel Fabelman é Steven Spielberg, como o próprio já disse em diversas entrevistas e este é um dos melhores filmes que vi ultimamente.

“A Filha Perdida”, de Maggie Gylennhaal (2021)

Não é fácil passar para cinema um texto de Elena Ferrante, mas este filme da jovem realizadora norte-americana consegue, de certo modo, captar o ambiente do conto da escritora italiana.

A trama é aparentemente simples: uma professora universitária à beira dos cinquenta anos passa férias numa ilha grega; pretende paz e sossego, mas acaba por se reencontrar com o seu passado quando uma criança desaparece na praia. Recorda o tempo em que tentava conciliar o seu trabalho intelectual com o cuidar de duas filhas pequenas; recorda como acabou por abandoná-las para viver com um colega da universidade, para voltar alguns anos depois.

O filme vai progredindo, a história vai-se desenrolando e estamos sempre à espera que aconteça algo de sinistro, algo de trágico e a interpretação de Olivia Colman é magnífica, abarcando todos os registos, da raiva ao desespero, do sorriso à gargalhada – e vai-lhe valer o óscar, quase de certeza.

“The Father”, de Florian Zeller (2020)

Anthony Hopkins (83 anos), ganhou o óscar para melhor interpretação e é bem merecido, mas Olivia Colman não lhe fica atrás.

“The Father” é a adaptação cinematográfica da peça de teatro, “Le Pére”, da autoria do realizador do filme, Florian Zeller, peça que ganhou diversos prémios.

O filme mostra-nos como Anthony (Anthony Hopkins), um homem que já ultrapassou os 80 anos e que gosta de ópera, vai perdendo a memória, ficando cada vez mais confuso, com alucinações auditivas e alguns lampejos de delírio.

A pouco e pouco, confunde uma das suas cuidadoras com a sua filha mais nova, que terá morrido num acidente, por vezes, não tem bem a certeza se aquela é mesmo a sua outra filha (Olivia Colman), pensa que continua a viver no seu apartamento, pensa que lhe querem roubar o relógio, confunde as refeições, etc. Hopkins é excelente, criando um Alzheimer muito convincente e Olivia Colman faz um papel muito contido, de uma filha que não sabe o que há de fazer com a demência do pai.

“Nomadland”, de Chloe Zhao (2020)

A localidade de Empire, no Nevada, existia graças à mina de gipsita (gesso) e à empresa que procedia à sua extracção. Todas as casas pertenciam à empresa e Empire chegou a ter 750 habitantes, uma piscina, escola, e até aeroporto. A partir de 2008, com a crise económica, a construção civil deixou de precisar de tanto pladur e a empresa foi à falência; a maior parte dos empregados e respectivas famílias abandonou a cidade, que se transformou numa cidade-fantasma em 2011.

Francis McDormand interpreta o papel de Fern, a viúva de um trabalhador da mina que, depois da morte do marido e da falência da empresa, decide meter-se na sua carrinha e partir, tonando-se uma nómada – como ela diz, não é uma “homeless”, é uma “houseless”.Ao longo de quase duas horas vamos acompanhando Fern e conhecendo alguns dos nómadas que vivem em caravanas e carrinhas, de cidade em cidade, aproveitando trabalhos sazonais. Fern trabalha na Amazon, na altura do Natal, quando as encomendas aumentam, mas também num parque de caravanas nas badlands, num restaurante de fast food, ou na apanha da beterraba, no Nebraska.É um filme comovente e profundo e as pequenas conversas que Fern vai tendo com alguns nómadas (que não são actores), falam-nos da vida, da solidão, da morte, das coisas boas da vida, da liberdade, da memória.Gostei da fotografia e da música e a interpretação de Frances McDormand é excelente.Um filme elegante e maduro da realizadora chinesa Chloe Zhao, que só tem 29 anos.

“Parasitas”, de Bong Joon-ho (2019)

Não costumo ligar muito ao facto de um determinado filme ganhar o Óscar; já enfiei alguns barretes com filmes vencedores do prémio do melhor filme.

Desta vez, no entanto, fiquei curioso.

Quando o filme estreou, não lhe dei a devida atenção (aquele preconceito: filme coreano? deve ser uma seca…).

O facto de ter ganho o óscar, no entanto, acabou por me despertar a curiosidade.

Acresce o facto do Pedro ter dito que o viu três vezes – e eu confio no gosto cinematográfico do meu filho.

Mesmo assim, se, por qualquer motivo, eu não tivesse ido ver o filme, o facto do palerma do Trump ter dito, num comício, que não percebia por que raio é que “Parasitas” ganhou o óscar, teria sido suficiente para eu ir a correr vê-lo.

É um grande filme – atrevo-me a dizer, Tarantino style, com as devidas e enormes diferenças, a começar por ser feito por coreanos.

O filme conta-nos a história de uma família de pai, mãe, filho e filha, todos desempregados e a viver numa cave de um bairro muito degradado.

Um amigo do filho arranja-lhe um trabalho: dar explicações de inglês a uma adolescente, filha de um casal bem instalado na vida, com casa desenhada por arquitecto famoso, com governanta e tudo.

O rapaz é um sucesso como explicador e, com manhas e artimanhas, toda a sua família acaba a trabalhar para os ricalhaços: a sua irmã, como professora de arte, o pai, como motorista e a mãe, como governanta.

O filme está cheio de situações hilariantes, diálogos e cenas bizarras. Lembrei-me do Tarantino por causa desses diálogos, digamos, deslocados (o rapaz diz, como alguma frequência, “isto é muito metafórico!”) e por algumas cenas, como aquela em que a governanta e o marido dançam, ao som de um disco de um cantor italiano dos anos 70.

O final, é apoteótico, com quatro mortes e uma lição de moral.

Muito bom!

“A Rainy Day in New York”, de Woody Allen (2019)

Woody Allen nunca desilude. Os seus filmes são todos iguais, e todos diferentes. Claro que já não há aquela surpresa que causaram “Annie Hall” ou “Manhattan”, mas há sempre uma história bem contada, com diálogos inteligentes, algumas boas piadas e muito romantismo, sem ser piegas.

Desta vez, Allen escolheu novamente New York como cenário de fundo, embora o filme se passe, quase todo, em interiores. Imagino que fazer cenas tendo, como pano de fundo, a Brooklyn Bridge, o Empire State, o East River, a Broadway, deveria sair muito caro – portanto, temos a cena final no Central Park e já vamos com sorte.

Gatsby (Timothée Chalamet) é um jovem universitário que gosta muito de Manhattan e leva a sua namorada, Ashleigh (Elle Fanning) para um fim de semana em que lhe deveria mostrar a cidade. Ela vai fazer uma entrevista de uma hora a um realizador de cinema famoso, para ser publicada no jornal da Faculdade.

Só que, além da entrevista, ela se vê envolvida em diversas peripécias relacionadas com a fauna do cinema, acabando no apartamento de um actor mais ou menos famoso, e ele deambula pela cidade, sempre debaixo de uma chuva copiosa e, como vê todos os seus planos falhados, acaba por contratar uma prostituta para se fazer passar pela sua namorada numa festa organizada pela mãe dele.

E há, ainda, a irmã mais nova de uma antiga namorada de Gatsby.

Gostei de ver estes actores muito jovens; Timothée Chalamet tem todos os tiques de Woody Allen (por que será?).

Hora e meia de entretenimento garantido.

A Gaiola das Malucas

Morais Sarmento, o ex-boxeur do PSD, classificou o seu partido como uma gaiola das malucas.

Gaiola das Malucas – no original, La Cage aux Folles – é um filme italo-francês de 1978, realizado por Édouard Molinaro, com Ugo Tognazzi e outros.

O filme conta a história da chegada de Laurent Baldi à casa dos pais, um casal homossexual formado por Renato, o gerente de uma boate drag de Saint-Tropez, e Albin, a atracção principal do estabelecimento. Laurent volta para casa para anunciar que está noivo de Andrea, filha do político ultra-conservador Simon. Com a ocorrência de um escândalo sexual no seu partido político, Simon decide casar sua filha com Laurent para poder fazer os média esquecer tudo, sem imaginar como é a família do noivo.

Acho que não é preciso dizer mais nada sobre o PSD…

“Once Upon a Time in Hollywood”, de Quentin Tarantino (2019)

Beethoven compôs nove sinfonias. Tarantino realizou nove filmes.

Não vou comparar Beethoven com Tarantino. Seria o mesmo que comparar grelos cozidos com laranjas.

Mas sempre direi que, no que respeita às sinfonias de Beethoven, é impossível dizer qual é a melhor. Será a famosa Quinta ou a Nona, conhecida como Coral? Será a Terceira, a Heróica, ou a Sexta, a Pastoral?

Já no que diz respeito aos nove filmes de Tarantino, o melhor é, sem dúvida, Pulp Fiction.

A este nono filme de Tarantino, falta-lhe alguma coisa para ser um Pulp Fiction.

Falta-lhe algum ritmo (há cenas intermináveis de Rick a conduzir pelas ruas e estradas de LA), faltam-lhe o monólogos de Keitel e de Cristopher Walken e falta-lhe uma personagem feminina como a de Uma Thurman.

Mas tem outros ingredientes muito bons: a dupla de Brad Pitt e Leonardo DiCaprio iguala a de Travolta e Sammuel L. Jackson, os diálogos são dignos de Tarantino e a banda sonora é excelente (Joe Cocker, Mamas and Papas, José Feliciano, Easy Beats e muitos outros, em versões menos conhecidas de êxitos de finais dos anos 60).

E depois, há a homenagem aos filmes, a Hollywood, aos western spaguetti, às séries televisivas a preto e branco, aos cromos e aos tiques dos actores, realizadores e restante família.

DiCaprio faz um óptimo Rick Dalton, um actor de séries televisivas que está em declínio; muito bem acompanhado por Brad Pitt, o seu duplo e que, agora, faz de motorista e faz-tudo do actor.

Dalton mora mesmo ao lado da vivenda que Polanski partilha com Sharon Tate e, como a acção decorre em 1969, sabemos que estamos no ano em que Charlie Manson é o mentor dos assassínios brutais de Tate e dos seus amigos, na noite de 9 de agosto de 1969.

Por isso mesmo, o final do nono filme de Tarantino é surpreendente.

Embora não consiga atingir o nível de Pulp Fiction, Once Upon a Time in Hollywood garante um bom entretenimento durante três horas.

“Yesterday”, de Danny Boyle (2019)

Um empregado de supermercado, Jack (Himesh Patel), vivendo numa parvónia britânica, pretende tornar-se um cantor de sucesso, mas tem apenas como fãs três ou quatro amigos e a sua agente (Lily James), uma despretensiosa professora de matemática.

Prestes a desistir de tornar-se músico, Jack é atropelado por um autocarro, durante um estranho blackout que atingiu todo o planeta.

Depois de algum tempo no hospital, Jack tem alta e os amigos oferecem-lhe uma guitarra nova; ele pega na guitarra e canta o Yesterday, dos Beatles. Todos ficam atónitos com a canção. Jack descobre que ninguém sabe quem foram os Beatles, ninguém conhece nenhuma das canções dos quatro de Liverpool e todos pensam que todas são da autoria do próprio Jack.

O tal blackout fez desaparecer da História a maior banda pop-rock de sempre e todas as suas canções – e mais outras coisas, que vamos percebendo ao longo do filme, como a Coca Cola (só há Pepsi), os cigarros, etc.

É este o tema base deste filme despretensioso, realizado pelo mesmo realizador de outros filmes bem mais complexos, como o Trainspotting, por exemplo.

Os críticos, em Portugal (do Expresso e Público, pelo menos), não gostaram nada do filme.

Paciência.
O simples facto de poder ouvir, mais uma vez, Hey Jude, I Wanna Hold Your Hand, All You Need Is Love, The Long and Widing Road, Here Comes The Sun e muitas outras grandes canções dos Beatles, e imaginar o que seria o mundo sem elas, valeu a pena as duas horas que passei no cinema.

Se gostam da música dos Beatles, é imperdível.