Adoramos ir à faca!

O Diário de Notícias titula, em manchete a vermelho: “Bónus a médicos fez disparar cirurgias, mas um terço dos doentes é operado tarde demais”.

Fiquei preocupado.

Será que um terço dos portugueses, apesar de serem operados, já não tiveram salvação possível e morreram?

Parece que não.

Na página 12, o título é mais moderado: “Incentivos a cirurgias permitem recordes em 2023, mas 30% ainda são tratados fora de tempo”.

Isto é: um terço dos operados esperam mais tempo para ser operados do que o recomendado. No entanto, dizer que são operados “tarde demais”, é apenas mais um sintoma do populismo que tomou conta dos órgãos de comunicação social.

Ignorando mais este título exagerado do antigamente circunspecto Diário de Notícias, gostaria de me deter neste número impressionante: em 2023, 758 mil portugueses foram operados e, nos primeiros quatro meses deste ano, já foram operados mais 246 mil. Por outras palavras, um milhão de portugueses operados em menos de ano e meio!

Operar 1% da população em menos de ano e meio, é obra, caramba!

Gostamos mesmo de ir à faca, porra!

“Tempo de Furacões”, de Fernanda Melchor (2017)

Quando comecei a ler este livro lembrei-me logo de outro: O Outono do Patriarca, de Gabriel Garcia Marquez, livro publicado em 1975 e que eu li em 1978.

Lembrei-me desse livro porque, também este, é sempre a andar, sem parágrafos, com uma oralidade muito bem conseguida, como se estivéssemos a ouvir alguém a contar-nos uma história sem pausas, sem sequer respirar. Marquez, no entanto, não facilitou a vida ao leitor porque não colocou pontuação no seu texto, enquanto Fernanda Melchor deu-nos uma grande ajuda, usando vírgulas e pontos finais – mas não parágrafos.

Fernanda Melchor é uma escritora mexicana (Vera Cruz, 1982) e com este livro foi finalista do Booker Internacional de 2020.

A história – que não é o mais importante, penso eu – gira em redor de uma Bruxa, numa localidade perdida do México e de um grupo de pessoas desgraçadas, pobres, drogadas, sem trabalho, que se prostituem, se drogam, se matam, se amedrontam com feitiços, acumulam más decisões e não têm futuro.

A linguagem que a escritora usa é dura.

Página 34:

“ (…) para que a velha finalmente se apercebesse do género de menino que era o seu neto, maricas de merda e cobarde, devasso de merda que nunca agradeceu tudo o que a avó fez por ele, tudo o que teve de lhe suportar, porque se não tivesse sido a avó, o raio do rapaz teria morrido, porque a puta que o pariu tinha-o completamente abandonado e cheio de parasitas, maltratado e cheio de fome numa choça enquanto ela andava na maior a fazer vida de puta na estrada.”

A linguagem é mesmo muito dura.

Páginas 134/135:

“porque Maurílio trazia-me pelo beicinho com a sua lábia, com as suas cantiguinhas, mas sobretudo com a sua verga; porque eu tinha catorze anos quando o conheci, acabada de chegar a Villa, farta até aos cabelos de cortar limões lá no rancho e de o meu pai arrecadar o dinheiro todo e a gastá-lo a emborrachar-se e a apostá-lo nos galos; até ao dia em que eu soube que andavam por aqui a construir uma estrada nova, para ligar os poços a Puerto, e que diziam que era uma mina de ouro e que havia muito trabalho e eu não sabia fazer nada, só cortar limões, mas vim na mesma para cá sozinha, e qual foi a minha surpresa quando vi que esta terra era ainda mais fodida que Matadepitas, puta que pariu, e o único lugar onde me deram trabalho foi la na fonda da dona Tina, maldita puta velha e cara de caralho, avarenta como só ela. Eu quase tinha de lhe pedir por favor que me pagasse, negra de merda, e dizia que eu ficava com as gorjetas – mas quais? -, se naquela barraca de merda não paravam nem as moscas.”

E dou só mais um exemplo, caso contrário, começo a transcrever o livro todo.

Página 156:

“Eh pá, o Nelson, o que será feito desse paneleiro? Dizem que foi para Matacocuite e que montou um salão de beleza e que já ninguém o trata por Nelson, agora chama-se Evelyn Kristal. Ganda paneleiro, as nalgotas que ele tinha, lembras-te, mano? E de como ele passava à nossa frente a dar ao cu e a fingir que não percebia que nós o estávamos a ver? Ainda era bem novo quando lhe tirámos os três, mas também já estávamos fartos de andar a ver-lhe as nalgas, cheios de tesão, e um dia levámo-lo ali para os lados da via-férrea e entre demos demos-lhe a foda da vida dele, lembras-te mano? O paneleirote até chorava de alegria, não sabia nem o que fazer com tanto caralho!”

Claro que tenho de falar nos tradutores – diria adaptadores, porque a autora não terá escrito termos como “paneleirote” ou “panisgas”, ou “cheio de nove horas” e muitos outros. Os tradutores são Cristina Rodrigues e Artur Guerra que, segundo informação da editora Elsinore, traduziram já centenas de livros desde a década de 1990 e usam, como método de trabalho, lerem tudo em voz alta.

Também este livro merece ser lido em voz alta.

Aconselho vivamente…

Não quero saber!

Eu quero lá saber quem telefonou para o SIS!

Não insistam: não quero saber quem deu a ordem para ir buscar o computador!

Quero lá saber se o adjunto ia de bicicleta ou de trotineta, ou se foi ele que deu dois murros na senhora ou se foi a senhora que lhe deu uma canelada!

Estou-me a cagar para as notas do adjunto! O gajo pode tê-las escrito na reunião secreta ou depois, em casa, quero lá saber!

Foi o Galamba que lhe ofereceu dois socos? E depois, o que tenho eu a ver com isso?!

Ah! Foi o Pinheiro que insultou o Galamba! Quero lá saber!

Estou farto desta merda!

Será que não há mais nada para discutir?

Toda a comunicação social a falar sempre da mesma coisa há semanas, porquê?

Que ganham com isso?

Tirando as imagens do Benfica campeão e do Almeida ciclista, é só conversa fiada sobre os incidentes no Ministério das Infratorturas.

Caçam o tipo do governo na Convenção do Bloco de Esquerda e atacam-nos com as perguntas do costume: foi o senhor que deu a ordem?

NÃO QUERO SABER!

Cambada de obsessivos! Agarram-se a um assunto como lapas e não largam, como se desse assunto dependesse a vida das pessoas!

A malta está-se a lixar para quem chamou o SIS!

Convençam-se disso: ninguém fala nessa merda a não ser vocês!

Deslarguem, porra!

Não se procura idoso

Desapareceu de sua casa este idoso, com idade cronológica de 84 anos, embora aparente muito mais.

Sofre de desmemoriação, não se recordando, por exemplo, que foi o responsável pelo numerus clausus nas Faculdades de Medicina, pelo fim da agricultura e das pescas, por grande parte do cimento e do alcatrão e por muitas outras patifarias.

Se alguém tiver o azar de o encontrar, deixe-o estar sossegado. Ninguém sente a sua falta!

“Pequenas Coisas Como Estas”, de Claire Keegan (2021)

Claire Keegan (Wicklow, Irlanda, 1968), foi finalista do Booker Prize de 2022 com este livro.

Depois de ter lido um calhamaço com mais de 600 páginas, despachei este pequeno livro de 80 páginas numa penada.

Por vezes, não é preciso escrever muito para se conseguir o que se pretende. O que esta escritora irlandesa quis foi falar-nos, de um modo simples, de mais uma tragédia relacionada com a igreja católica.

No final do livro, uma nota dá-nos conta das chamadas Lavandarias de Madalena, instituições ligadas a conventos que albergavam raparigas “pecadoras”, aquelas que engravidavam depois de terem sido violadas, ou depois de uma relação ocasional, e que eram solteiras. Diz a nota que essas mulheres eram “escondidas, aprisionadas e obrigadas a trabalhar nessas instituições”. Muitos dos registos dessas lavandarias foram destruídos e não se sabe ao certo quantas mulheres albergaram. Há quem fale em 10 mil, há quem diga que foram 30 mil. Muitas dessas mulheres perderam os seus bebés, muitas perderam as suas vidas. Um relatório recente da Comissão de Investigação dos Lares para Mães Solteiras concluiu que 9 mil crianças morreram em apenas 18 das instituições investigadas. Em 2014, a investigadora Catherine Corless descobriu que 796 bebés morreram entre 1925 e 1961 no lar de Tuam, no condado de Galway.

É sobre isto que trata esta pequena, mas eloquente novela.

Bill Furlong vendia carvão, antracite e lenha. Vivia numa pequena vila irlandesa, com a sua mulher e as suas cinco filhas. Um dia, ao entregar carvão no convento local, deparou-se com uma rapariga presa no reservatório de carvão.

Depois de muito matutar, Bill Furlong tomou uma decisão em relação àquela rapariga. O que fez, não foi nada de especial, mas são Pequenas Coisas Como Estas que podem fazer a diferença.

Vale a pena ler.

Queres fumar? Toma!

O governo aprovou mais restrições à venda e ao consumo de tabaco. Os comentadores, em geral, estão contra. Pena não dizerem se são, ou não, fumadores.

Fui fumador durante 39 anos. Deixei de fumar quando nasceu o meu primeiro neto, há 16 anos. Já era tarde. Tenho doença coronária grave, já fiz três angioplastias e colocaram-me nove stents.

Uma das poucas coisas de que me arrependo na vida: ter começado a fumar. E porque comecei a fumar? Por imitação. Toda a gente fumava nos anos 60 do século passado: fumava-se nos cinemas, nos transportes públicos, nos aviões; na televisão, os apresentadores do telejornal, fumavam em directo. Assisti ao célebre debate entre Soares e Cunhal. Os moderadores foram o Joaquim Letria e o José Manuel Megre. Ambos conduziram o debate a fumar. Como estudante de Medicina, lembro-me que se fumava até nas enfermarias, enquanto se observavam os doentes. Os meus primeiros cigarros, comprei-os avulso numa mercearia perto do Liceu. Como podia não fumar?

Agora, vai ser proibido fumar à porta dos hospitais, das escolas e dos restaurantes. Finalmente, posso beber a bica na esplanada do café da minha rua, sem levar com o fumo do cigarro do vizinho da mesa ao lado, porque também vai ser proibido fumar nas esplanadas.

Acham mal? Parece que sim. Dizem que não se proíbe o álcool nem o jogo, mas proíbe-se o tabaco. Considerações próprias de quem fuma.

Vi uma reportagem numa aldeia do Alentejo. Queixava-se um fumador que, para comprar cigarros, teria de se deslocar 18 km, a Évora e, com o preço das passagens da camioneta, não podia. Como diz o povo, quem não tem dinheiro, não tem vícios.

Todos os dias, oiço queixas. A vida está por hora da morte, depois de se pagar os alimentos, não há dinheiro para os medicamentos; se se comprar os comprimidos, não se põe comida na mesa. Ora aqui estão medidas sérias para ajudar a malta: deixando de comprar tabaco, já ficam com uma folga para a comida e para os medicamentos.

Ou não?

“Uma Pequena Vida”, de Hanya Yanagihara (2015)

Yanagihara (Los Angeles, 1974) é uma escritora norte-americana que, com esta obra, foi finalista do Man Booker Prize e do National Book Award.

Quando terminei a leitura deste calhamaço senti um grande alívio. Por um lado, porque se trata de um tijolo com 684 páginas. Como gosto de ler na cama, segurar neste livro exige alguma preparação física. Por outro lado, senti alívio porque é um livro triste e terrível. No fundo, é um livro sobre o sofrimento, mas também sobre a amizade e o amor.

A história começa com quatro jovens universitários que se tornam amigos para a vida. Todos eles vão ser bem-sucedidos. JB torna-se um artista plástico famoso, Malcolm, um arquitecto de renome, Willem, será um actor consagrado e Jude um advogado implacável. Todos enriquecem graças às suas profissões.

A narrativa, no entanto, centra-se mais em Jude, que tem uma infância tenebrosa, que procura esconder de toda a gente, porque se envergonha dela. Acolhido num convento aos 9 anos, Jude foi vítima de sovas monumentais e também de abusos sexuais repetidos. Um dos irmãos, o irmão Luke, foge com ele, mas, em vez de o libertar, vai usá-lo como prostituto. Abusado por dezenas de clientes, mais tarde vítima de mais maus-tratos, Jude fica com aleijões físicos importantes, mas, pior do que isso, traumas psíquicos de que nunca se vai libertar. Apesar de acabar por conseguir formar-se em Direito e de se tornar num advogado importante numa grande firma, nunca vai conseguir ultrapassar esse trauma e, sempre que se sente em baixo, corta-se. Corta-se com uma lâmina nos braços, até ficar cheio de cicatrizes. Provocando dor física nele próprio, tenta assim ultrapassar a dor psíquica. Em vão. O facto de ter conseguido singrar na vida, ocupando um lugar de destaque na sociedade de advogados de que faz parte, apesar de ser proprietário de um apartamento luxuoso, renovado pelo seu amigo Malcolm, apesar de, juntamente com Willelm, seu companheiro, ter comprado e mandado construir uma casa de campo, apesar até de ter sido adoptado, já adulto, pelo seu antigo professor e pela esposa, apesar do apoio incondicional de Andy, o seu médico e amigo – apesar de tudo isso, não vai conseguir ultrapassar o seu passado de pessoa abusada.

O sofrimento de Jude e a tentativa que os seus amigos fazem, uma e outra vez, para o ajudar, é bem descrita pela autora, em páginas e páginas que se vão sucedendo e que nos deixam perturbados.

Claro que tudo isto é possível porque todas as personagens estão bem na vida, têm posses para viajar, para ter existências confortáveis, sem se preocuparem com os gastos do dia-a-dia. Fosse Jude um dos muitos abusados pobres e o livro terminaria nas primeiras páginas. É um livro perturbador que merece ser lido.

“Lucy à beira-mar”, de Elizabeth Strout (2022)

Elizabeth Strout criou duas personagens muito bem conseguidas: Olive Kitteridge (Olive Kitteridge (2008) e A Segunda Vida de Olive Kitteridge (2019) e Lucy Barton (O Meu Nome é Lucy Barton (2016), Tudo É Possível (2017), Oh William! (2021) .

“Lucy à Beira-Mar” é já o quarto livro que lemos com esta personagem. Trata-se de uma escritora com algum sucesso, que nasceu muito pobre, mas que vive agora confortavelmente devido ao êxito dos seus livros. No entanto, não esquece a sua infância e a sua relação com os pais, já falecidos, e os irmãos, não é fácil. Parece que Lucy tem alguma vergonha do êxito que alcançou e os seus familiares, por seu lado, invejam-na.

A acção deste livro decorre em plena pandemia de covid 19, numa altura em que o número de casos positivos em Nova Iorque era enorme. Para fugir ao covid, Lucy aceita a sugestão do ex-marido, William, para irem viver para uma pequena vila no Maine, onde o covid parece não ter chegado, por enquanto.

Tal como acontece nos restantes livros em que Lucy é a protagonista, vamos sabendo pormenores do dia-a-dia dela, do marido, das filhas de ambos, de alguns amigos. Lucy faz considerações sobre as coisas da vida, sempre com uma linguagem muito simples e directa.

Um livro que é uma boa companhia.

Caramba João Galamba!

A conferência de imprensa do ministro Galamba permitiu conhecer algumas novidades sobre os ministérios.

A mais importante diz respeito ao tamanho das casas de banho. Ficámos a saber que cerca de cinco pessoas se refugiaram na casa de banho do ministério das Infraestruturas, fugindo ao furibundo assessor. São, portanto, casas de banho de tamanho considerável, a menos que alguns dos refugiados se tenha escondido na banheira. Imagino dois na banheira, um sentado na sanita e mais dois junto ao lavatório; mesmo assim, é uma casa de banho jeitosa.

Ficámos também a saber que o assessor Pinheiro agrediu as senhoras do gabinete, usando a mochila como arma de arremesso. É um sinal dos tempos. Antigamente, só os hippies andavam de mochila, enquanto os assessores, se os havia, usavam aquelas malas à James Bond. Sempre pensei que uma mochila não seria tão agressiva como uma mala de agente secreto – só que a mochila do Pinheiro tinha um computador lá dentro.

Por que razão o assessor queria tanto aquele computador?

Será que, no disco rígido, tinha vídeos porno protagonizados por figuras públicas em actividades lúbricas com a bicicleta do assessor? De salientar que era uma bicicleta eléctrica. Nunca se sabe…

Os jornalistas correram à Ovibeja, para saber o que o presidente pensava disto, mas Marcelo estava entretido a comer presunto e a beber vinho alentejano por copinhos pequeninos. É perigosíssimo. Já experimentei. A gente vai bebendo copinhos, uns atrás dos outros e, as tantas, já não sabemos se estamos em Beja ou em Mértola! No fim da visita, também Marcelo já arrastava a voz e dizia que, em primeiro lugar, vai falar com o António Costa.

Entretanto, a economia está na maior, mas ninguém liga essas merdas…