Fenómenos Estranhos

Indivíduos estranhos (excerto)

* Em Frankfurt existe um homem tão míope que precisa de óculos para dormir.

* Em Sydney é conhecido o caso daquele homem tão pequeno que tem de subir a um banco para atacar os sapatos.

* Em Liverpool todos conhecem o caso do homem tão magro que a gravata lhe fica larga nos ombros.

* Algures no Utah existe um senhor que, sempre que coça a cabeça, se acende uma luz no joelho esquerdo. Não precisa de pilhas.

* Em Nova Deli há uma mulher de ascendência anglo-britânica que tem uma boca tão pequena que só consegue alimentar-se de esparguete.

* Pelo contrário, em Kampala, há uma outra mulher com uma boca tão grande que consegue comer um melão inteiro de uma só dentada, desde que feche um bocadinho a boca.

* Em Antuérpia viveu um homem que tinha as duas orelhas do mesmo lado da cabeça. Felizmente para ele, do outro lado tinha o nariz.

* Perto de Pequim habita um camponês tão velho que assistiu ao próprio nascimento.

Fenómenos estranhos (excerto)

* Um cientista dinamarquês conseguiu, ao fim de 5 anos de trabalho penoso, demonstrar que, afinal, as estátuas dos gigantes da ilha da Páscoa, não se movem. Como se sabe, era aceite que essas estátuas se deslocavam cerca de 6 milímetros por ano, em direcção ao mar e, quando atingissem as águas, o ayatollah Khomeiny aceitaria escrever uma peça de teatro com Miguel Esteves Cardoso. Khadafi forneceria as anfetaminas. No entanto, o notável cientista dinamarquês – um tal Sjorgen qualquer coisa – esteve 5 anos sentadinho na ilha da Páscoa, vigiando as estátuas dia e noite, e afirma peremptoriamente, que elas não se mexeram.

* Gregory Stewart, hortelão de Ohio, afirma ter ouvido uma das suas couve-flor proferir, em tom profético, «you Bloody bastard!». Verificou-se, mais tarde, que eram os tomates de Stewart que falavam e o norte-americano foi acusado de praticar ventriloquia em vegetais, sem a devida autorização do sindicato.

* Extraordinário fenómeno de telequinésia na 7ª Avenida, em Nova Iorque. Todo o conteúdo de uma ourivesaria foi deslocado pela força mental de um extra-sensorial para o interior de uma carrinha a diesel que, por sua vez, se deslocou pelos seus próprios meios, para bem longe dali.

* Em Abbiate Guazzone, subúrbio da pequena cidade de Tradate, a alguns quilómetros de Varese, em plena Lombardia, isto é, Itália, sem tirar nem pôr, Bruno Facchini, um homem de 40 anos e dois filhos, decidiu ir à retrete após uma valente tempestade. A retrete situava-se do outro lado do pátio e Facchini teve que se deslocar cerca de 10 metros. Quando regressava a casa, após ter satisfeito as suas mais elementares necessidades, viu um reflexo, uma cintilação que cortava a obscuridade do seu pátio. Tinha deixado a lâmpada fosforescente da cozinha acesa.

* Em Aveiro, a senhora de Castro Sintra afirma ser capaz de influenciar a saída das cartas numa jogatana de poker. Partiram-lhe dois braços.

* Na Nova Cantuária é encontrado um túmulo de um homem que, segundo os primeiros estudos, teria falecido há mais de 3 mil anos. O corpo estava intacto, as roupas praticamente novas e o próprio morto confirmou, depois de muito instado, que morrera há uma porrada de anos.

* Dois ovnis aterram em Alverca, mas ninguém vê.

Fenómenos estranhos em Portugal (excerto)

* Em Avintes, uma galinha pôs um ovo cosido com esse.

* Em Ourique, existe uma árvore genealógica com 3 metros de altura

* Em Sernancelhe nasceu uma pata com um erro genético nas vogais.

* Em S. Bento existe uma fonte geralmente bem informada que nunca deu água. Apenas mete.

* Em Viana do Castelo o sr. Rebordão tem tomates do tamanho de melões no seu quintal. Já foram fotografados e tudo.

* Em Tomar, perto do rio Nabão, foi encontrado um gambuzino com o dobro do tamanho habitual e ainda mais verde.

* Na Amareleja existe um barbeiro tão desajeitado que só faz a barba aos outros. A ele, corta-se

* Na Amadora, um gato tentou suicidar-se e só conseguiu à oitava tentativa.

Mais fenómenos estranhos

* Andar com os dois pés no chão ao mesmo tempo

* ter caspa na cabeça dos dedos

* ter umbigo na barriga das pernas

* voar nas asas do nariz

* fazer o ninho atrás da orelha e pôr ovos no sovaco

* ir para a cama com todas as meninas dos olhos

* usar soutien nos peitos dos pés

* atirar tudo para trás das costas das mãos

* estar pelos cabelos, sendo careca

* atar os nós dos dedos

* subir ao alto da cabeça

* meter a mão na consciência e sujá-la

* morrer e ir para o céu da boca

* pôr supositórios pelo rabo do olho

* ter o coração aos saltos em altura

* sofrer de dores na bacia e ser operado ao bidé

* jogar andebol no pavilhão auricular

* ter um olho de vidro martelado

* curar a bebedeira do intestino grosso

* ter as costas largas e só entrar em casa de lado

* lavar os dentes com a pasta de executivo

* ensebar o couro cabeludo

* usar pêra no queixo e nêspera nas orelhas

* ter as maçãs do rosto com bicho

* ter uma corda na garganta e engoli-la

* despir o sobretudo e vestir o realmente

* estender o cabelo escorrido

* tomar o pulso com um copo de água

* ter garrafas de tinto na caixa dos pirolitos

* colocar lentes de contacto nas pupilas do sr. Reitor

* pôr óleo nos maxilares para não ranger os dentes

* bocejar com a boca de incêndio

* engolir em seco debaixo de água

* usar suíças na Alemanha

* dormir ao ralenti e constipar-se devagarinho

* beber uma cervejinha e comer os caracóis do cabelo

* ter a cara cheia de pés de galinha, a cabeça cheia de bicos e pôr ovos pelos ouvidos

* ser analfabeto, ter nariz aquilino e chamar-se Ribeiro

* ser um testa de ferro e enferrujá-la numa noite húmida

  • Programa Pão com Manteiga – 2 de janeiro de 1983

“A Parede”, de Marlen Haushofer (1963)

Marlen Haushofer (1920-1970), foi uma escritora austríaca que nunca quis a notoriedade, mas que acabou por influenciar outras autoras do seu país. Escreveu três ou quatro romances e um livro de contos e morreu com 50 anos, vítima de cancro ósseo.

Este “A Parede” é o seu romance mais conhecido e parece ter sido redescoberto recentemente; como diz a badana do livro, trata-se de um “clássico ecofeminista”.

A narradora vai passar um fim de semana a um pavilhão de caça pertencente a um casal amigo, em plenos Alpes. O casal decide ir a um aldeia próxima e a narradora fica sozinha. Adormece e quando acorda, o casal não regressou. Explorando as imediações do pavilhão de caça, descobre uma parede que a isola do resto do mundo. Para lá da parede, todos os seres vivos parecem ter perecido. Terá acontecido uma qualquer catástrofe, mas a narradora não se detém muito sobre quem terá construído a parede, como ela foik parar àquela zona, nem sobre que tipo de catátrofe terá acontecido. E assim, ali está ela, aparentemente sozinha no mundo, apenas com a companhia de um cão.

Tudo isto é revelado logo nas primeiras páginas, portanto, é obra como a autora nos consegue manter interessados ao longo de quase 300 páginas, limitando-se a contar o seu dia-a-dia. Confesso que achei o livro um pouco monótono, mas, ao mesmo tempo, interessou-se esta espécie de Robinson Crusoe moderno.

A tradução é de Gilda Lopes Encarnação, numa edição Antígona.

Futebol – modalidade multifacetada

Quando o guarda-redes rechaça com os punhos – é boxe

Se o avançado executa um pontapé de bicicleta – é ciclismo

Se o guardião mergulha aos pés do adversário – é natação

Se o avançado dispara à queima-roupa – é assassínio

Se fuzila o guarda-redes – é carrasco

Se dispara sem preparação – é assassínio involuntário

Quando a bola bate na barra – é galo

Se passa por baixo das pernas do guarda-redes – é frango

Se bate duas vezes na barra e não entra – é vaca

Se o avançado está à mama – é a zoologia completa

Se a bola pinga sobre a baliza – há molho

Se os avançados fazem tabelinha – é bilhar

Quando o jogador chuta na relva – é desprezo pelos espaços verdes

Quando atira para a terra de ninguém – é um perdulário

Quando o avançado surge isolado na grande área – é a solidão

Quando o defesa corta – há sangue

Quando o defesa se corta – é maricas

Se o jogador se agarra muito à bola – é fanático

Se passa em profundidade – é escafandrismo

Quando o avançado se interna no campo adversário – está doente

Se se agarra muito à linha – é alfaiate

Se o guardião defende in extremis – é latim

Se o defesa alivia de qualquer maneira – é porcalhão

Se o defesa, atento, está sempre em cima do adversário – é a dor nas costas

Quando o avançado centra solicitando a cabeça de um companheiro – é um sanguinário

Se o guardião oferece o corpo à bola – é um depravado

Se o jogador vai a todas – é um garanhão.

Anúncios Pão com Manteiga

* Evite o roubo – junte-se a nós. Nunca roubamos colegas.

* Monte Gordo – que o magro não aguenta

* Drogaria – se não fosse proibido. Assim, tenho medo da polícia

* Andar Baixa – faz mal à espinha; endireite essas costas

* Dá-se 5 000$00 – a quem der 10 000$00. Negócio absolutamente limpo. Lavo sempre as mãos antes de receber a massa

* Furos para água – orifícios para vinho, buracos para cerveja, aberturas para leite, covas para laranjada. Fazemos orçamentos.

* Parede vende-se – pintada de verde, sem buracos de pregos. Tem apenas um quadro pendurado

* Bom Andar – tudo depende dos sapatos. Use o nosso calçado e verá como andará bem

* Quinta Compro – sexta vendo. Sou um inconstante

* Paio Pires – Mortadela Amaral, Presunto Silva, Bacon Oliveira, Salsichas Borsalino. Carnes das melhores proveniências

* BMW, DKW, VW – Pltr rtgsls  ldkjhd lslkjdh

* Andar na Pontinha – é perigoso; mantenha o equilíbrio!

* Sementes – levas porrada! É muito feio mentir.

  • in revista Pão com Manteiga, diverso números, 1981/2

A Cara

Sinónimos: rosto, face, tromba.

Breve explicação: um homem sem cara não é um verdadeiro homem. Provavelmente não será também uma mulher. A cara é, portanto, uma das partes mais importantes do corpo humano e justifica-se que nos ocupemos dela nesta primeira lição.

Localização: a cara localiza-se um pouco acima do pescoço, mas não muito. Apenas o suficiente para não se confundir com o tórax.

Conteúdo: é muito variável de pessoa para pessoa. No entanto, determinados constituintes existem na esmagadora maioria dos humanos, nomeadamente a boca e o nariz.

A boca trata-se de uma abertura logo acima do queixo, rodeada por duas faixas mais ou menos vermelhas, a que chamamos lábios. Note-se que a boca pode estar aberta ou fechada e possui uma propriedade fundamental, que poderá ser facilmente comprovada pelo leitor atento. Para tal, pegue num pedaço de pão com cerca de 8 centímetros e tente introduzi-lo no nariz, nas orelhas e assim sucessivamente.

Não conseguiu, não é verdade?

Pois tente agora enfiá-lo na boca.

Que tal? Entrou, não foi?

E, mesmo sem dar por isso, o leitor desatou a fazer movimentos com os dentes, para cima e para baixo, e acabou por engolir o pão. Experimente com o pão barrado com manteiga. Mais agradável ainda, hem? Pois é a isso que se chama comer. Já sabia, com certeza… Nem sempre se pode ser original…

Bom, acima da boca está o nariz. O nariz é um apêndice com alguns centímetros de comprimento e dois orifícios. Trata-se de um órgão muito útil, mesmo imprescindível. Assim, o nariz serve para nos assoarmos, mas, sobretudo, para metermos o dedo no nariz.

Como é do conhecimento geral, sem nariz não se poderia meter o nariz onde não se é chamado, não se poderia torcer o nariz, a mostarda nunca nos subiria ao mesmo. Serve também para levar murros e é muito utilizado quando está nevoeiro; nestas alturas, medimos um palmo à frente do nariz e se não enxergarmos coisa nenhuma, confirma-se que está nevoeiro.

Além da boca e do nariz, a cara pode ainda possuir dois olhos, com as respectivas sobrancelhas e duas orelhas – mas nem sempre. Pouco se sabe quanto à utilidade dos olhos, embora muita gente os utilize para ver.

A expressão “comer com os olhos” deve ser banida, uma vez que ficou provado que é com a boca que se come. Tal como no nariz, também se dão murros nos olhos ou, de preferência, deita-se-lhes poeira.

Das orelhas, conhecem-se apenas duas utilidades: ou servem de abano, se forem grandes, ou se faz o ninho atrás delas. De resto, são inestéticas e desprovidas de interesse.

Função: falámos do conteúdo da cara e da utilidade de cada uma das suas partes. Mas a cara propriamente dita, como um todo, merece uma referência à parte.

Como se sabe, existem vários tipos de caras, nomeadamente, a cara de parvo, a cara de mau, a carantonha, a cara de pau, a cara de poucos amigos, e a vida, que está cara. Por vezes, a cara serve para se transformar em bolo. O leitor talvez não acredite, mas se fizer mais uma pequena experiência, comprovará que não o estamos a enganar. Esta experiência pode realizá-la na cara de um amigo seu, ou na sua própria cara, em frente a um espelho, não necessitando de nenhum material especial. Basta, de facto, de dar uma série numerosa de socos no nariz e nos olhos (cf. Referências anteriores a estes dois órgãos). Como vê, tem a cara feita num bolo. Aproveite e coma-o. Com a boca, claro. É para isso que ela serve, como já aprendeu no início desta lição.

Conclusão: mas nestas coisas de anatomia, as aparências iludem muito. É

 frequente, por exemplo, que um tipo com cara de poucos amigos, tenha um fígado impecável. Aliás, quem vê caras, não vê corações, como se sabe…

  • in Revista pão com Manteiga, nº1, junho 1981

Deputado do Chega: a culpa é da mãe!

Miguel Arruda, deputado do Chega pelos Açorews, foi apanhado a roubar malas nos aeroportos de Lisboa e de Ponta Delgada. Alegadamente.

Difícil perceber tal atitude.

Mas basta ver o seu currículo para perceber: Arruda tem um Mestrado em Ciências Biomédicas, outro em Ambiente, Saúde e Segurança, uma pós-graduação em Segurança Alimentar e Saúde Pública, outra em Engenharia de Qualidade, para além de uma licenciatura em Ciências Biológicas e da Saúde – mas afinal, o que o Miguelito queria era ser um simples trabalhador de handling.

Estas mães castradoras!…

“Atos Humanos”, de Han Kang (2014)

Han Kang (Gwangju, Coreia do Sul, 1970) foi o Prémio Novel da Literatura de 2024.

Dela, já tinha lido, A Vegetariana.

Este Atos Humanos é um pequeno livro todo ele dedicado ao período em que a Coreia do Sul viveu sob a ditadura de Park Chung-hee e dos seus seguidores. A cidade de Gwangju, onde a autora nasceu, foi uma cidade mártire, com milhares dos seus habitantes a serem barbaramente assassinados pelos militares, a mando do ditador, apenas porque se tinham rebelado contra as ordens de Seul.

As atrocidades cometidas devem ter sido horríveis e Han Kang que, na altura, teria apenas nove anos, decidiu escrever sobre isso, com o lirismo que lhe é característico.

Trump – a sequela

Os americanos escolheram, novamente, Donald Trump como presidente.

Poderíamos dizer que o problema é deles, mas não é só deles.

Após tomar posse, Trump assinou cerca de uma centena de decisões, entre as quais, o abandono dos Estados Unidos do Acordo de Paris e da OMS.

Ver aquele basbaque a assinar estas decisões com uma caneta para cada decisão, e tecendo comentários idiotas a propósito é de ir às lágrimas. Por exemplo, a propósito de Espanha, pergunta a alguém se esse país faz parte do BRICS! Mais à frente, fala de Gaza como se fosse um futuro destino turístico, dizendo que tem sempre bom tempo e sugerindo que, sob o ponto de vista imobiliário, aquilo poderá ser, sei lá, uma nova Ibiza!

Garantindo que não vai ser vingativo, foi ameaçando os que se opuseram a ele e indultou os 1500 idiotas que invadiram o Capitólio, quando Biden ganhou as eleições ou, como Trump disse no discurso de tomada de posse, quando lhe roubaram a eleição. No futuro, quando um democrata vencer as eleições, os radicais republicanos poderão invadir o Capitólio novamente porque há já o precedente de um indulto presidencial.

Mais estranho ainda: pela primeira vez, um presidente americano fez o que Biden acabou de fazer – indultar uma série de cidadãos que, presumivelmente, poderiam ser acusados por Trump. Entre eles, está o médico que, durante a pandemia, aconselhou o uso de máscaras, medida sempre atacada pelo Trump que, na altura era presidente. Biden pensou que este médico poderia vir a ser acusado por Trump e, então, indultou-o preventivamente – coisa que é inédita.

Outra novidade – para além do chapéu ridículo que a Melania usou durante toda a cerimónia, mesmo ao almoço – foi o facto dos grandes multimilionários das redes sociais terem estado presentes. Para além do já esperado Musk, o Zuckerberg e o Bezzos.

Claro que o Musk deu nas vistas. Tão excitado estava que fez a saudação nazi por duas vezes. Por mais que ele negue, não há dúvida que foi isso que ele fez, o que está de acordo com os seus apoios à extrema-direita inglesa e, sobretudo, alemã.

A menos que, afinal, aquele gesto não passe de um efeito secundário da ketamina que ele, decerto, tomará…

De qualquer modo, penso que iremos viver tempos difíceis.

A única coisa boa: Trump não pode ser reeleito.

Ou será que vai poder?…

“Retrato Huaco”, de Gabriela Wiener (2021)

Gabriela Wiener (Lima,1975) é uma jornalista, colunista e escritora peruana emigrada em Espanha.

Retrato huaco é o nome que se dá a peças de cerâmica que representam rostos indígenas e que, segundo se dizia, capturavam as suas almas.

Gabriela Wiener, mestiça, é tetraneta de Charles Wiener, explorador austríaco-francês que visitou o Peru no século 19 e de lá levou, para Paris, muitas peças de cerâmica e não só, abrindo um museu perto da Torre Eiffel.

Gabriela escreve este pequeno livro de autoficção arrojado, confessando-se adepta do poliamor, vivendo com um marido e uma namorada. Fala-nos do trisavô, colonialista, do pai, revolucionário e adúltero, da mãe e da amante do pai, bem como das suas próprias aventuras sexuais, fora do seu núcleo familiar.

É, por isso, um livro arrojado e estranho, difícil de catalogar.

Duas citações:

Página 45:

“Os meus avós paternos eram tão brancos, que eu não me sentia confortável com eles. Quando o meu avô branco morreu, a minha avó branca começou a tocar-nos um pouco mais e a peidar-se quando ia de uma divisão para a outra, saiu do armário como uma católica simpática e ensinou-me a tricotar. A minha avó chola balançava-me nas pernas e ensinava-me a rezar, enquanto falava com o meu pai como se estivesse a falar com o dono da fazenda, até que adoeceu e começou a mandar todos à merda.”

Página 110:

“Não queremos deixar de foder com brancos, o que queremos é começar a foder entre nós. Branqueámos o sexo, branqueámos o amor, racionalizámo-lo. O poliamor, por exemplo, é uma prática branca que não tem em conta como funciona a circulação do desejo e os seus limites para pessoas como nós, as feias do baile. Desconfiem dos olhos azuis e da lógica do progresso aplicada ao corpo! Deixámos de desejar e de amar corpos como os nossos, afastámo-nos das nossas próprias formas de vida amorosa e sexual, do que nos sai da cona”.

Está dito!

“A Picada da Abelha”, de Paul Murray (2023)

Calhamaço de 716 páginas, finalista do Booker de 2023, é um romance à “moda antiga”, um daqueles que poderá dar um bom filme, uma história com várias personagens, cada uma com as suas peripécias.

O livro conta a história, aparentemente banal, de uma família irlandesa, que vive numa parvónia, a duas horas de Dublin.

Maurice tem um stand e oficina de automóveis, cujos lucros lhe permitem, depois da morte da mulher, viver dos rendimentos, no Algarve. Tem dois filhos: Frank, uma estrela do futebol gaélico e Dickie, pouco dado ao desporto, mas com futuro como gestor do stand. Frank morre tragicamente e Dickie acaba por casar com a noiva de Frank, Imelda e desse casamento nascem Cassandra e JD.

Esta é a base da história. Depois, Murray desenvolve-a, dedicando uma parte do livro a cada personagem. À medida que a história se desenvolve, a trama vai-se adensando e o final é digno de um thriller.

Além disso, o autor condimenta a história com todos os ingredientes actuais: alterações climáticas, emigrantes brasileiras, abrigos anti-nucleares, dúvidas sobre a identidade de género, atenção aos pronomes correctos, crises económicas, etc.

Claro que aconselho…