A Cara

Sinónimos: rosto, face, tromba.

Breve explicação: um homem sem cara não é um verdadeiro homem. Provavelmente não será também uma mulher. A cara é, portanto, uma das partes mais importantes do corpo humano e justifica-se que nos ocupemos dela nesta primeira lição.

Localização: a cara localiza-se um pouco acima do pescoço, mas não muito. Apenas o suficiente para não se confundir com o tórax.

Conteúdo: é muito variável de pessoa para pessoa. No entanto, determinados constituintes existem na esmagadora maioria dos humanos, nomeadamente a boca e o nariz.

A boca trata-se de uma abertura logo acima do queixo, rodeada por duas faixas mais ou menos vermelhas, a que chamamos lábios. Note-se que a boca pode estar aberta ou fechada e possui uma propriedade fundamental, que poderá ser facilmente comprovada pelo leitor atento. Para tal, pegue num pedaço de pão com cerca de 8 centímetros e tente introduzi-lo no nariz, nas orelhas e assim sucessivamente.

Não conseguiu, não é verdade?

Pois tente agora enfiá-lo na boca.

Que tal? Entrou, não foi?

E, mesmo sem dar por isso, o leitor desatou a fazer movimentos com os dentes, para cima e para baixo, e acabou por engolir o pão. Experimente com o pão barrado com manteiga. Mais agradável ainda, hem? Pois é a isso que se chama comer. Já sabia, com certeza… Nem sempre se pode ser original…

Bom, acima da boca está o nariz. O nariz é um apêndice com alguns centímetros de comprimento e dois orifícios. Trata-se de um órgão muito útil, mesmo imprescindível. Assim, o nariz serve para nos assoarmos, mas, sobretudo, para metermos o dedo no nariz.

Como é do conhecimento geral, sem nariz não se poderia meter o nariz onde não se é chamado, não se poderia torcer o nariz, a mostarda nunca nos subiria ao mesmo. Serve também para levar murros e é muito utilizado quando está nevoeiro; nestas alturas, medimos um palmo à frente do nariz e se não enxergarmos coisa nenhuma, confirma-se que está nevoeiro.

Além da boca e do nariz, a cara pode ainda possuir dois olhos, com as respectivas sobrancelhas e duas orelhas – mas nem sempre. Pouco se sabe quanto à utilidade dos olhos, embora muita gente os utilize para ver.

A expressão “comer com os olhos” deve ser banida, uma vez que ficou provado que é com a boca que se come. Tal como no nariz, também se dão murros nos olhos ou, de preferência, deita-se-lhes poeira.

Das orelhas, conhecem-se apenas duas utilidades: ou servem de abano, se forem grandes, ou se faz o ninho atrás delas. De resto, são inestéticas e desprovidas de interesse.

Função: falámos do conteúdo da cara e da utilidade de cada uma das suas partes. Mas a cara propriamente dita, como um todo, merece uma referência à parte.

Como se sabe, existem vários tipos de caras, nomeadamente, a cara de parvo, a cara de mau, a carantonha, a cara de pau, a cara de poucos amigos, e a vida, que está cara. Por vezes, a cara serve para se transformar em bolo. O leitor talvez não acredite, mas se fizer mais uma pequena experiência, comprovará que não o estamos a enganar. Esta experiência pode realizá-la na cara de um amigo seu, ou na sua própria cara, em frente a um espelho, não necessitando de nenhum material especial. Basta, de facto, de dar uma série numerosa de socos no nariz e nos olhos (cf. Referências anteriores a estes dois órgãos). Como vê, tem a cara feita num bolo. Aproveite e coma-o. Com a boca, claro. É para isso que ela serve, como já aprendeu no início desta lição.

Conclusão: mas nestas coisas de anatomia, as aparências iludem muito. É

 frequente, por exemplo, que um tipo com cara de poucos amigos, tenha um fígado impecável. Aliás, quem vê caras, não vê corações, como se sabe…

  • in Revista pão com Manteiga, nº1, junho 1981

Deputado do Chega: a culpa é da mãe!

Miguel Arruda, deputado do Chega pelos Açorews, foi apanhado a roubar malas nos aeroportos de Lisboa e de Ponta Delgada. Alegadamente.

Difícil perceber tal atitude.

Mas basta ver o seu currículo para perceber: Arruda tem um Mestrado em Ciências Biomédicas, outro em Ambiente, Saúde e Segurança, uma pós-graduação em Segurança Alimentar e Saúde Pública, outra em Engenharia de Qualidade, para além de uma licenciatura em Ciências Biológicas e da Saúde – mas afinal, o que o Miguelito queria era ser um simples trabalhador de handling.

Estas mães castradoras!…

“Atos Humanos”, de Han Kang (2014)

Han Kang (Gwangju, Coreia do Sul, 1970) foi o Prémio Novel da Literatura de 2024.

Dela, já tinha lido, A Vegetariana.

Este Atos Humanos é um pequeno livro todo ele dedicado ao período em que a Coreia do Sul viveu sob a ditadura de Park Chung-hee e dos seus seguidores. A cidade de Gwangju, onde a autora nasceu, foi uma cidade mártire, com milhares dos seus habitantes a serem barbaramente assassinados pelos militares, a mando do ditador, apenas porque se tinham rebelado contra as ordens de Seul.

As atrocidades cometidas devem ter sido horríveis e Han Kang que, na altura, teria apenas nove anos, decidiu escrever sobre isso, com o lirismo que lhe é característico.

Trump – a sequela

Os americanos escolheram, novamente, Donald Trump como presidente.

Poderíamos dizer que o problema é deles, mas não é só deles.

Após tomar posse, Trump assinou cerca de uma centena de decisões, entre as quais, o abandono dos Estados Unidos do Acordo de Paris e da OMS.

Ver aquele basbaque a assinar estas decisões com uma caneta para cada decisão, e tecendo comentários idiotas a propósito é de ir às lágrimas. Por exemplo, a propósito de Espanha, pergunta a alguém se esse país faz parte do BRICS! Mais à frente, fala de Gaza como se fosse um futuro destino turístico, dizendo que tem sempre bom tempo e sugerindo que, sob o ponto de vista imobiliário, aquilo poderá ser, sei lá, uma nova Ibiza!

Garantindo que não vai ser vingativo, foi ameaçando os que se opuseram a ele e indultou os 1500 idiotas que invadiram o Capitólio, quando Biden ganhou as eleições ou, como Trump disse no discurso de tomada de posse, quando lhe roubaram a eleição. No futuro, quando um democrata vencer as eleições, os radicais republicanos poderão invadir o Capitólio novamente porque há já o precedente de um indulto presidencial.

Mais estranho ainda: pela primeira vez, um presidente americano fez o que Biden acabou de fazer – indultar uma série de cidadãos que, presumivelmente, poderiam ser acusados por Trump. Entre eles, está o médico que, durante a pandemia, aconselhou o uso de máscaras, medida sempre atacada pelo Trump que, na altura era presidente. Biden pensou que este médico poderia vir a ser acusado por Trump e, então, indultou-o preventivamente – coisa que é inédita.

Outra novidade – para além do chapéu ridículo que a Melania usou durante toda a cerimónia, mesmo ao almoço – foi o facto dos grandes multimilionários das redes sociais terem estado presentes. Para além do já esperado Musk, o Zuckerberg e o Bezzos.

Claro que o Musk deu nas vistas. Tão excitado estava que fez a saudação nazi por duas vezes. Por mais que ele negue, não há dúvida que foi isso que ele fez, o que está de acordo com os seus apoios à extrema-direita inglesa e, sobretudo, alemã.

A menos que, afinal, aquele gesto não passe de um efeito secundário da ketamina que ele, decerto, tomará…

De qualquer modo, penso que iremos viver tempos difíceis.

A única coisa boa: Trump não pode ser reeleito.

Ou será que vai poder?…

“Retrato Huaco”, de Gabriela Wiener (2021)

Gabriela Wiener (Lima,1975) é uma jornalista, colunista e escritora peruana emigrada em Espanha.

Retrato huaco é o nome que se dá a peças de cerâmica que representam rostos indígenas e que, segundo se dizia, capturavam as suas almas.

Gabriela Wiener, mestiça, é tetraneta de Charles Wiener, explorador austríaco-francês que visitou o Peru no século 19 e de lá levou, para Paris, muitas peças de cerâmica e não só, abrindo um museu perto da Torre Eiffel.

Gabriela escreve este pequeno livro de autoficção arrojado, confessando-se adepta do poliamor, vivendo com um marido e uma namorada. Fala-nos do trisavô, colonialista, do pai, revolucionário e adúltero, da mãe e da amante do pai, bem como das suas próprias aventuras sexuais, fora do seu núcleo familiar.

É, por isso, um livro arrojado e estranho, difícil de catalogar.

Duas citações:

Página 45:

“Os meus avós paternos eram tão brancos, que eu não me sentia confortável com eles. Quando o meu avô branco morreu, a minha avó branca começou a tocar-nos um pouco mais e a peidar-se quando ia de uma divisão para a outra, saiu do armário como uma católica simpática e ensinou-me a tricotar. A minha avó chola balançava-me nas pernas e ensinava-me a rezar, enquanto falava com o meu pai como se estivesse a falar com o dono da fazenda, até que adoeceu e começou a mandar todos à merda.”

Página 110:

“Não queremos deixar de foder com brancos, o que queremos é começar a foder entre nós. Branqueámos o sexo, branqueámos o amor, racionalizámo-lo. O poliamor, por exemplo, é uma prática branca que não tem em conta como funciona a circulação do desejo e os seus limites para pessoas como nós, as feias do baile. Desconfiem dos olhos azuis e da lógica do progresso aplicada ao corpo! Deixámos de desejar e de amar corpos como os nossos, afastámo-nos das nossas próprias formas de vida amorosa e sexual, do que nos sai da cona”.

Está dito!

“A Picada da Abelha”, de Paul Murray (2023)

Calhamaço de 716 páginas, finalista do Booker de 2023, é um romance à “moda antiga”, um daqueles que poderá dar um bom filme, uma história com várias personagens, cada uma com as suas peripécias.

O livro conta a história, aparentemente banal, de uma família irlandesa, que vive numa parvónia, a duas horas de Dublin.

Maurice tem um stand e oficina de automóveis, cujos lucros lhe permitem, depois da morte da mulher, viver dos rendimentos, no Algarve. Tem dois filhos: Frank, uma estrela do futebol gaélico e Dickie, pouco dado ao desporto, mas com futuro como gestor do stand. Frank morre tragicamente e Dickie acaba por casar com a noiva de Frank, Imelda e desse casamento nascem Cassandra e JD.

Esta é a base da história. Depois, Murray desenvolve-a, dedicando uma parte do livro a cada personagem. À medida que a história se desenvolve, a trama vai-se adensando e o final é digno de um thriller.

Além disso, o autor condimenta a história com todos os ingredientes actuais: alterações climáticas, emigrantes brasileiras, abrigos anti-nucleares, dúvidas sobre a identidade de género, atenção aos pronomes correctos, crises económicas, etc.

Claro que aconselho…

Trumpalhadas

Donald Trump deu ontem uma conferência de imprensa, no dia em que a sua eleição foi confirmada, sem que o Capitólio tenha sido invadido por apoiantes da Kamala Harris.

Ele disse tantas enormidades que não sei se serei capaz de as referir todas.

Disse, por exemplo, que quer anexar a Gronelândia e o Canal do Panamá. A Gronelândia é uma região autónoma da Dinamarca, mas, segundo ele, os EUA querem anexá-la porque lhes dá jeito, por causa dos navios. O Trump disse que vai usar pressão económica, mas não pôs de parte a ameaça militar. O mesmo em relação ao Canal do Panamá. Os EUA devolveram o Canal aos panamianos em 1999, no tempo de Carter, pelo preço simbólico de um dólar. O Trump diz que, neste momento, é a China que domina o Canal e que, portanto, ele quer reconquistá-lo!

Quanto ao Canadá, melhor seria que se juntasse aos EUA. Os canadianos só tinham a ganhar.

Disse ainda que há água a mais, que há certas regiões onde há tanta água que nem sabem o que fazer com ela; além disso, que a água cai do “heaven” (não disse sky), portanto, não há necessidade de a racionar.

Falou contra as eólicas. Disse que no País de Gales há tantas eólicas que as pessoas estão a ficar crazy.

Falou também a favor dos aquecedores a óleo, em vez dos aquecedores eléctricos.

E quanto aos reféns israelitas, avisou o Hamas que, se até 20 de janeiro, data da sua tomada de posse, os reféns não estiverem livres, que o Médio Oriente vai transformar-se num inferno!

Ora, sabendo que o Trump é apoiado pelo homem mais rico do mundo, e sabendo que ele, Elon Musk, anda a fazer campanha a favor da extrema direita alemã e a tentar minar o Partido Trabalhista britânico, só me apetece dizer que estamos fodidos!

“Queria? Já Não Quer?”, de Marco Neves (2024)

O subtítulo deste pequeno livro diz tudo: Mitos e Disparates da Língua Portuguesa.

Entre eles, o mito de que a palavra “bica” é um acrónimo de “beba isto com açúcar”, que é uma daquelas ideias peregrinas postas a correr nas redes sociais. O autor pesquisa, procura e até consegue, neste caso, transcrever um depoimento de um descendente dos fundadores da Brasileira do Chiado, a explicar que bica vem disso mesmo: de uma bica, a bica da cafeteira de onde saía o café de saco.

Mas o livro debruça-se sobre outros disparates, como o do título. Estará errado dizer “queria um café e um pastel de nata?”. E o que devemos responder ao empregado espertinho que nos responde: “Queria? Já não quer?”

Talvez lhe devêssemos responder:” Eu que eu queria era partir-lhe a cara, mas não devo, devido a convenções sociais, portanto, quero exigir-lhe que me traga um café!”

E, afinal, a excelente palavra “caralho” vem mesmo do cesto da gávea, ou estamos todos enganados? Quando mandamos alguém para o caralho, será que pensamos todos nesse cesto?

Enfim, mais um livrinho de Marco Neves que devia ser obrigatório ler antes de começar a usar as chamadas redes sociais…

A Água

A água é um dos líquidos mais úteis ao homem e sem ela a nossa economia chegaria à ruína. Aliás, já anda lá perto…

Felizmente, apesar da seca que assola o país real (porque o outro, o país imaginário, já é uma seca desde o tempo do Eça de Queiroz, pelo menos), apesar da seca, dizíamos, a água encontra-se facilmente. Basta procurá-la, por exemplo, nos rios, mares, oceanos, lagos, lagoas, albufeiras, riachos, ribeiras, poços, charcos, pântanos, sargetas, fontes, nuvens e, por vezes, também nos canos, não é pal?

Sem água, seria o desemprego, as indústrias arruinar-se-iam. Note-se, por exemplo que, sem água não haveria submarinos, banheiras, bidés, lavatórios, torneiras, paquetes, navios, bisnagas, garrafas, boias, nadadores-salvadores, fatos de banho, âncoras, pescadores, minhocas, linguados, safios e outros peixes, algas, alforrecas, corais,  ilhas, quedas de água, cascatas, cataratas, arquipélagos, porta-aviões, borrifadores, chuveiros, canos, desentupidores, canalizadores, estações elevatórias, o homem da Atlântida, piscinas, pranchas de saltos, barbatanas, termas, mangueiras, bombeiros, o deserto deixava de fazer sentido, ninguém tinha sede, não teria piada nenhuma atravessar o Canal da Mancha a pé ou ir a Cacilhas de mota, não haveria chuva, nem chapéus de chuva, nem aguaceiros, nem gabardinas, nem galochas, cargas de água, trombas de água, até mesmo o desporto perderia várias modalidades, a natação, o polo aquático, a pesca submarina, não haveria naufrágios, maremotos, inundações. Enfim, vendo bem, talvez até fosse bom que não houvesse água!

Mas há água!

Pior ainda, existem diversas qualidades de água. E nem sempre no estado líquido. Com efeito, encontramos a água no estado sólido, sob a forma de gelo ou água mineral. No estado líquido, citemos a água-ardente, que é “um fogo que arde se beber”, como já dizia Camões; a água-pé, que me dispenso de comentar porque não gosto de conversas baixas; a água-rasca, espécie de água de má qualidade, utilizada para tirar manchas de tinta; a água-mole, utilizada para furar pedras duras – processo que requer muita persistência; a água destilada, que se obtém correndo 3 mil metros com um copo de água na mão – a meio do percurso, o copo começa a suar e a água destila; a água potável, armazenada em potes; a água lisa, para lavara a Mona; a água salgada, com a qual se preparam as lágrimas dos portugueses; a água doce, para bolos e outras guloseimas, etc…

Antigamente, também se fabricava a chamada água de colónia, mas como os novos métodos de exploração dos países do 3º mundo, a sua denominação mais correcta será água das ex-colónias.

Ah! e a água benta, que é a água da chuba, quando batida pelo bento.

  • in Pão com Manteiga, Rádio Comercial, 20-09-1981

Antigamente também havia super-heróis

Os super-heróis não são uma criação recente, como se poderia supor. Já na Antiguidade, muitos homens e mulheres se distinguiram pelos seus feitos, merecendo o epíteto de heróis. No entanto, se tivessem vivido no século 20 e vendessem as suas histórias a uma qualquer empresa de banda desenhada, certamente que seriam tão super-heróis como o homem aranha ou o super-homem.

Façamos uma rápida recapitulação dos grandes super-heróis de antigamente, sem preocupações cronológicas.

Todos se recordam de Spartakus que, com uma fisga de ir aos passarinhos furou o olho do gigante Adamastor num combate que se tornou célebre em todo o Egipto. Ou Alexandre o Grande que, à frente de um exército montado em elefantes, atravessou os Himalaias, derrotando os Persas em Ormuz, sem lugar para dúvidas nem lugar para mortos, que foram aos milhares. Todos se recordam também do pequeno David, possuidor de uma farta cabeleira que, graças à sua força bruta, impediu que o Circo de Roma se desmoronasse durante o terramoto de 1755. Foi também nessa data que Joana D’ Arc se tornou famosa ao transformar o pão que levava aos pobrezinhos esfomeados, em rosas perfumadas, ao ser interpelada por Lord Nelson que acabava de chegar da batalha de Aljubarrota, na qual, à frente de um pequeno exército, derrotara as hordas dos temíveis Hunos, que pretendiam conquistar o Peloponeso.

Foi a histórica batalha de La Lys, em que também se distinguiu Guilherme Tell que, com um único tiro de pistola, acertou em cheio na maçã de Adão de Gengis Khan, pondo fim ao reinado de terror daquele impiedoso imperador jugoslavo.

Não menos famosa foi Deuladeu Martins, uma super-heroína lusa que, munida de uma pá de padeiro, esmagou o crânio do gigante Golias – essa fera hedionda, possuidor de um único olho, situado a meia distância.

Citemos ainda Bufalo Bill, espadachim exímio que, num duelo nunca visto, porque era noite, e estava escuro, derrotou Napoleão na grande batalha de Trafalgar, quando os ingleses, fartos e cansados da Guerra dos Cem Anos procuravam, a todo o custo, submeter os povos das Antilhas britânicas.

Outro grande nome foi, sem dúvida, Nabocudonosor, mas esse não foi herói.

Herói foi, no entanto, Robin dos Bosques, cavaleiro da Transilvânia que, durante a noite, se transformava num insaciável vampiro, conhecido pelo nome de Conde de Sabrosa, que aterrorizava toda a região limítrofe do seu castelo. Ou esse outro herói, o dr. Frankenstein que, graças a um produto químico que ele próprio fabricava no seu laboratório secreto, se transformava em dr. Jeckyl. Os americanos lembram-se bem dele e da sua actuação decisiva para a independência dos Estados Unidos,

 E o grande Ulisses que, na batalha de Trancoso, preferiu ser decepado a deixar a bandeira nacional nas mãos dos austro-húngaros, acabando por morrer com a bandeira nos dentes.

E os nomes dos super-heróis de antigamente poderiam seguir-se. Seria uma lista interminável.

El Cid, o campeador, herói britânico, que preferiu juntar-se aos povos árabes e lutar pela sua independência, nas ardentes areias do deserto paquistanês.

Robinson Crusoe que, com um golpe de espada trespassou a enorme baleia Moby Dick.

Bem-Hur que, mercê da sua super-força, afastou as águas do Mar Vermelho para deixar passar os Curdos, que fugiam dos agressores gauleses.

Lawrence da Arábia, que ficou na História como desbravador da selva africana, enfrentando feras, antropófagos e a malária, acabando por morrer às mãos de King Kong, terrível chefe etíope que, na altura, dominava todas as tribos a norte do Tibete.

Ou Sir Lancelot e D’Artagnan, dois dos famosos cavaleiros da Távola Redonda, que se distinguiram na busca da pedra filosofal, derrotando dragões e monstros fantásticos, como o de Loch Ness e o da Lagoa de Melides.

Que nos desculpem as memórias dos que não foram aqui citados, mas para todos os super-heróis de antigamente aqui fica a nossa homenagem e o nosso muito obrigado.

  • in Pão com Manteiga, Rádio Comercial, 13.9.1981