“Ferrugem Americana”, de Phillipp Meyer (2009)

ferrugem americanaNuma das badanas do livro, pode ler-se: «Ferrugem Americana tem o carimbo de Grande Romance Americano em toda a parte. Pode dizer-se que foi beber a Ratos e Homens, Huckleberry Finn, Cormac McCarthy, Salinger e Kerouac.» (The Daily Telegraph).

E isto resume a atmosfera deste romance. Meyer conta-nos as histórias de meia-dúzia de personagens trágicas, perdidas na imensidão do continente americano, numa região, a Pensilvânia, devastada pela crise económica e pelo fecho de várias fábricas, pelo desemprego, pela desilusão. O contrário do american dream.

As personagens principais são Isaac e Poe, dois jovens adultos sem nada que fazer e sem perspectivas de futuro. A mãe de Isaac suicidou-se há pouco tempo, o pai, desloca-se numa cadeira de rodas, devido a um acidente de trabalho e a irmã, mais velha, saiu de casa, foi estudar para Yale e casou-se com um tipo rico. Poe foi jogador de futebol americano, mas agora não faz nada e vive numa roulote com a mãe, Grace.

Isaac decide partir para a Califórnia e Poe acompanha-o mas, logo na primeira noite, ao pernoitarem num armazém abandonado, são surpreendidos por três calmeirões, que os querem roubar. Da confusão que se gera, resulta a morte de um dos bandidos. É Isaac que o mata, mas é Poe que assume as culpas e vai para a prisão.

Na história entra, também, Harris, um xerife desiludido e solteirão, que dorme ocasionalmente com Grace.

A narrativa de American Rust vai avançando em capítulos curtos, cada um deles dedicado a cada uma das personagens.

E não há dúvida que é uma história tipicamente americana, que poderá dar um bom argumento cinematográfico.

PhilippmeyerPhillipp Meyer nasceu em Baltimore, em 1974, desistiu da escola aos 16 anos, trabalhou como mecânico de bicicletas e aos 20 anos, decidiu que queria ser escritor, candidatando-se í  Universidade de Cornell, onde se graduou em inglês.

Depois, trabalhou na bolsa, em Wall Street e como técnico de emergência médica. Em 2005, conseguiu um lugar na Universidade de Austin, onde escreveu Ferrugem Americana, o seu primeiro romance, que ganhou o prémio literário dos Los Angeles Times, em 2009.

Lançou agora o seu segundo livro, The Son, e vive entre Austin, Texas e Nova Iorque.

Obras de Dalton Trevisan

Dalton Trevisan nasceu em 1925, em Curitiba e, no ano passado, foi o vencedor do Prémio Camões.

Mais um daqueles escritores obscuros que ganham prémios e ninguém lê, pensei eu.

E tinha razão.

Só que, ao ler um livro de Trevisan, temos mesmo que ler todos os outros.

Entrei em contacto com a obra de Trevisan através de O Vampiro de Curitiba (1965), um pequeno livrinho de histórias curtas (103 páginas).

Gosto muito de histórias curtas, desde que o Mário-Henrique Leiria me iniciou com os Contos do Gin Tonic.

Trevisan tem uma escrita única, sincopada, sintética, com um ritmo muito próprio.

o vampiro de curitibaNelsinho é o vampiro de Curitiba, sempre pronto a ferrar o dente em qualquer moça, sem olhar í  idade ou í  aparência.

Os diálogos são especiais.

Exemplo:

«- Você é loira natural?

– O doutor não vê?

– A fama de loira é de fria. Só que não acredito.

– A loira não é feito a morena.

– A morena é mais carinhosa. Você não é católica, é?

– Sou calvinista.

Calvinista, ai, de rostinho abrasado na mesma hora.

– A religião moderna não faz, da virgindade, um cavalo de batalha. A moça, sendo direita, pode ter experiência. Autorizada pelo pastor a conhecer os prazeres da vida.

– …

– Sabia que os turistas acham uma graça em nosso conceito de virgindade?

– Nunca soube.

– Você é temperamento calmo ou nervoso?

– Sou calmo.

– Tem os atributos da nervosa; ainda não sabe que é. Suas medidas são perfeitas. Não é você que joga ví´lei?

– É, sim.

– Gostaria de a ter visto de calção. Joga bem?»

Cemitério de ElefantesE assim por diante.

Sendo assim, passei para Cemitério de Elefantes, publicado em 1984.

É um livrinho ainda mais pequeno (94 páginas), incluindo um prefácio de Fernando Assis Pacheco.

Os heróis deste livro são os bêbados – homens que bebem para afogar desgostos ou porque sim.

Lê-se numa tarde.

E vicia.

a polaquinhaPassei, então, ao único romance que Trevisan publicou: A Polaquinha (1985).

Também não é extenso.

São 150 páginas que contam a história de uma moça que, de namorado em namorado, acaba na prostituição (“polaca”, vulgarmente, significa prostituta).

A vida banal da prostituta, que recebe clientes, com quem finge prazer, é bem ilustrado com os últimos cinco ou seis capítulos do livro – todos praticamente iguais!

E como vicia, já tenho mais três livros de Trevisan para ler…

 

“Engano”, de Philip Roth (1990)

A curiosidade deste romance de Philip Roth reside no facto de ser todo escrito em diálogo.

enganoPublicado em 1990, só agora o li, em edição deste ano da D. Quixote (tradução de Francisco Agarez), depois de muitos outros romances posteriores do mesmo autor, alguns deles, épicos.

Talvez por isso, este não me entusiasmou muito – isto para além do facto de ser um pouco difícil de seguir, devido ao facto de ser escrito em diálogo, do princípio ao fim.

No fundo, é uma história banal de dois adúlteros, um homem e uma mulher, sendo que ele é escritor (Roth?) e que aproveita aquela relação extra-conjugal para escrever um livro.

Transcrevo apenas este naco, que não mostra o tom geral dos diálogos, mas que tem graça:

«- A minha mãe ensinou-me a nunca me sentar com a cona í  mostra.

– Nem com as pernas por cima dos ombros de um cavalheiro.

– Isso nunca me disse. Acho que nunca imaginou que eu pudesse chegar a esse ponto.»

Outros livros de Philip Roth: “Goodbye, Columbus“, “Némesis“, “A Humilhação“, “O Complexo de Portnoy“, “Indignação“, “O Fantasma Sai de Cena“, “O Animal Moribundo“, “Património“, “Todo-o-Mundo“, “Pastoral Americana“, “A Conspiração Contra a América“, “Casei com um Comunista“.

 

“No Coração Desta Terra”, de J. M. Coetzee (1976)

Um livro deste autor sul-africano, Nobel em 2003, é garantia de uma boa leitura.

no coração desta terraEste “In The Heart Of The Country” (prémio da Central News Agency em 1977), está escrito como se fosse um diário.

J. M. Coetze dá a voz í  filha única de um fazendeiro branco.

Virgem, desengraçada, solitária, vive numa quinta num local ermo, com o pai e três criados negros. Quando um dos criados leva para a quinta uma jovem imberbe, para se casar com ela, as desgraças vão começar. O fazendeiro leva a miúda para a cama e a protagonista mata o pai (ou terá sido o marido enganado?).

“No Coração Desta Terra” (edição D. Quixote, tradução de Maria João Delgado), tem 266 entradas, como se fosse um diário, mas sem datas, e é assim que a acção se vai desenrolando.

A protagonista, deprimida, feia, seca, azeda, vai-nos contando a história das desgraças e tecendo considerações sobre a solidão, as suas aspirações, os seus sonhos e devaneios, as suas alucinações, os seus delírios.

Aconselho.

Outros livros do mesmo autor: “O Homem Lento”; “Diário de Um Ano Mau”; “A Vida e o Tempo de Michael K.”.

“O Homem do Castelo Alto”, de Philip K. Dick (1962)

Arranjei finalmente tempo para ler este livro de Philip K. Dick, do qual já tinha ouvido falar muitas vezes.

O Homem do Castelo AltoA acção do livro decorre nos anos 60 do século 20, e parte do princípio de que a Alemanha nazi, o Japão e a Itália ganharam a segunda guerra mundial. Boa ideia que, no entanto, não terá sido bem aproveitada, na minha opinião.

Como livro de um autor de ficção científica, há uma mistura tecnológica: existem os chamados peditáxis, que são veículos movidos a pedais e guiados por “chinas”, mas também já há foguetões que fazem a ligação entre a Europa e a América; os alemães já estão a colonizar a Lua, Marte e Vénus mas, ao mesmo tempo, a televisão ainda está em fase muito experimental; e, estranhamente, apesar de todas essas viagens pelo espaço já parecerem coisas do quotidiano, as pessoas continuam a comunicar por telefone fixo e não há computadores, nem nada que se pareça.

Hitler está demente e internado num lar, mas Goebbels e outros nazis de renome, continuam a mandar, todos a cair da tripeça, porque serã já octogenários. Percebe-se que há uma nova orientação das nações, que os EUA desapareceram como tal, mas a coisa nunca é muito bem explicada.

Numa palavra: ao contrário de muitos outros livros de Philip K. Dick, este desiludiu-me um pouco, ou então, sou eu que já não tenho muita pachorra para FC.

Esta edição, da responsabilidade do jornal Público, integrada na colecção “Autores não Nobel, premiados pelo tempo” (tradução de António Porto), também não ajuda, devido í  quantidade alarmante de erros tipográficos que tem, para além de parecer uma adaptação de uma tradução brasileira ou espanhola (?).

“Liberdade”, de Jonathan Franzen (2010)

“Um clássico moderno” – foi assim que The Guardian classificou este longo romance do americano Jonathan Franzen.

liberdadeE, de facto, ao lermos este “tijolo” de 684 páginas (Edição D. Quixote, tradução de Maria João Freire de Andrade), não podemos deixar de pensar nos grandes autores clássicos norte-americanos.

A história desenvolve-se em redor do casal Walter e Patty Berglund e do seu amigo Richard Katz. Os três conhecem-se na Universidade, nos finais dos anos 70 e, ao longo dos anos, vamos conhecendo as suas vidas, os seus desencontros, as suas traições, as suas reconciliações.

Patty era uma basquetebolista com algum mérito que, depois de se casar com Walter, se transforma numa dona de casa cada vez mais deprimida, reprimindo, durante muito tempo, a sua atracção física por Richard Katz, um músico rock mais ou menos falhado, cuja carreira musical tem altos e baixos.

Walter é um defensor da natureza, transformando-se num verdadeiro militante, obcecado pela conservação de várias espécies de aves nativas. Quando Patty se envolve com Richard, deixa-se, ele próprio, seduzir por Lalitha, uma outra ecologista militante, com metade da sua idade.

Franzen cria personagens credíveis e consegue manter o leitor interessado ao longo de toda a história, embora todos estes conflitos da classe média norte-americana sejam um pouco distantes da nossa realidade.

Vale a pena ler, sobretudo pelo retrato fiel da América dos últimos 40 anos.

“Mel”, de Ian McEwan (2012)

O novo e excelente romance de Ian McEwan prega-nos três partidas.

—A primeira consiste no facto da história ser narrada por uma mulher, a funcionária do MI5, Serena Frome e, í s tantas, esquecemo-nos que o livro foi escrito por um homem.

A segunda reside no facto de McEwan aproveitar a personagem do escritor Tom Haley para nos contar meia dúzia de histórias da autoria de Haley e que dariam um bom livro de contos mas, como Haley diz, os livros de contos não se vendem… Assim, diluem-se as histórias num romance e não se perde tudo…

A terceira partida é o final do romance, que é surpreendente.

A história passa-se em Inglaterra, nos anos 70 do século passado. Serena Frome é uma jovem funcionária menor do MI5 que é escolhida para um projecto que consiste em subsidiar, através de uma Fundação fantasma, escritores promissores que, assim, veladamente, pugnariam pelos ideais anticomunistas, através dos seus romances.

Esse projecto tem o nome de código “Sweet Tooth” (não sei porque a Gradiva escolheu “Mel”, como título porque, parece-me que “sweet tooth” quer dizer qualquer coisa como “apetência por doces”).

Serena fica encarregue de convencer Haley a aceitar uma subvenção da tal Fundação, fazendo-se passar por uma angariadora de talentos literários. Ele aceita e em breve se apaixonam.

Se querem saber o resto, leiam porque vale mesmo a pena.

“Kafka í  Beira-Mar”, de Haruki Murakami (2002)

Afinal, Murakami não me convenceu.

—Depois de ter lido a colectânea de contos A Rapariga Que Inventou Um Sonho, fiquei curioso em relação a este autor japonês tão na moda; os livros dele vendem-se aos milhões e fala-se dele para Prémio Nobel.

Mas…

Mas este Kafka í  Beira-Mar começou por me agarrar e acabou por me enfastiar.

O romance conta duas histórias principais: a de Kafka Tamura, um jovem de 15 anos que foge de casa, onde vive com o pai e a do velho Nakata que, quando jovem, foi vítima de um acidente provocado por um OVNI (?), tendo ficado um pouco tolo mas capaz de falar com gatos.

Kafka vai ter a uma localidade com uma biblioteca privada, dirigida por um trangénero, de nome Oshima e cuja proprietária, uma senhora de cerca de 50 anos, talvez seja a mãe desaparecida de Kafka. Nunca o saberemos e isso seria importante porque eles acabam por dar umas quecas, quanto mais não seja imaginárias (para já não falar numa outra personagem, que poderá ser a irmã mais velha de Kafka, e com quem ele também vai para a cama).

Entretanto, Nakata mata o pai de Kafka, um arquitecto pérfido que matava gatos para fazer flautas e que talvez se chamasse Jack Daniels, como o whisky… e parte em busca de uma Pedra de Entrada, com a ajuda de um camionista bronco. A certa altura, somos levados a pensar que Kafka é que matou o pai e foi para a cama com a irmã e, depois, com a mãe, o que seria o delírio de qualquer freudiano de pacotilha…

Depois de muitas peripécias, que envolvem um coronel Saunders que é igual ao velhote do Kentucky Fried Chicken, uma prostituta que cita filósofos e outras cenas, Nakata e o camionista vão ter í  cidade onde está Kafka, encontram-se com a suposta mãe do rapaz e, a seu pedido, queimam-lhe todas as recordações, após o que ela falece. Nakata morre também e o camionista fica com a incumbência de matar uma coisa horrível que sai de dentro do velhote e, ao mesmo tempo, começa a conseguir falar com gatos.

Entretanto, Kafka foi para a montanha, interna-se na floresta, encontra-se com dois soldados da 2ª Guerra Mundial que continuam parados no tempo e vai ter a uma pequena localidade onde o tempo não tem importância. É lá que reencontra aquela que talvez seja a sua mãe.

E chega.

Se quiserem saber mais, leiam o calhamaço.

Para mim, chega!

Confesso que fui avançando no livro com curiosidade. Murakami tem uma escrita fluida e fácil, que nos prende. No entanto, a partir de uma certa altura, a coisa começou a parecer-me demasiado disparatada.

Não sei se terei pachorra para ler outro livro de Murakami…

“O Centenário que Fugiu pela Janela e Desapareceu”, de Jonas Jonasson

Há muito tempo que não me acontecia um barrete destes: comprar um livro porque a publicidade nos garante ser algo de divertido e uma “lufada de ar fresco” e, depois, não conseguir passar das primeiras cem páginas, devido í  patetice da história.

—“O Centenário…” foi publicado na Suécia em 2009 e rapidamente ganhou fama, sendo traduzido para várias línguas (a edição portuguesa é a tradução da edição francesa). Parece que já vendeu mais de um milhão de exemplares!

Parti para a leitura deste livro com alguma expectativa, causada pelo alarido da publicidade e, também, confesso, pelo sucesso recente da trilogia de outro autor sueco, o já falecido Stieg Larsson.

Mas foi a desilusão total. A custo, fui avançando na leitura, tropeçando na falta de credibilidade da história. No dia em completa 100 anos, o velhote decide fugir do lar onde reside, apanha uma camioneta, depois de roubar uma mala com milhões de coroas a um perigoso bandido, junta-se a um sem-abrigo que vive numa estação de caminho de ferro abandonada, matam o bandido, fechando-o numa câmara frigorífica e, posteriormente, enfiam-no num contentor que vai para Adis Abeba!…

Mas o pior são os flash-back da vida do velhote. O primeiro flash-back coloca-o em plena guerra civil espanhola, tratando o general Franco por tu e o segundo coloca-o numa base militar americana, em Los Alamos, servindo café e bolinhos a Oppenheimer, durante uma reunião para o fabrico da bomba atómica!

Foi aqui que fechei o livro e o arrumei definitivamente na prateleira.

Na contra-capa do livro, está esta frase: «um livro capaz do impossível: fazer-nos ansiar pela velhice! Altamente viciante!» – Luis Filipe Borges (Boinas).

Boinas?!

Se eu tivesse lido esta frase, deste conhecido engraçadinho da nossa praça, certamente nunca teria comprado este livro!

“Love”, de Toni Morrison (2003)

—Toni Morrison, aliás, Chloe Ardelia Wofford, nasceu em 1931, no Ohio, e foi galardoada com o Prémio Nobel em 1993.

Love” é o seu oitavo romance e conta-nos a história de Bill Cosey e dos seus amores.

A diferença é que a história é contada através das mulheres que rodearam Cosey, nomeadamente, a filha e a segunda mulher, que têm praticamente a mesma idade, já que Cosey casou com uma miúda de 11 anos, quando já tinha uma filha, mais ou menos com essa idade.

—A outra diferença é que a história é contada aos solavancos no tempo, para trás e para a frente, nem sempre desvendando tudo e o leitor tem que ir juntando as peças do puzzle.

Só bem a meio do livro se tem uma ideia geral do que se passa e, mesmo assim…

Confesso que antes de ler este livro desconhecia que Toni Morrison era afro-americana. Depois, quando tomei conhecimento desse facto, percebi melhor a sua escrita. De facto, ao lermos esta história, só perifericamente damos conta que estamos perante personagens de raça negra.

A escrita de Toni Morrison é “poética”, no sentido em que utiliza imagens novas para descrever acções e sentimentos, mas a leitura do livro não é fácil e requer atenção redobrada.

A edição da Dom Quixote, com a tradução, penso que correcta, de Maria João Freire de Andrade, tem um erro de português indesculpável na página 147: «Ele estava ali para o que ela precisa-se».

Não se admite!