“À Espera dos Bárbaros”, de J. M. Coetzee (1980)

Gostei muito deste romance de Coetzee, agora reeditado pela D. Quixote.

A acção passa-se algures no tempo e no espaço. De facto, nunca ficamos a saber em que local é aquele e em que época estamos.

O narrador é o magistrado daquela cidade muralhada, situada perto de um lago e de um pântano, com o deserto no horizonte. Para lá desse horizonte, algures, estão os bárbaros, que talvez ataquem a cidade, ou talvez não.

O Império estende os seus braços até à cidade, que fica na fronteira e para lá envia soldados para combater os bárbaros.

Entretanto, o magistrado está velho e procura conforto junto de uma prisioneira que foi torturada. Passado algum tempo, decide levá-la de volta ao seu povo e, com esse seu gesto, cai em desgraça e é, ele próprio, preso e torturado.

Mas a vida dá muitas voltas e o magistrado ainda há de voltar a ter lugar de destaque na cidade.

Coetzee escreve bem, como se sabe, e as suas descrições da cidade, do lago, dos pescadores, do deserto, da sucessão das estações, fazem com que visualizemos o que ele descreve.

Muito bom.

Outros livros de Coetzee: A Infância de Jesus; A Vida e o Tempo de Michael K.; Diário de Um Ano Mau; O Homem Lento; No Coração Desta Terra; Verão; Jesus Na Escola; A Morte de Jesus

“A Morte de Jesus”, de J. M. Coetzee (2020)

Com este título, o escritor sul-africano, prémio Nobel em 2003, termina a trilogia que tem o jovem David como protagonista.

Quando, em 2013, li “A Infância de Jesus”, fiquei entusiasmado. Coetzee contava-nos uma história singular: um miúdo, David, e um homem, Simon, que não é seu pai, chegam a Novilla, uma cidade onde toda a gente deixa o passado para trás. Nesse primeiro volume da trilogia, Simon vai conhecer Inès e vai decidir que ela passará a ser a mãe de David que, vamos descobrindo a pouco e pouco, é um miúdo especial.

Por alguma razão Coetzee decide colocar o nome de Jesus nos títulos dos três volumes e, mesmo que não quiséssemos, acabamos por identificar David com Jesus e os restantes personagens da história com outras tantas figuras bíblicas.

O segundo volume, “Jesus na Escola”, no entanto, decepcionou-me. Li-o em 2018 e achei que o autor se deixou encantar pelo “mundo novo” que criou e decidiu tornar a história cada vez mais absurda – ou então, todas as peripécias narradas são alegorias, como, por exemplo, o facto de David se transformar num bailarino extraordinário, capaz de dançar os números.

Este terceiro volume continua na senda do anterior. David começa por se rebelar contra os pais adoptivos e decide ir viver para um orfanato, onde se quer tornar um grande jogador de futebol. No entanto, adoece subitamente com uma maleita que nunca vamos saber qual é, vai definhando e acaba por morrer. Depois da morte de David, o livro ainda se arrasta mais, com Simon à procura da mensagem que David deveria ter transmitido, mas ninguém sabe qual é – penso que nem o autor.

Coetzee é um dos meus autores contemporâneos preferidos, mas estes dois volumes da trilogia, desiludiram-se.

Nota: a capa da edição portuguesa não deixa de ser irónica para quem é adepto do Benfica…

“Jesus na Escola”, de J. M. Coetzee (2016)

Três anos depois de A Infância de Jesus (2013), J. M. Coetze publicou este Jesus na Escola, uma sequela que me decepcionou.

Se, no primeiro livro, a estranheza das situações criavam uma certa aura de mistério que permitiam diversas interpretações, neste segundo livro, o absurdo de alguns acontecimentos são apenas isso mesmo – absurdos.

Ao colocar Jesus nos títulos dos livros, quando nenhum dos personagens se chama Jesus, Coetzee deve ter tido alguma intenção: transformar tudo isto numa parábola? Não me parece… e daí…

Nesta sequela, Simon, Inês e David – o pai que não é pai, a mãe que não é mãe, e o filho que não é filho – fogem de Novilla e vão para Estrella (outra escolha que não parece ser ao acaso: todas as restantes personagens têm nomes castelhanos, excepto o assassino).

Como David não está recenseado, não pode ir para uma escola pública. Por esse motivo, Simon e Inês inscrevem-no na Academia de Dança, dirigida por um idoso Siñor Arroyo e pela sua jovem esposa, Maria Magdalena. Nessa Academia, David vai aprender a dançar os números, seja lá o que isso for…

Coisas estranhas se passam nessa Academia de Dança, onde um empregado chamado Dmitri está apaixonado pela patroa; por vezes, professores e alunos fazem excursões até à praia, onde se passeiam todos nus…

Às tantas, Dmitri viola e estrangula a Maria Magdalena e é sentenciado a ser internado no Hospital Psiquiátrico (a outra opção era as minas de sal).

Em resumo, parece que J. M. Coetzee se deixou levar pelo encantamento deste “novo mundo” que inventou e, na minha opinião, estragou tudo…

Outros livros de J. M. Coetze: No Coração desta Terra (1976); O Homem Lento (2005); Diário de Uma Ano Mau (2007); A Vida e o Tempo de Michael K. (1983)

“Verão” (2009), de J. M. Coetzee

veraoJ. M. Coetzee (Cidade do Cabo, 1940) é um dos meus escritores preferidos e este Summertime é mais um bom texto com uma ideia notável.

Um biógrafo inglês está a escrever um livro sobre o falecido escritor John Coetzee, centrando-se nos anos 1972-77, altura em que o escritor tinha à volta de 30 anos e ainda não tinha publicado nada de importante.

Nesse sentido, entrevista uma mulher casada com quem Coetzee teve um caso amoroso, a sua prima Margot, uma bailarina brasileira, cuja filha foi aluna de inglês do escritor e alguns ex-colegas professores.

Graças a essas entrevistas, conhecemos o jovem Coetzee, um homem solitário, desajustado, que vivia com o seu velho pai viúvo e que ganhava a vida com trabalhos temporários de professor.

Recomendo.

Outras obras de Coetzee: No Coração desta Terra (1976), O Homem Lento (2005), A Vida e o Tempo de Michael K. (1983), Diário de um Ano Mau (2007), A Infância de Jesus (2013), Desgraça (1999).

“A infância de Jesus”, de J. M. Coetze

John Maxwell Coetzee (Cidade do Cabo, 1940), é um dos escritores da actualidade de que mais gosto.

Dele já li várias obras e gosto da sua maneira de contar histórias.

infancia_de_jesusEste A Infância de Jesus é, também, uma boa história, que nos prende logo desde a primeira página.

Um homem de meia idade, Simon, e uma criança com cerca de 6 anos, David, chegam a uma terra chamada Novilla, que nunca se chega a saber onde fica, vindos não se sabe de onde.

David não é filho de Símon e este, apesar de nunca ter conhecido a mãe de David, está convencido que saberá quem ela é, quando a vir.

Em Novilla, toda a gente começa uma vida nova, esquecendo o passado e é lá que Símon vai conhecer Inês, que ele decide que será mãe do miúdo. Inês nunca teve filhos e, embora relutante no início, acaba por se afeiçoar a David e há-de defendê-lo como uma verdadeira mãe.

Entretanto, Símon trabalha como estivador, descarregando continuamente sacos e sacos de trigo, que depois são transportados em carroças puxadas por cavalos e armazenadas num grande armazém, onde abundam ratazanas.

Não sabemos em que período da História se passa tudo isto porque coexistem automóveis e carroças; os estivadores descarregam os navios transportando os sacos às costas, mas já existem guindastes e, aparentemente, eles não os querem usar.

Sem que isso nunca tenha sido dito, o leitor (pelo menos eu…) é levado a pensar que Símon e David são daqueles africanos que atravessam o mar para procurarem melhor vida no sul da Europa e que Novilla, no fundo, é uma espécie de cidade de acolhimento para emigrantes. Mas pode não ser nada disto.

Pelo meio da história, outros factos estranhos são relatados, como a existência de um casa chamada La Residência, onde são proibidas crianças, e de uma Universidade, onde todos os estivadores aprendem Filosofia.

A história prende-nos do princípio ao fim e o final, à primeira vista, pode parecer “fraco”. No entanto, tendo em atenção o título do livro, The Childood of Jesus, percebe-se a intenção do autor.

Aconselho.

Outros livros de J. M. Coetze: No Coração desta Terra (1976); O Homem Lento (2005); Diário de Uma Ano Mau (2007); A Vida e o Tempo de Michael K. (1983)

“No Coração Desta Terra”, de J. M. Coetzee (1976)

Um livro deste autor sul-africano, Nobel em 2003, é garantia de uma boa leitura.

no coração desta terraEste “In The Heart Of The Country” (prémio da Central News Agency em 1977), está escrito como se fosse um diário.

J. M. Coetze dá a voz à filha única de um fazendeiro branco.

Virgem, desengraçada, solitária, vive numa quinta num local ermo, com o pai e três criados negros. Quando um dos criados leva para a quinta uma jovem imberbe, para se casar com ela, as desgraças vão começar. O fazendeiro leva a miúda para a cama e a protagonista mata o pai (ou terá sido o marido enganado?).

“No Coração Desta Terra” (edição D. Quixote, tradução de Maria João Delgado), tem 266 entradas, como se fosse um diário, mas sem datas, e é assim que a acção se vai desenrolando.

A protagonista, deprimida, feia, seca, azeda, vai-nos contando a história das desgraças e tecendo considerações sobre a solidão, as suas aspirações, os seus sonhos e devaneios, as suas alucinações, os seus delírios.

Aconselho.

Outros livros do mesmo autor: “O Homem Lento”; “Diário de Um Ano Mau”; “A Vida e o Tempo de Michael K.”.

“O Homem Lento”, de J. M. Coetzee (2005)

Coetzee é garantia de boa leitura, como já tinha comprovado com “A Vida e o Tempo de Michael K” (1983), “Desgraça” (1999) e “Diário de Um Ano Mau” (2007).

Neste romance, Paul Rayment é um fotógrafo sessentão, à moda antiga, avesso aos avanços da tecnologia que, certo dia, ao passear de bicicleta, é abalroado por um carro.

Na sequência dos ferimentos sofridos, amputam-lhe uma perna. Paul recusa a prótese e volta para casa ainda mais deprimido do que já estava antes. É um homem amargo, misógino, divorciado, que nunca teve filhos.

De acordo com a assistência social, uma enfermeira é destacada para dar apoio a Paul, dar-lhe banho, limpar-lhe a casa, alimentá-lo (a acção decorre na Austrália). Mas o feitio de Paul é muito difícil e as enfermeiras vão-se sucedendo. Nenhuma aguenta muito tempo as idiossincrasias do fotógrafo.

Surge então uma enfermeira de origem croata, Marijana, que consegue dar a volta a Paul, com a sua simplicidade de mãe de família, habituada a ultrapassar muitas dificuldades. A pouco e pouco, o fotógrafo percebe que se está a apaixonar pela enfermeira.

Nessa altura, entra em cena a escritora profissional Elizabeth Costello, uma septuagenária que está à procura de material para o seu futuro romance. Paul e a sua perna amputada, Marijana, o seu maridos e os três filhos, são excelentes personagens.

Em resumo, este é o riquíssimo material que Coetzee juntou para escrever este livro.

Acrscente-se as recordações de infância de Paul, de origem francesa, com um padrasto holandês, a sua paixão platónica por Marijana, que o leva a querer proteger e ajudar os seus filhos, a paixão, também ela platónica, de Elizabeth por Paul, os problemas dos dois filhos mais velhos da enfermeira, e temos um livro cheio de questões éticas de difícil resposta.

Mas também não é de respostas que Coetzee está à procura. A missão do escritor é, exactamente, a de levantar as questões. Compete-nos meditar sobre elas.

Boa companhia de viagem, mais este romance de J.M. Coetzee, escritor nascido na África do Sul, em 1940, e que recebeu o Nobel em 2003.

“Diário de um Ano Mau”, de J.M. Coetzee

Um escritor sul-africano, radicado na Austrália, é convidado pelo seu editor a escrever um livro onde deverá expor as suas opiniões sobre diversos assuntos. Septuagenário e sofrendo de reumático, o escritor contrata uma vizinha, emigrante filipina, para lhe passar os textos à máquina.

A vizinha, de formas voluptuosas, faz despertar, no escritor, desejos difíceis de concretizar e entre os dois desenvolve-se uma relação platónica de sedução e atracção.

Para desenvolver esta ideia nuclear, Coetzee recorre a um estratagema curioso, acabando por escrever três livros: o livro principal, com as opiniões do escritor sobre a gripe das aves, a pedofilia, o terrorismo e outros temas actuais da nossa sociedade, um outro livro, onde o escritor vai descrevendo as sensações que a filipina lhe provoca e um terceiro livro, onde a própria filipina faz os seus comentários, introduzindo ainda a personagem do seu namorado. À medida que o livro vai evoluindo, as opiniões do escritor vão-se suavizando, com as críticas que a filipina lhe faz e esta, por sua vez, começa a consciencializar-se mais em relação a certos temas, ao transcrever os textos do escritor.

E os três livros convivem muito bem, mesmo na mesma página, obrigando-nos a alguma ginástica, que eu fiz com muito prazer.

Mais um excelente livro de Coetzee.

“A Vida e o tempo de Michael K.”, de J. M. Coetzee

Ao contrário de “Solar”, li este livro de Coetzee de um fôlego.

Coetzee (prémio Nobel da literatura em 2003), conta-nos a história de Michael K., um sul-africano que nasceu com lábio leporino e com um ligeiro atraso mental e que trabalha como jardineiro municipal. A mãe de Michael está muito doente e gostaria de voltar para a sua terra natal, antes de morrer. Michael decide levar a mãe, percorrendo as estradas do país com a mãe, num carrinho improvisado, e isto apesar do país estar mergulhado no que parece ser uma guerra civil.

O livro está dividido em três partes: na primeira parte, o autor conta-nos a odisseia de Michael; na segunda, é o médico que está a tratar de Michael, depois de ele ser internado numa espécie de campo de concentração, que fala, contando-nos o que sente em relação a este homem que não quer comer; na terceira parte, voltamos a Michael, para conhecer o desfecho da sua aventura.

Em parte alguma, Coetzee nos dá indicação da etnia dos personagens mas, sabendo nós que a história se passa na África do Sul, somos levados a crer que Michael é negro, que o patrão para quem a sua mãe trabalhava é branco, que o médico também deve ser branco e que a enfermeira Felicity deve ser negra.

Aconselho.