“Levarei o Fogo Comigo”, de Leila Slimani (2025)

Gostei muito do primeiro livro desta trilogia, O País dos Outros. Tinha um ritmo que nos fazia ler capítulo após capítulo e ficarmos aborrecidos por termos de parar de ler.

O segundo volume, Vejam Como Dançamos, não me entusiasmou tanto, não sou capaz de dizer porquê. Penso que, por vezes, somos nós que não estamos receptivos para determinados livros. De qualquer modo, achei o segundo volume da trilogia um pouco maçudo.

Este terceiro volume, no entanto, tem novamente o mesmo ritmo do primeiro e li as suas 400 páginas em poucas horas. Embora continuemos a acompanhar Mathilde e Amine, o livro debruça-se sobretudo nas duas gerações seguintes, Aicha e Medhi, e as suas filhas, Mia e Inès.

As três gerações da família de Leila Slimani estão aqui representadas, com as devidas alterações próprias de um romance, mas, neste terceiro volume, as peripécias da família são acompanhadas pelos acontecimentos mundiais, como a destruição das Torres Gémeas, a morte de Hassan II, o crescimento dos islamitas, etc. Li que Slimani escreveu este terceiro volume em Cascais. Estava inspirada.

Recomendo.

“A Primeira Mão que Segurou a Minha”, de Maggie O’Farrell (2010)

Maggie O’Farrell (Irlanda do Norte, 1972) escreveu um belo romance, um dos melhores que li ultimamente.

Em capítulos alternados, vai-nos contando duas histórias, aparentemente distintas, mas que, quase no final do livro, se juntam de um modo surpreendente.

Na primeira história, acompanhamos o percurso da jovem Lexie, que abandona a sua terreola e migra para Londres, onde acaba por se tornar jornalista e crítica de arte, com a ajuda de Ines Kent, um editor com larga experiência no ramo. Toda esta história decorre pouco depois do final da segunda guerra mundial.

Na segunda história, passada na actualidade, seguimos a vida de um casal jovem, Ted e Elina. Ela é pintora e acabou de ter um bebé, depois de um parto muito complicado.

Os capítulos são curtos e eficazes, e ambas as histórias vão avançando paulatinamente e, a pouco e pouco, percebemos se elas se vão encontrar.

Muito bom!

“O Herói Discreto”, de Mário Vargas Llosa (2013)

Se tivesse começado a ler este livro sem saber quem era o autor, teria muito provavelmente, desistido.

Em 2010, Vargas Llosa (1936-2025) ganhou o Prémio Nobel e três anos depois publicou este livro desinspirado e até um pouco descuidado, na minha modesta opinião.

O autor conta-nos duas histórias, em capítulos alternados, histórias essas que, a certa altura, se cruzam de um modo um pouco artificialmente.

O herói discreto que fala o título, é o mestiço Felícito Yanaqué, dono de uma empresa de transportes da cidade de Piura que começa a receber cartas anónimas que o ameaçam se não pagar uma espécie de avença. Este Felícito tem um casamento infeliz com um mulher que dele engravidou por acidente e tem, também, uma amante jovem, a quem montou casa e a quem paga uma mensalidade. Tudo isto é contado menorizando sempre o papel das mulheres: a esposa de Felícito é gorda, feia, beata e há muito tempo que não vai para a cama com ele e Mabel, a amante, é jovem, bonita e, no fundo, uma espécie de prostituta sindicalizada.

A outra história baseia-se no casal Rigoberto e Lucrécia. Ele é um tipo culto, que gosta de boa literatura, música erudita e grandes pintoras, e ela é apenas uma mulher. Têm um filho de 15 anos que, de repente, começa a ter visões, na pessoa de um homem que lhe fala de religião. Há ainda um octogenário Ismael, viúvo e muito rico, que se casa com a criada, só para chatear os dois filhos que lhe querem rapinar a herança.

Em resumo, uma história mal enjorcada, muito machista e que poderia ter sido escrita há muitas décadas – isto, para além de alguns erros de narrativa que não vêm para o caso.

“A Carne”, de Rosa Montero (2006)

Este é o sexto romance de Rosa Montero que passa pelos meus olhos. Nascida em 1951, Montero escreve que se desunha, mas é um pouco irregular. Gostei muito de A Louca da Casa (2023), de “A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te” (2013), de “O Perigo de Estar no Meu Perfeito Juízo” (2022) e de “Instruções para Salvar o Mundo” (2008); gostei menos de “A Boa Sorte” (2020) e também deste “A Carne” (2016), que terminei hoje.

Este último é um romance mais ligeiro, em que Rosa Montero assume o início da velhice. Nascida em 1951, Rosa teria os mesmos 60 anos que a protagonista do romance, Soledad, uma solitária que se envolve com um prostituto, trinta anos mais novo que ela.

Como pano de fundo, uma das habituais obsessões da escritora: os escritores malditos que, de um modo ou outro, tiveram vidas estranhas e trágicas.

Apesar de ser um romance mais ligeiro, não deixa de ser interessante, embora o final, na minha opinião, seja um pouco atabalhoado.

“A Água do Lago Nunca é Doce”, de Giulia Caminito (2021)

Giulia Caminito (Roma, 1988) consegue, com este romance, uma narrativa convincente dos marginalizados, dos pobres, dos dependentes dos apoios sociais e que, apesar disso, tentam melhorar as suas vidas.

A narradora é a jovem Gaia. A sua mãe, trabalha a dias e é uma lutadora; o seu pai, trabalha nas obras e, certo dia, cai de um andaime e fica preso a uma cadeira de rodas; tem um irmão mais velho, filho de outro homem e dois irmãos gémeos, ainda bebés quando acontece o acidente do pai. Uma verdadeira desgraça. Mas a mãe, Antónia, luta e quer que a sua filha tenha um futuro diferente e Gaia, que não se dá muito bem com a mãe, também tenta ser diferente, fugir daquela vida. Será que consegue?

Uma imagem com texto, livro, pessoa, Cara humana

Os conteúdos gerados por IA poderão estar incorretos.Gaia sabe que é diferente das suas colegas e que nunca poderá ter o que a maioria tem:

“E depois aquilo que não tenho, desde logo a televisão, os telefilmes da Italia Uno, as madeixas louras do cabelo, os cromos dos futebolistas, o Game Boy, a PlayStation, Tom Raider, todos os livros que me proibiste (…) o curso de natação, de voleibol, de teatro, o telemóvel sempre a tocar sem nunca se cansar, o McDonald’s onde festejar o aniversário (…), os discos da Britney Spears, as idas vespertinas a discotecas menores…”

Tem vergonha do seu corpo:

“O que fiz durante anos foi tapar-me, evitar a nudez, não suportar as exibições, afastar os corpos dos outros, não por ser valente, não há em mim valentia, nada de casto ou pio, nada de impoluto, mas porque me dão nervos as pessoas nuas, ter de as satisfazer, não saber aproximar-me delas, os cheiros que têm, os cheiros que eu tenho, a boca que entreabrem, os lábios que humedecem, as palavras sussurradas que dizem”.

E também há coincidências engraçadas:

“Trocamos ainda assim números de telefone e ela deixa-me a estudar, levanta-se e sacode com a maõ o vestidinho às bolinhas e chama o cão que se chama Gin, como gin tonic diz-me ela e sorri…”

Gostei muito.

“Orbital”, de Samantha Harvey (2023)

Samantha Harvey (Kent, UK, 1975) venceu o Booker Prize de 2024 com este livro.

Penso que o júri valorizou a originalidade deste pequeno livro, cuja acção se desenrola numa estação orbital durante apenas 24 horas.

Lá dentro, seis astronautas de diversas nacionalidades entregam-se às suas actividades rotineiras enquanto a escritora vai descrevendo as diversas órbitas, são 16 ao todo, e o que se vai vendo em cada uma delas, os oceanos, os continentes, um tufão que se está a formar, os acidentes geográficos. Achei o livro monótono e tive alguma dificuldade em lê-lo até ao fim. Com efeito, embora sejam curiosos alguns pormenores relacionados com a vida a bordo de uma estação orbital, a descrição acaba por ser um pouco entediante

“As Coisas”, de Georges Perec (1965)

Segundo a badana, “As Coisas”, romance de estreia de Georges Perec (1936-1982), tornou-se um “clássico da literatura contemporânea.”

Pode ser que sim, mas é um romance demasiado datado e muito localizado em França e numa certa juventude francesa dos anos 60 – que nada terá a ver com a portuguesa dessa época, por exemplo.

Os protagonistas são Sylvie e Jerôme, dois jovens que desistem dos estudos e se dedicam a fazer inquéritos para empresas de publicidade, actividade muito em voga naquela época (em Portugal, um pouco mais tarde, penso).

Apesar de viveram com pouco dinheiro, o grande objectivo da sua vida era tornarem-se ricos e adquirir coisas – daí o título do livro.

Incapazes de conseguirem os seus objectivos em Paris, decidem partir para a Tunísia, que foi um protectorado francês até 1956. Aí, numa cidade triste, Sylvie foi professora e Jerôme não fez nada. Acabaram por regressar a Paris, sem terem conseguido enriquecer.

Apenas interessante.

“Os Enamoramentos”, de Javier Marías (2011)

Javier Marias (1951-2022) tem um estilo inconfundível. A história pode ser muito simples, mas ele envolve-a em considerações filosóficas que a tornam muito longa e complexa, usando parágrafos longos e usando e abusando da conjunção coordenativa “ou”.

Neste romance, Marías conta-nos, mais uma vez, uma história muito simples, embora um pouco tétrica, mas usou um truque narrativo que não sei muito bem se resultou: a história é narrada por uma mulher. confesso que, ao ler certas passagens de enamoramento, digamos assim, essas passagens me soaram um pouco a falso porque, mesmo que não quisesse, sei que o autor é um homem.

Exceptuando estas minudências, é sempre um prazer ler um livro deste autor que desapareceu precocemente.

“Conta-me tudo”, de Elizabeth Strout (2024)

Elizabeth Strout (Portland, EUA, 1956), criou um universo que lhe permite escrever livro atrás de livro.

Depois de ter ganho o Pulitzer com a obra Olive Kitteridge, criou outra personagem, a escritora Lucy Barton e, neste último livro, faz com estas duas personagens se encontrem.

Olive, uma ex-professora agora com 90 anos, escuta as histórias que Lucy lhe conta, mas, ao mesmo tempo, vamos conhecendo muitas outras histórias relacionadas com os amigos e os vizinhos.

Resumindo: é a vidinha em Crosby, pequena terra situada no Maine, onde life goes on.

O segredo destes livros é simples: falar do dia a dia de pessoas simples, com as suas angústias, as suas desgraças e as suas coisas boas.

No entanto, penso que depois de todos estes livros, Elizabeth Strout esgotou a mina.

“Kairos”, de Jenny Erpenbeck (2021)

Kairos era o deus grego do tempo oportuno e foi com um livro com este título que Jenny Erpenbeck, nascida em Berlim Oriental em 1967, ganhou o Booker Prize Internacional de 2024.

A acção do livro começa em julho de 1986, quando Hans, um intelectual com mais de 50 anos, casado e com um filho, se encontra, num dia de chuva, com Katherina, uma estudante de 19 anos. Nasce então uma paixão que, com os anos, se transforma numa relação sado-masoquista. Depois de uma grande fascínio mútuo – ele, pela juventude dela, e ela, pela maturidade e experiência dele –  a coisa descamba para uma relação de poder, que ele exerce sobre ela, depois de Katherina ter tido uma experiência com outro jovem.

No fundo, a relação entre Hans e Katherina é uma metáfora para o declínio de uma nação, a RDA, e o despontar de uma Alemanha unida.

A certa altura, Katherina consegue autorização para visitar a avó, que vive em Berlim Ocidental e fica espantada com o que vê no metropolitano:

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Os conteúdos gerados por IA poderão estar incorretos.“Junto às escadas que descem para o metropolitano, está sentado no chão um velho de barba por fazer, a dois metros de distância, uma rapariga, não muito mais velha que Katherina, mas que magra está, tem ar de doente, ao pé dela estão sentados dois homens jovens mal vestidos. Estão todos sentados no chão nu. O velho pôs à sua frente um letreiro onde escreveu em letras tortas: TENHO FOME. Um dos jovens dormita, o outro espera juntamente com a rapariga diante de um prato com alguns trocos. Claro que Katherina sabe que, no Ocidente, há mendigos, mas é uma coisa diferente ver isso com os próprios olhos”.

Na RDA não havia mendigos, pelos vestidos, mas havia outras necessidades e, quando Katherina vai a Colónia, visitar a avó, não perde a oportunidade para comprar vestidos que não existem no seu país.

A certa altura, Hans e Katherina vão visitar Moscovo e espantam-se com a monumentalidade do metropolitano da cidade:

“Já andaram agora quatro vezes de metro, e cada estação tem um aspecto diferente (…)

Ao entrar e sair há empurrões e cotoveladas, mas lá dentro, nas carruagens, no maior dos apertos, há sempre uma série de pessoas de livro na mão numa perfeita calma. Gente simples, operários, empregados, a ler. E livros bons, não uma porcaria qualquer, diz Hans. Em nenhum outro país, diz ele, qualquer vendedor e qualquer operário das obras é capaz de dizer poemas de cor”.

O elogio do intelectual, ignorando tudo o resto, nomeadamente, a falta de liberdade que, segundo ele, só conduzirá ao capitalismo.

As páginas mais interessantes do livro, na minha opinião, acontecem depois da queda do muro de Berlim. Nessa altura, a relação entre Hans e Katherina já se degradou – aliás, nunca é feita crítica nenhuma, ao facto de Hans ser casado e ignorar a sua mulher, Ingrid e o seu filho adolescente. São coisas que acontecem…

“Quando, em contrapartida, Katharina percorre a parte ocidental, sente-se como uma cópia de má qualidade das pessoas que têm ali o seu quotidiano, sente-se como uma embusteira, em risco permanente de ser desmascarada. Com os seus olhos, que, na outra metade da cidade, são os olhos de uma estranha, vê que, nas lojas do Ocidente, há muito tempo todas as necessidades imagináveis foram respondidas por um produto, a liberdade de consumo parece-lhe uma parede de borracha que separa as pessoas dos anseios que estão além das suas necessidades pessoais.”

Em conclusão: trata-se de um livro curioso, mas não é um dos meus preferidos.