“A Mulher de Cabelo Ruivo”, de Orhan Pamuk (2016)

Dez anos depois de receber o Prémio Nobel, Pamuk publicou este livro que gira todo em torno do mito de Édipo e da lenda de Shahnameh. Enquanto naquele é o filho que mata o pai, nesta lenda oriental, é o pai que mata o filho.

O livro está dividido em três partes; nas duas primeiras, o narrador é Cem, que, em jovem, antes de entrar para a Faculdade, esteve a ajudar um mestre a escavar um poço, em busca de água. Durante esse mês em que esteve a ajudar nas escavações, Cem conheceu uma mulher de cabelo ruivo, dez anos mais velha, com a qual acabou por se envolver sexualmente. Ela era actriz e representava uma cena do Shahnameh que fazia a assistência chorar.

Entretanto, a escavação acabou mal: quando o mestre escavava no fundo do poço, Cem deixou cair o balde em cima dele, pensou tê-lo matado e abandonou o local, sem o socorrer.

Mais tarde, Cem tornou-se um grande empresário da construção civil. Casado e sem filhos, passou os seus tempos livres a viajar pelo mundo com a mulher, procurando livros, pinturas, esculturas, que tivessem a ver com o mito de Édipo. No auge do seu sucesso como empresário, decidiu comprar os terrenos onde estava o poço que ajudou a escavar e acabaria por descobrir que, afinal, tinha um filho.

Como diz o Evening Standart na contracapa: “uma intensa parábola política que nos diz muito sobre a Turquia actual”.

Sinceramente, não me entusiasmou muito…

Outro livro de Pamuk: O Museu da Inocência (2008)

“O Meu Nome É Lucy Barton”, de Elizabeth Strout (2016)

Depois de ter lido “Oh William!”, fiquei com curiosidade em ler os dois livros anteriores que Elizabeth Strout escreveu, dando vida à personagem da escritora Lucy Barton.

Neste primeiro livro, Lucy conta episódios passados durante o seu internamento de 9 semanas num hospital, devido a uma apendicite que correu mal. Nesse internamento, Lucy é visitada pela mãe, que vive longe e a quem não via há anos. Lucy nasceu num meio pobre; ela, os pais e os irmãos, viveram numa garagem durante anos e a relação de Lucy com os pais sempre foi muito má, com muita falta de carinho.

Apesar de ser uma escritora com algum sucesso, Lucy não deixou de ser uma mulher simples e isso reflecte-se na sua escrita. Ao longo de 170 páginas, E. Strout, pela voz de Lucy B, vai-nos contando episódios da vida, como se estivesse sentada connosco, na nossa casa.

Elizabeth Strout encontrou um tom e conseguiu explorá-lo bem, pelo menos, nestes dois livros.

“Mr. Loverman”, de Bernardine Evaristo (2013)

Bernardine Evaristo venceu o Booker Prize de 2019 com o excelente Rapariga, Mulher Outra (ex-aequo com Os Testamentos, de Margaret Atwood), e este Mr. Loverman, de 2013, parece uma espécie de teste para esse outro.

O livro é narrador por Barry Walker, natural de Antígua, mas emigrado em Londres desde os anos 60. Barry é casado, tem duas filhas adultas, mas a sua grande paixão, desde os tempos de Antígua, é o seu conterrâneo Morris.

Barry e Morris têm uma vida clandestina há décadas, mas isso está a ser cada vez mais difícil. Como pode Barry assumir a sua homossexualidade?

Bernardine Evaristo escreve com uma mistura de inglês e patuá e neologismos e o tradutor, Miguel Romeira, deve ter-se visto em palpos de aranha para conseguir o que eu acho ser uma excelente tradução.

“- Querida, essa tua comida é sublime, tu nasceu para cozinhar. Nunca pensou em abrir um restaurante? (…)

Mulher mais melindrosa…”

A esposa de Barry é a Carmel, com quem ele se casou ainda jovem lá em Antígua – e outra coisa não poderia fazer, porque ninguém, na sua terra, aceitaria a sua homossexualidade. Depois de ter feito as duas filhas, Barry nunca mais tocou em Carmel, mas ela também tem os seus segredos.

Barry Walker é um emigrante bem-sucedido, mas, se algum nacionalista surgir no seu caminho, não hesita em ir-se embora.

“Se em algum momento esse país começar a nazificar e outro Hitler de merda subir ao poder, posso sempre mudar-me para outro sítio mais seguro. Os mais novos desconhecem que houve um deputado conservador chamado Enoch Powell que fez o discurso «Riso de Sangue» contra a imigração, ou um movimento nos anos 70 para «mandar os pretos para a sua terra», ou que tivemos de viver paredes-meias com o ódio da Frente Nacional Britânica.”

Na página 275, esta afirmação de Barry Walker é surpreendente:

“Se África importou alguma coisa, não foi a homossexualidade, mas a homofobia, por influência dos missionários europeus, que viam a homossexualidade como um pecado. Veja-se o caso de Angola antes do colonialismo: os homossexuais eram aceites e não perseguidos. Foram os portugueses a criminalizar a homossexualidade.”

Lá mais para o fim do livro, Barry começa a assumir-se e a sua filha mais nova consegue arrastá-lo para um bar gay, onde um dos seus amigos se sai com esta:

“O Lola não o está a aborrecer, não? Já começou com aquela conversa maçadora de que Jesus era uma lésbica africana?”

Um livro divertido, não tão conseguido como o que deu o prémio a Bernardine Evaristo, mas que vale a pena ler.

“Elizabeth Finch”, de Julian Barnes (2022)

Gosto de ler o que este escritor britânico escreve. Gosto da sua escrita elegante e do seu sentido de humor. Este “Elizabeth Finch” é já o décimo livro que leio de Julian Barnes, e talvez o que menos me interessou.

Elizabeth Finch dá aulas de Cultura e Civilização a adultos. A sua pose, a sua maneira de pensar, desperta em Neil, um seu aluno e narrador do livro, uma tenção que roça o amor. Quando morre, Elizabeth deixa a esse seu aluno os seus cadernos de apontamentos e Neil decide organizar aquilo que poderá vir a ser uma biografia da professora.

No fundo, penso que Barnes utilizou este subterfúgio para nos falar de Justiniano, o Apóstata, imperador romano “escritor prolífico, que ditava com tanta rapidez que os seus taquígrafos eram muitas vezes incapazes de o acompanhar. (…) Um texto central é «Contra os Galileus», no qual ele expõe as suas objeções à religião cristã.”

Elizabeth Finch, servindo-se do exemplo de Justiniano, que dizia, por exemplo, que o cristianismo destruía os seus inimigos em nome do amor, acrescentava que “um dos segredos do êxito da religião cristã foi ter sabido servir-se sempre dos melhores cineastas”.

Um livro curioso, apenas isso.

Outros livros de Julian Barnes: Nada a Temer (2008); A Única História (2018); O Homem do Casaco Vermelho; O Ruído do Tempo (2016); O Sentido do Fim (2011); Arthur & George (2005); Amor & Etc (2000);

“Divórcio”, de Susan Taubes (1969)

Livro inovador, este.

Susan Traubes (1928-1969), nasceu em Budapeste, na Hungria, no seio de uma família judaica, filha de um psicanalista e neta de um rabino. Emigrou para os Estados Unidos, furtando-se à perseguição nazi; estudou Religião e Filosofia, foi professora, casou-se com o filósofo e académico Jacob Taubes. Mulher cosmopolita, foi amiga íntima de Susan Sontag. Publicou o seu único romance, Divórcio, em 1969 e pouco depois suicidou-se por afogamento, com 41 anos.

Este romance – que não é bem um romance, misturando biografia, sonhos, memórias – é, de facto, inovador, considerando que foi publicado no final dos anos 60 – inovador não só ao nível da estrutura, mas também na linguagem, considerando que foi escrito por uma mulher.

A protagonista do livro, Sophie, será um alter ego da autora e toda a sua história de vida está relacionada com o judaísmo e com a psicanálise.

“Na escola de medicina onde ele estudava histologia cerebral, a teoria de Freud era comentada jocosamente como sendo a «técnica que os homens adultos usam para falar com jovens raparigas acerca de coisas obscenas»”.

A linguagem. Também a linguagem deste livro é diferente…

“Uma noite, quando ela estava a realizar o ofício sgarado da felação, ordenei-lhe que dissesse o Pai Nosso ao meu olho do cu. Ou uma Ave Maria, ao menos. Em vez disso, ela começou a berrar o Shemá Israel pelas minhas tripas acima. Não a deixei continuar. «Devias ter vergonha», disse ela, «a praticar sacrilégio com a religião das outras pessoas. A tua não é suficientemente sagrada?» ela era uma grande mulher. Sophie Blind continua a ser minha mulher até à vinda do Messias.”

“Oh William!”, de Elizabeth Strout (2021)

De Elizabeth Strout, tinha lido o excelente “Olivia Kitteridge”, livro com o qual venceu o Pullitzer.

Neste “Oh William”, Strout retoma uma sua personagem, a escritora Lucy Barton que, num tom coloquial, nos conta alguns episódios da sua vida e do seu relacionamento com um dos seus ex-maridos, William, que descobre que, afinal, tem uma meia irmã, de quem a sua mãe nunca lhe falou.

O livro tem uma estrutura narrativa contínua, isto é, não está dividido em capítulos, mas em pequenos textos em que a narradora, Lucy, nos vai contando o que se passa, como se estivesse sentada na nossa sala.

Fiquei com muita curiosidade em conhecer os restantes livros desta escritora.

“Shuggie Bain”, de Douglas Stuart (2022)

Douglas Stuart nasceu em Glasgow em 1976, sendo o mais novo de três irmãos. O seu pai abandonou a família e os três irmãos foram criados pela mãe, dependente do álcool. Quando Douglas tinha 16 anos, a mãe morreu, devido a doença relacionada com o alcoolismo. Depois disso, viveu com os irmãos mais velhos, depois numa espécie de pensão. Conseguindo tirar um curso de design de moda, mudou-se para Nova Iorque aos 24 anos.

“Shuggie Bain” é o seu primeiro livro e arrecadou logo o Booker Prize. Agnes Bain e Shuggie Bain são os principais personagens. Ela é a mãe, alcoólica, e ele é o filho, dependente da mãe, mas, ao mesmo tempo, o seu único apoio.

Conhecendo a biografia de Douglas Stuart, percebemos que o livro tem que ser autobiográfico.

A acção decorre nos anos 80, na cidade de Glasgow, nos bairros sociais com os problemas do desemprego na época da Tatcher, as drogas e o álcool.

“Ouvira dizer que a Tatcher já não queira trabalhadores a sério. O futuro, para a chefe do Governo, era a tecnologia e a energia nuclear e a saúde nas mãos dos privados. Os dias da indústria tinham acabado e os ossos dos estaleiros Clyde e dos caminhos-de-ferro Springburn jaziam na cidade como dinossauros em decomposição. Os bairros estavam cheios de rapazes trabalhadores a quem haviam prometido o ofício dos pais e que agora não tinham qualquer futuro. Os homens perdiam a sua masculinidade.”

Com as devidas distâncias, algumas passagens fizeram-me lembrar os bairros sociais onde trabalhei como médico durante mais de 30 anos.

“As mulheres olharam umas para as outras, Bridie falou primeiro.

– Temos de arranjar-te um subsídio. Vais ao escritório na segunda de manhã. Vais dizer-lhes que precisas de uma pensão de invalidez, se não vão pôr-te a ir ao fundo de desemprego todas as quintas.

– E dão-me uma pensão de invalidez?

– Ah, não te rales, ‘miga. Basta eles verem onde moras e está feito. Olha para este bairro. – Bridie apontou para a rua vazia – Estás a ver novos empregos a aparecer por estes lados? O nosso é o clube da invalidez, e todas as segundas-feiras é dia de o clube ir levantar o subsídio.”

Aconselho vivamente.

“As Pessoas Invisíveis”, de José Carlos Barros

José Carlos Barros (Boticas, 1963), ganhou o Prémio Leya de 2021 com este romance que li em três tempos.

A história começa por altura da Segunda Guerra Mundial, à exploração de volfrâmio e à amizade entre um engenheiro alemão e Xavier Sarmiento, um jovem que descobre que tem o dom de curar, graças a mezinhas e rezas e outros truques.

Vamos acompanhando este Xavier, que depois se torna chefe de milícias e espalha o terror em África. A história conta-nos, então, um dos massacres mais esquecidos ocorridos em Moçambique. E, no fim, dá a volta, terminando com o filho de Xavier, já nos anos 80, pouco depois da morte de Sá Carneiro.

Com uma linguagem muito curiosa que, aqui e ali, faz lembrar alguns romances e Aquilino, Barros vai dando conta de episódios da política nacional, como este:

“Tudo acontece longe de Vilarinho. Os planos dos alemães para a invasão de Portugal, depois de a França ter caído sob o domínio do Terceiro Reich. Os planos do Caudilho de ocupar o país vizinho e de ficar com os portos estratégicos à sua mercê. Os planos de Roosevelt para a ocupação dos Açores e de Cabo Verde. Os planos de todos para tomar conta do país, enquanto Salazar mexe os cordelinhos invisíveis da neutralidade e vai andando assim, se se molhar, entre os pingos da chuva.”

Aliás, o livro tem algumas citações de Salazar, como esta:

“Depois do próprio Salazar, em 1933, desafiar os Governadores Coloniais a participarem do esforço de «organizar a protecção das raças inferiores, cujo chamamento à nossa civilização cristã é uma das concepções mais arrojadas e das mais altas obras da colonização portuguesa»”.

Quase no final do romance, em eleições dos anos 80, em Vilarinho houve três votos no Partido Comunista.

“Até que o padre Américo confessou que um dos votos era da sua responsabilidade. Que estava na cabina de prumos metálicos e tabopan perfurado, a debruçar-se sobre o boletim, quando perdeu o sentido e parecia que o demónio lhe tomava a mão. E então pôs uma cruz no quadradinho da foice e do martelo, a significar assim o esconjuro e, por essa via, a eliminação do que o símbolo representava. E, ainda possuído por uma entidade exterior, ainda meio atordoado, dobrou a papeleta em quatro, caminhou em direcção da mesa, introduziu-a na urna e recolheu o bilhete de identidade. E só quando saiu da escola se compenetrou do erro e da gravidade dele. E que desde domingo nem conseguia dormir.”

Recomendo.

“Encruzilhadas”, de Jonathan Franzen (2021)

Franzen é, actualmente, um dos maiores escritores norte-americanos e, pelos vistos, é especialista em escrever “tijolos”.

Já tinha lido Liberdade (684 páginas) e Purity (694 páginas); este Encruzilhadas conta com 677 páginas.

Na contracapa deste livro pode ler-se que “os romances de Jonathan Franzen são célebres pelas personagens inesquecivelmente vigorosas e pela sua perspicaz visão da América contemporânea.”

Estou de acordo, e é talvez isso o único defeito dos seus romances, o serem demasiado americanos.

Neste Encruzilhadas, cuja acção decorre num curto período entre 1971 e 72, conhecemos a família Hildebrandt. Russel é um pastor menonita numa igreja nos subúrbios de Chicago; o seu casamento com Marion está num marasmo; ela engordou e deixou de lhe despertar desejo sexual. Entretanto, na paróquia, surgiu uma viúva jovem por quem Russel perde a cabeça. Marion tem, no entanto, um passado bem curioso, que sempre ocultou ao marido, nomeadamente, um internamento por crise psicótica. O casal tem quatro filhos. O mais velho, Clem, pretende oferecer-se como voluntário para o Vietname: Becky é a estrela do liceu; Perry, com 14 anos, é toxicodependente; Judson tem apenas 9 anos e quase não conta para a história.

Todas estas personagens travam as suas lutas individuais tendo a religião como pano de fundo.

Cada capítulo é dedicado a uma destas personagens e, depois de um começo um pouco complicado, embrenhamo-nos na história e é difícil parar de ler.

“As Maravilhas”, de Elena Midel (2020)

Elena Medel  (Córdoba, Espanha, 1985) é autora de vários livros de poesia, mas este pequeno romance, o seu primeiro, foi considerado o melhor livro de 2020, tendo ganho o Prémio Francisco Umbral.

É um livro triste, cujos capítulos saltitam entre 2018, 1969, 1998, 1975. Conta-nos a história de Maria que engravidou muito jovem, tendo deixado a filha Carmen para ser criada pela sua mãe e pelo tio Chico, e partiu para Madrid, onde levou uma vida difícil de empregada da limpeza.

Por sua vez, Carmen cresceu e criou a sua própria família; teve duas filhas, sendo que a mais velha, Alicia, abandonou a família.

No centro destas histórias está a solidão e a falta de dinheiro, os direitos das mulheres e a dificuldade em ter uma vida independente e livre para quem vive o dia-a-dia a contar os tostões.

Paralelamente, vamos tomando contacto com alguns momentos importantes da História mais recente de Espanha, desde o funeral de Franco, à maioria absoluta de Felipe Gonzalez.

Uma pequena novela interessante.