“Zuckerman Libertado”, de Philip Roth (1981)

Roth escreveu quatro livros em que Nathan Zuckerman (seu alter ego) é protagonista: O Escritor Fantasma (1979), publicado por cá em 2017, este Zuckerman Libertado, A Lição de Anatomia (1983), publicado cá em 2015 e A Orgia de Praga (1985), que penso nunca ter sido publicado em Portugal.

Sendo uma parte importante da obra de Philip Roth, não percebo por que razão os quatro livros da série Zuckerman não foram editados em Portugal pela ordem cronológica, o que faria todo o sentido.

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Tudo começou com o excelente O Complexo de Portnoy, que Roth publicou em 1969 (editado por cá em 2010), um livro que expunha as idiossincrasias dos judeus, sobretudo no que respeita ao sexo, mas não só. Sendo Roth judeu, o livro foi muito mal recebido pelos seus congéneres, embora tenha tido êxito assinalável noutras latitudes.

Roth decidiu então criar um alter ego, Nathan Zuckerman, autor de um livro chamado Carnovsky, onde as idiossincrasias dos judeus são dissecadas. Zuckerman vai sofrer as consequências do que escreveu e é disso que estes quatro livros tratam.

Este Zuckerman Libertado é o segundo dessa série e conta-nos as paranóias que assaltam o escritor, que pensa que está a ser perseguido e que querem vingar-se do livro que escreveu, raptando a sua mãe.

Roth é divertido e, como diz uma citação que consta da contracapa “…desde Henry Miller ninguém como ele aprendeu a ser tão divertido, compassivo, brutal e lamentoso no espaço de um parágrafo”.

Um exemplo (página 165):

“…- Newark! (…) Que sabes tu de Newark, menino da mamã? Eu li a porra do livro. Para ti é chop suey aos domingos no chinês do centro da cidade! Para ti é fazer de índio leni-lenape na récita do liceu. Para ti é o tio Max em camisola interior, a regar os rábanos í  noite! E o Nick Etten na primeira base pelos Bears! Nick Etten! Atrasado mental! Atrasado mental! Newark é um negro com uma navalha! Newark é uma puta com sífilis! Newark é drogados a cagar no portal da tua casa e a pegar fogo a tudo! Newark é vigilantes hispânicos í  caça de escarumbas armados de chaves de rodas! Newark é a bancarrota! Newark é cinzas! Newark é entulho e sujidade! Se fores dono de um carro em Newark ficarás a saber tudo sobre Newark! Então poderás escrever dez livros sobre Newark! Cortam-te a garganta por uns pneus radiais! Cortam-te os tomates por um relógio Bulova! E a pichota para se divertirem, se fores branco!”

Foi o 22º livro de Philip Roth que li e espero mesmo que editem o quarto livro desta série.

Outros livros de Roth: O Professor do Desejo; Operação Shylock; Quando Ela Era Boa; Os Factos; Engano; Goodbye Columbus; Nemésis; A Humilhação; Indignação; O Fantasma Sai de Cena; O Animal Moribundo; Património; Todo-o-Mundo; Pastoral Americana; A Conspiração Contra a América; Casei Com Um Comunista

“Gravidade Zero”, de Woody Allen (2002)

Por que raio Woody Allen decidiu publicar mais este livro?

Porque pode.

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É um livro chato, sem grande graça, cheio de referências demasiado nova-iorquinas para poderem ser totalmente compreendidas por lisboetas, mesmo que esses lisboetas, como é o meu caso, já tenham ido a Nova Iorque e vejam muitas séries norte-americanas.

Penso que me sorri duas vezes. Na página 119, quando conta que “…os meus pais esperavam gémeos. Ficaram devastados quando viram que vinha só eu. Não souberam lidar com o facto. Nos meus primeiros anos, vestiram-me de gémeos. Dois chapéus, quatro sapatos.“ E na página 164, quando escreve que “…A mãe, Ruth, era uma mulher habitualmente zangada que elevava o queixume í  condição de arte“.

O resto do livro, é mesmo chato.

Depois de várias histórias curtas, sem pilhéria nenhuma, o livro termina com uma história mais longa, de cerca de cinquenta páginas, que começa muito bem, com a descrição de uma família, onde se incluiu a tal Ruth, mas depois descamba para um rol de lugares-comuns, terminando com um final pífio.

Não recomendo.

“Sobre o Céu”, de Richard Powers (2018)

Em 2009 li um outro livro deste autor norte-americano (Illinois, 1957), chamado “…O Eco da Memória”. Nesse livro, Powers falava de Grous, neste outro, fala de árvores. De muitas árvores!

“…The Overstory” é o título original. Difícil de traduzir. Poderíamos dizer que overstory se refere í  copa das árvores quando, numa floresta, por exemplo, formam uma espécie de capa.

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Nuno Quintas traduziu este livro e merecia que o seu nome figurasse na capa, tal a dificuldade que deve ter encontrado no seu trabalho. Ele próprio, numa nota, no final do livro, refere essa dificuldade, uma vez que uma boa parte do livro fala das inúmeras espécies de árvores dos Estados Unidos que, muitas vezes, não se encontram no continente europeu, muito menos em Portugal. Pelo contrário, o velho castanheiro que, abnegadamente, nos oferece as deliciosas castanhas nesta época do ano, parece que está extinto nos Estados Unidos, devido a alguma espécie de praga, pelo menos, a julgar pelo livro de Powers.

Vencedor do Pulitzer, achei este romance demasiado confuso. Por um lado, junta diversos protagonistas, diria mesmo protagonistas a mais, mas, no entanto, os verdadeiros protagonistas são as árvores. O livro está dividido em 4 partes: raízes, tronco, copa e sementes.

Nas raízes, ficamos a conhecer as histórias das diversas personagens e é a parte mais interessante do livre, na minha opinião. Depois, a coisa complica-se. Alguns destes personagens unem-se para se tornarem activistas contra o abate de árvores, a coisa complica-se, eles radicalizam-se e, í s tantas, confesso que me perdi no enredo!

Mas o texto é confuso, com referência constante í s diversas árvores (coitado do tradutor, o que ele deve ter sofrido!)

Eis um exemplo:

“…Passado um tempo, consolidam-se: simples, e depois ganham grão. Como na primavera o ácer fica todo corado de cima a baixo. O aplauso educado dos choupos. O teixo a esticar-se, qual progenitor a pegar na mão da prole. O odor das nozes da nogueira-americana quando picadas. Os diques abrem-se e inundam-no de recordações, como os milhões de fechos de luz que atravessam as palmas de um castanheiro-da-índia. O ângulo entre as acácias. A turbulência num pedaço de madeira de oliveira. Os cachos da folhagem da mimosa, feitos caudas de aves tropicais. A escrita secreta, palavras turvas e crípticas, no avesso da casca da bétula. Caminhar debaixo de choupos-negros em que a calam pesa tanto que até inspirar era uma transgressão. Roçar um cipreste e pensar: «deve ser este o cheiro da vida do além»”

Difícil acabar de ler este calhamaço de mais de 400 páginas e ficar a pensar que está um pouco sobrevalorizado.

“Olho de Gato”, de Margaret Atwood (1988)

Gostei muito deste livro que já tem algumas décadas de edição no Canadá, mas que saiu agora, na Bertrand, com tradução de Rita Canas Mendes.

Atwood é uma escritora prolífica e dela já li muitas coisas, incluindo o Booker Prize de 2000, O Assassino Cego, e outros, como A História de uma Serva, Grace, O Coração é o íšltimo a Morrer”, Ressurgir, Os Testamentos, Coração de Pedra.

Neste Cat”™s Eye, Margaret Atwood conta-nos a história da pintora Elaine Risley, desde os tempos em que ela, os seus pais e o seu irmão, deambulavam pelas florestas canadianas, pouco depois do fim da Grande Guerra. O pai estudava insectos e a família ia atrás. Mais tarde, radicaram-se numa Toronto ainda por construir e por desenvolver. Elaine encontrou amigas, sobretudo uma, chamada Cordelia, que haveria de ensombrar o seu futuro. Vamos acompanhando a vida de Elaine, com muitas visitas ao passado, as suas paixões, a sua atitude cínica perante a vida.

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Apesar da diferença entre a vida no Canadá no post-guerra e a vida num país como Portugal nessa época, encontramos alguns pontos de contacto.

Como este pedaço da infância de Elaine:

“…Dois dias depois, a Carol conta-nos que o pai lhe deu uma valente sova de cinto, com o lado da fivela, diretamente no rabo. Diz que mal consegue sentar-se. Parece orgulhosa disto. Depois das aulas, no seu quarto, mostra-nos: levanta a saia, baixa as cuecas, e lá estão as marcas, parecidas com arranhões, não muito vermelhas, mas efectivamente lá.”

Elaine torna-se uma pintora, digamos, feminista, mas sem acreditar muito nisso. Depois de um primeiro casamento falhado, conhece Ben, um homem tradicional. Acaba por gostar disso:

“…Anos antes, tê-lo-ia considerado demasiado óbvio, demasiado tolo, praticamente um simplório. E, durante anos depois disso, um chauvinista da espécie mais amistosa. Ele é todas essas coisas; mas também é como uma maçã, depois de um banquete desenfreado.

Vem a minha casa e repara o alpendre traseiro com os seus próprios serrote e martelo, como nas revistas femininas de antigamente, e depois bebe uma cerveja, no relvado, como nos anúncios.  Conta-me anedotas que eu não ouvia desde os tempos do liceu. A minha gratidão por estes prazeres triviais surpreende-me. Mas não preciso dele, ele não é nenhuma transfusão. Ele agrada-me, só. É uma felicidade sentir-me agradada com algo tão simples”.

“…Olho de Gato” é um dos melhores livros que li nos últimos tempos.

“Cinza, Agulha, Lápis e Fosforozitos”, de Robert Walser

Robert Walser nasceu em Biel, Suíça, em 1878 e faleceu de ataque cardíaco, durante um passeio, em 1956. Ao longo da sua vida, mudou de profissão inúmeras vezes e em 1929 foi internado num hospício, com o diagnóstico de esquizofrenia catatónica e aí se manteve durante cerca de vinte anos.

Walser é autor de muitos poemas, romances, peças de teatro e textos curtos, de teor original; parece ter influenciado Franz Kafka.

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Este pequeno livro, editado pela Assírio e Alvim, reúne alguns pequenos textos que Walser escreveu entre 1901 e 1932. Por vezes, estes curtos textos soam quase a redacções infantis, outras vezes, parecem textos quase surrealistas. Como este, intitulado Peça de Câmara e que começa assim:

“…Conheço um escritor que, depois de lutar em vão durante semanas para encontrar assunto adequado, teve finalmente a divertida ideia de empreender uma viagem de descoberta debaixo da sua própria cama.

No entanto, o resultado dessa temerária e perigosa expedição foi, como lhe poderia dizer de antemão qualquer pessoa que o estivesse a observar, igual a zero.

Desiludido e desencorajado, o aventureiro teve de se levantar do chão em que se tinha prostrado, lamentando-se vigorosamente por não ter descoberto uma matéria de escrita minimamente significativa e interessante”.

Livrinho curioso.

“Correcções”, de Jonathan Franzen (2001)

Jonathan Franzen (Nova Iorque, 1959) é considerado, pela Time, o “…grande romancista americano”. Especialista em escrever grandes calhamaços, já tinha lido dele “…Liberdade“ (2010, 682 páginas), “…Purity“ (2015, 694 páginas) e “…Encruzilhadas“ (2021, 677 páginas). Faltava-se este “…Correcções” (2001, 512 páginas), vencedor do National Book Award.

Conta-nos a história da família Lambert, no final dos anos 90, nos EUA. Alfred é o pai, antigo engenheiro dos caminhos de ferro, abraços com a doença de Parkinson e a demência, Enid, a sua mulher, obcecada por um último Natal em família; e ainda os três filhos: Gary, um banqueiro snob com um casamento complicado, Chip, um desempregado crónico que se envolve em negócios escuros na Lituânia e Denise, uma cozinheira que se envolve com o patrão e, sobretudo, com a mulher dele.

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Como os restantes calhamaços, também este é um romance essencialmente americano. As suas personagens não poderiam ser, por exemplo, francesas, ou italianas, muito menos portuguesas. São americanos típicos.

Franzen escreve que se desunha, fabricando enormes parágrafos, como este, sobre o casamento de Gary e a sua incapacidade em se envolver com outras pessoas:

“…Gary lembrou-se de que outro motivo por que permanecera fiel a Caroline ao longo de vinte anos de casamento fora a sua constante e crescente aversão ao contacto físico com outros seres humanos. Estava, com certeza, apaixonado pela fidelidade, com certeza de perfilhar esse princípio lhe causava um frémito erótico, mas algures entre o seu cérebro e os seus testículos também havia, porventura, um fio a soltar-se, pois o seu principal pensamento, enquanto despia e violava mentalmente aquela rapariguinha de cabelos vermelhos, era como acharia abafado e infecto o lugar da sua infidelidade ““ um armário com uma provisão bacterial coliforme, um hotel Courtyard da cadeia Marriott com sémen seco nas paredes e nas colchas, o estafado e febril banco de trás do adorável Volkswagen ou do Plymouth que ela sem dúvida conduzia, a alcatifa infestada de esporos do seu exíguo apartamento em Montgomeryville ou Conshohocken, todos eles lugares sobreaquecidos, subventilados e sugestivos de condilomas genitais e clamidíase í  sua própria e desagradável maneira ““ e como seria difícil respirar, como a carne dela seria sufocante, como seriam sórdidos e de antemão condenados os esforços dele para não condescender…”

Ufa! Gostei.

“O Quarto do Bebé”, de Anabela Mota Ribeiro (2023)

Li algures que Annie Ernaux, a escritora francesa que venceu o Nobel, é uma das escritoras favoritas de Anabela Mota Ribeiro. Li também, que este livro será uma obra de autoficção.

Seja como for, é uma obra muito conseguida. Lemo-lo em conjunto em três ou quatro sessões de leitura e gostámos muito.

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Escrito em forma de diário, acompanhada não só os tempos da pandemia, com o estado de emergência e o confinamento, como também as vicissitudes da doença da narradora. Um cancro da mama, a histerectomia radical, a infertilidade, tudo isso é narrado com emoção, mas de um modo muito pessoal.

Poderia citar dezenas de frases que nos tocaram por uma ou outra razão, mas escolhi apenas estas três.

A propósito do confinamento provocado pela pandemia:

“…Que sorte viver em Portugal, ter um governo socialista. A Europa disse para injectar dinheiro na economia. Como vamos viver daqui a três meses, apesar das medidas e dos apoios í s famílias e empresas”.

Isto passou-se há bem pouco tempo, mas muitos dos nossos políticos e comentadores parecem ter esquecido.

A narradora fala do seu dia-adia. O João, que se depreende ser o seu companheiro, está presente, embora não interfira muito na escrita. A propósito de uma visita que fizeram a Auschwitz, como nós fizemos, gostava de ter inventado a frase que a autora escolheu.

“…O João e eu fomos a Auschwitz, Birkenau, Treblinka. Fomos ao fim do mundo. Não se vem de lá com palavras.”

Mais í  frente, quando se recorda do momento em que soube que tinha cancro da mama:

“…A próxima pessoa que me falar de excesso de medicina, excesso de radiação, excesso de zelo, terapias alternativas, naturismos e o caralho, leva um murro”.

Como eu a compreendo!

Este é o primeiro romance de Anabela Mota Ribeiro (Trás-os-Montes, 1951), mas a sua escrita já é uma escrita madura.

Aconselho vivamente.

“A Louca da Casa”, de Rosa Montero (2023)

Rosa Montero (Madrid, 1951) explica, no final do livro, que esta é uma reedição, já que A Louca da Casa foi editado, pela primeira vez, em 2003. Terá sido o primeiro título de uma trilogia que a autora apelida de artefactos literários, uma vez que não são bem um ensaio, muito menos um romance, mas têm ingredientes de ambos.

Os outros dois títulos da trilogia são: A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te, publicado em 2013, e O Perigo de Estar no Meu Perfeito Juízo (2022). Curiosamente, cada título está separado do seguinte por cerca de dez anos.

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Neste A Louca da Casa, Rosa Montero fala sobre a imaginação e como ela domina o acto de escrever romances, de tal modo, que a autora conta alguns episódios da sua vida e conta-os em diversas versões. O leitor fica sem saber qual dessas versões será a verdadeira, se é que alguma delas é.

Rosa Montero pouco mais velha que eu é, e isto que ela diz sobre o envelhecimento, é bem verdade:

“…O envelhecimento é um processo orgânico lamentável que tem apenas duas coisas boas (a primeira é que, se nos esforçarmos, aprendemos algumas coisas; e a segunda, é ser a melhor prova de que ainda não morremos) e muitas outras péssimas, como, por exemplo, os neurónios destruírem-se í s mãos cheias, as células se deteriorarem e se oxidarem, a gravidade puxar o corpo em direcção í  terra-campa enfraquecendo os músculos e dependurando as carnes. Pois bem, a todos esses pesares, e a outros que não cito, é possível que também se some um fastio acabrunhante da realidade, a perda progressiva da nossa capacidade de fantasia, o anquilosar da imaginação.”

A propósito das técnicas que os romancistas usam para escrever as suas obras, Montero cita diversos outros autores. Destaco esta citação de Mark Twain:

“…O livro relata uma história ainda mais inquietante sobre Mark Twain, que, em adulto, contou a um jornalista que tinha tido um irmão gémeo, Bill, com quem se parecia tanto que ninguém conseguia distingui-los, ao ponto de terem de colocar-lhes cordelinhos coloridos nos pulsos para saber quem era quem. Pois bem, um dia deixaram-nos sozinhos na banheira e um deles afogou-se. E, como os cordões se tinham soltado, «nunca se soube qual dos dois tinha morrido, Bill ou eu», explicou Twain placidamente ao jornalista”.

Também Rosa Montero fala, neste livro, da sua irmã gémea Martina, e ficamos na dúvida se ela não estará a seguir o exemplo de Mark Twain, inventando uma história que, afinal, pode ser verdadeira.

Mais um bom livro desta escritora castelhana.

Ver ainda: Instruções Para Salvar o Mundo; A Boa Sorte

“Dor Fantasma”, de Rafael Gallo (2023)

Com este livro, Rafael Gallo (São Paulo, Brasil, 1981), venceu o Prémio Literário José Saramago.

Trata-se de um livro notável no que diz respeito ao substrato narrativo, isto é, a história é curta, mas o autor consegue prender-nos e fazer com leiamos o livro quase como se fosse um thriller.

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A história centra-se em Rí´mulo Castelo, um pianista especialista em Liszt, rígido, incapaz de aceitar a mais pequena imperfeição, quer na música, quer na vida. Foi assim que o seu pai, maestro, o ensinou desde tenra idade.

Rí´mulo todos os dias treina o Rondeau Fantastique, obra de Liszt de difícil execução. Ele pensa que mais ninguém a conseguiu interpretar, a não ser o seu autor e vai ser ele, Rí´mulo, que a irá apresentar ao mundo na sua tournée europeia. Por isso, todos os dias a treina, na sua sala insonorizada, no seu apartamento, ignorando a existência da sua mulher e, sobretudo, do seu filho, prematuro, que tem um atraso cognitivo.

Só que Rí´mulo sofre um acidente grave e a sua mão direito é amputada.

Esta é a súmula da narrativa. Tudo o resto é a argúcia do escritor, que nos consegue agarrar até í  última página.

Gostei muito desta história, apesar de, por vezes, ser difícil ler o português do autor, devido í  construção frásica, demasiado “…brasileira”.

Mas aconselho.

“A Cona de Irí¨ne”, de Louis Aragon (1928)

Claro que foi o título que despertou a minha curiosidade. Isso e o facto de o autor ser Aragon. A propósito do centenário de Cesariny, tinha lido que ele preferia Aragon a Breton, no que dizia respeito aos surrealistas franceses ““ e logo por coincidência, tomei conhecimento deste pequeno livro da coleção Livros Negros, da editora Guerra e Paz.

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O livro terá sido publicado clandestinamente, e anonimamente, em 1928 e logo proibido. Foi reeditado em 1952, e novamente proibido. E o mesmo aconteceu em 1962 e 1968. Finalmente, em 1993, o livro pí´de ser reeditado com o nome do seu autor, Louis Aragon.

Lê-se de uma penada e, hoje em dia, não escandaliza ninguém. Classificam-no de clássico da literatura erótica, mas penso que é um exagero. A maior parte das páginas deste livrinho estão preenchidas por uma escrita automática, tão ao gosto dos surrealistas e, da cona da Irene, apenas se fala en passant, classificando-a de “…fenda húmida e doce, querido abismo vertiginoso”.

Tem interesse histórico…