“O Estranho e Surpreendente Mundo dos Sentidos”, de Guy Lischeziner (2022)

Este neurologista britânico pode ser um sucessor de Oliver Sacks, falecido em 2015 e autor de diversos livros sobre neurologia e temas adventícios, como o famoso “O Homem Que Confundiu a Sua Mulher Com Um Chapéu”, ou ainda, “Tudo No Seu Lugar”, ou “Musicofilia”.

Este livro de Leschziner conta-nos as histórias de alguns pacientes que têm em comum disfunções dos órgãos dos sentidos. É certo que são esses órgãos que nos põem em contacto com o mundo exterior; mas, quando eles nos pregam partidas, a comunicação pode ser complicada.

Os diversos capítulos vão detalhando perturbações relacionadas com os diversos órgãos dos sentidos.

No que respeita ao olfacto, o autor sublinha que é o cheiro que evoca estados emocionais e sei bem do que fala. Ainda hoje, há cheiros que me fazem regressar à infância.

“muito embora outros estímulos, quer sejam musicais, tácteis ou verbais, sejam igualmente bons para trazer de volta memórias de acontecimentos, as lembranças desencadeadas por cheiros são acontecimentos consistentemente mais emocionais. Na verdade, experiências mostraram que o estado emocional pode reforçar o elo entre o olfacto e a memória.”

Os sintomas que os doentes nos apresentam são, muitas vezes, enganadores. O autor confessa que fica perturbado com essa possibilidade – e percebo-o muito bem!

“Não tenho grande vontade de falar sobre estes casos nas páginas deste livro – a decisão de administrar ou não um fármaco, de fazer uma ressonância a alguém agora ou daqui a três meses – ainda voltam para me atormentar durante a noite, meses ou até anos depois, com nomes e rostos gravados na memória.”

Essa uma das razões que me levou a nunca mais pensar na minha profissão, depois da aposentação!

Uma das coisas que aprendemos na Faculdade: o que é raro, é raro – o que é frequente, é frequente. Por outras palavras: se alguém se queixa de uma dor de cabeça, é muito provável que tenha, apenas, uma dor de cabeça e não um tumor cerebral.

Diz o autor:

“Na medicina há um velho adágio que diz «Quando ouvires o barulho de cascos, pensa em cavalos, não em zebras», que é atribuído ao Dr. Theodore Woodward, professor de Medicina na Universidade de Maryland na década de 1940 e que queria com isto dizer que devemos procurar a explicação mais provável para um conjunto de sintomas e sinais, e não um diagnóstico raro e exótico”.

No entanto, este livro apenas trata de situações raras e exóticas, como a jovem que foi perdendo a visão devido a diversos meningiomas, ou o homem incapaz de sentir dor, ou ainda o outro para quem as palavras tinham cor.

Um livro muito interessante.

“Colchão de Pedra”, de Margaret Atwood (2014)

A idade não parece afectar a imaginação de Margaret Atwood. Actualmente com 83 anos, a escritora canadiana continua bem viva.

Esta colectânea de contos foi publicada originalmente há nove anos, e saiu agora em Portugal, pela Bertrand.

São nove fábulas de humor negro. É a própria autora que lhe chama fábulas, embora os personagens sejam humanos, e não animais.

Na história que dá nome ao livro, uma turista, a bordo de um cruzeiro no Ártico, engendra um assassínio perfeito, usando um estromatólito.

Na última fábula, idosos de um lar enfrentam uma multidão de manifestantes jovens que querem acabar com os idosos que não servem para nada, a não ser, para consumirem os parcos recursos do planeta.

Vale a pena ler.

“O Mago do Kremlin”, de Giuliano da Empoli (2022)

Na capa, a editora afirma que este é o “«romance» que intriga os serviços secretos ocidentais”. E coloca romance entre aspas como quem diz que o livro será o relato verídico de um ex-conselheiro de Putin.

O livro é um longo monólogo desse tal ex-conselheiro, Vadim Baranov, que relata, ao longo de mais de 200 páginas, como conseguiu levar Putin ao Poder e como o manteve lá e acabou por se afastar, porque Putin, no fundo, não precisa de mais ninguém a seu lado, a não ser a sua cadela lavrador.

Não sei se haverá outro Vadim Baranov, mas googlando este nome, apenas me aparece um crítico literário russo, que faleceu em 2014. Deve ser coincidência.

Romances à parte, o autor dá-nos uma descrição do Poder russo demasiado caricaturizada, na minha opinião.

Página 35, diversas piadas sobre o tempo dos soviéticos:

“«Sabes o que é um dueto soviético? É um quarteto que foi em digressão ao estrangeiro.»

«Uma comissão de inspectores visita um asilo de loucos. Os pacientes recebem-nos cantando: ‘Como é bom viver em terra soviética!’ Mas a comissão repara que um homem continua calado. ‘Porque é que não cantas?’, perguntam-lhe eles. ‘Eu sou enfermeiro, não sou doido!’»

«O camarada Khrushchev visita uma criação de porcos e é fotografado. No Pravda, os grafistas discutem qual a legenda a colocar na imagem: ‘O camarada Krushchev entre os porcos’, ‘O camarada Krushchev e os porcos’, ‘Os porcos ao redor do camarada Krushchev?’ Todas as propostas são rejeitadas, umas atrás das outras. Por fim, o director toma a sua decisão. A legenda escolhida é: ‘Terceiro à direita, o camarada Krushchev’».

Página 126, após um diálogo com um oligarca que vai acabar por “suicidar”:

“Sobra a guerra civil, devo confessar que me deu vontade de rir: como dizia aquele diplomata francês, a vantagem da guerra civil sobre a outra é que se pode ir comer a casa.”

Nas páginas 172 e seguintes, o tal suposto conselheiro do Czar, fala da Ucrânia:

“Apoiados pelos americanos, os rebeldes (ucranianos) recusaram reconhecer o resultado das eleições, ocupando a praça principal de Kiev com os seus cânticos, as suas faixas cor de laranja, os seus alegres slogans pró-ocidentais. De súbito, comissões de observadores internacionais, delegações do Congresso americano, missões diplomáticas da União Europeia, materializaram-se do nada: todas concordavam em julgar ilegítimo o resultado das eleições ganhas pelo candidato pró-russo. Tinha-se acabado de votar no Afeganistão, no Iraque, com bombas a explodirem nas ruas e as tropas americanas a ocuparem as mesas de voto – aí, claramente, nenhum problema, tudo estava regular. Mas na Ucrânia não, claro que não.”

Romance ou relato verídico, é um livro curioso, que se lê como um daquelas novelas para ler no aeroporto.

“Os Engenheiros dos Caos”, de Giuliano Da Empoli 2019)

Empoli foi conselheiro de Matteo Renzi e conhece, por dentro, a política italiana. A partir do fenómeno do Movimento 5 Estrelas, Empoli analisa os movimentos populistas que levaram ao poder personagens como Trump, Bolsonaro, Órban e outros.

Podemos extrapolar para o Ventrusca, sem muito esforço.

“Os defeitos dos líderes populistas transformam-se, aos olhos dos seus eleitores, em qualidades. A inexperiência deles é a prova de que não pertencem ao círculo corrupto das elites e a incompetência deles é a garantia da sua autenticidade.” –  escreve Empoli, na página 17.

O capítulo dedicado à ascensão de Trump e à influência de Steve Bannon, é simplesmente assustador. O modo como o tipo do cabelo amarelo diz uma coisa e, no dia seguinte, o seu contrário – e, sobretudo, como ele consegue que isso o favoreça, deixa-nos de queixo caído.

Por vezes, ficamos um pouco espantados quando percebemos que países do Leste, tantos anos, sob domínio comunista, viram agora à Direita.

Diz Empoli:

“Aos olhos dos conservadores húngaros, checos e polacos, a Europa Ocidental representava um ideal porque, contrariamente ao comunismo, garantia o respeito pelas tradições e pela religião. Não é de espantar, portanto, que eles se tenham sentido enganados quando compreenderam que a norma, no Ocidente, era o multiculturalismo e os casamentos homessexuais”.

Um livro que devia ser leitura obrigatória em algumas bancadas da Assembleia da República.

“A Mais Secreta Memória dos Homens”, de Mohamed Mbougar Sarr (2021)

Trata-se de um livro sobre outro livro.

O outro livro chama-se O Labirinto do Inumano e foi escrito por um senegalês que emigrou para França, um tal Elimane. Esse livro ou é uma obra-prima ou um conjunto de plágios e Elimane desapareceu da circulação e ninguém sabe o que lhe aconteceu. Nunca ficamos a saber, ao certo, de que tratava o livro, embora muitos o tenham lido e tenham ficado fascinados com a escrita de Elimane.

Sarr (Dakar, Senegal, 1990), recebeu o Prémio Goncourt em 2021 graças a este complexo livro, que mistura cartas, mails, notícias de jornal, depoimentos de quem privou com o autor do tal livro e mais.

Confesso que tive alguma dificuldade em seguir o livro que, para mim, me pareceu uma sucessão de pequenas histórias, sendo que o livro de Elimane serve de costura a todos esses retalhos.

“Tempo de Furacões”, de Fernanda Melchor (2017)

Quando comecei a ler este livro lembrei-me logo de outro: O Outono do Patriarca, de Gabriel Garcia Marquez, livro publicado em 1975 e que eu li em 1978.

Lembrei-me desse livro porque, também este, é sempre a andar, sem parágrafos, com uma oralidade muito bem conseguida, como se estivéssemos a ouvir alguém a contar-nos uma história sem pausas, sem sequer respirar. Marquez, no entanto, não facilitou a vida ao leitor porque não colocou pontuação no seu texto, enquanto Fernanda Melchor deu-nos uma grande ajuda, usando vírgulas e pontos finais – mas não parágrafos.

Fernanda Melchor é uma escritora mexicana (Vera Cruz, 1982) e com este livro foi finalista do Booker Internacional de 2020.

A história – que não é o mais importante, penso eu – gira em redor de uma Bruxa, numa localidade perdida do México e de um grupo de pessoas desgraçadas, pobres, drogadas, sem trabalho, que se prostituem, se drogam, se matam, se amedrontam com feitiços, acumulam más decisões e não têm futuro.

A linguagem que a escritora usa é dura.

Página 34:

“ (…) para que a velha finalmente se apercebesse do género de menino que era o seu neto, maricas de merda e cobarde, devasso de merda que nunca agradeceu tudo o que a avó fez por ele, tudo o que teve de lhe suportar, porque se não tivesse sido a avó, o raio do rapaz teria morrido, porque a puta que o pariu tinha-o completamente abandonado e cheio de parasitas, maltratado e cheio de fome numa choça enquanto ela andava na maior a fazer vida de puta na estrada.”

A linguagem é mesmo muito dura.

Páginas 134/135:

“porque Maurílio trazia-me pelo beicinho com a sua lábia, com as suas cantiguinhas, mas sobretudo com a sua verga; porque eu tinha catorze anos quando o conheci, acabada de chegar a Villa, farta até aos cabelos de cortar limões lá no rancho e de o meu pai arrecadar o dinheiro todo e a gastá-lo a emborrachar-se e a apostá-lo nos galos; até ao dia em que eu soube que andavam por aqui a construir uma estrada nova, para ligar os poços a Puerto, e que diziam que era uma mina de ouro e que havia muito trabalho e eu não sabia fazer nada, só cortar limões, mas vim na mesma para cá sozinha, e qual foi a minha surpresa quando vi que esta terra era ainda mais fodida que Matadepitas, puta que pariu, e o único lugar onde me deram trabalho foi la na fonda da dona Tina, maldita puta velha e cara de caralho, avarenta como só ela. Eu quase tinha de lhe pedir por favor que me pagasse, negra de merda, e dizia que eu ficava com as gorjetas – mas quais? -, se naquela barraca de merda não paravam nem as moscas.”

E dou só mais um exemplo, caso contrário, começo a transcrever o livro todo.

Página 156:

“Eh pá, o Nelson, o que será feito desse paneleiro? Dizem que foi para Matacocuite e que montou um salão de beleza e que já ninguém o trata por Nelson, agora chama-se Evelyn Kristal. Ganda paneleiro, as nalgotas que ele tinha, lembras-te, mano? E de como ele passava à nossa frente a dar ao cu e a fingir que não percebia que nós o estávamos a ver? Ainda era bem novo quando lhe tirámos os três, mas também já estávamos fartos de andar a ver-lhe as nalgas, cheios de tesão, e um dia levámo-lo ali para os lados da via-férrea e entre demos demos-lhe a foda da vida dele, lembras-te mano? O paneleirote até chorava de alegria, não sabia nem o que fazer com tanto caralho!”

Claro que tenho de falar nos tradutores – diria adaptadores, porque a autora não terá escrito termos como “paneleirote” ou “panisgas”, ou “cheio de nove horas” e muitos outros. Os tradutores são Cristina Rodrigues e Artur Guerra que, segundo informação da editora Elsinore, traduziram já centenas de livros desde a década de 1990 e usam, como método de trabalho, lerem tudo em voz alta.

Também este livro merece ser lido em voz alta.

Aconselho vivamente…

“Pequenas Coisas Como Estas”, de Claire Keegan (2021)

Claire Keegan (Wicklow, Irlanda, 1968), foi finalista do Booker Prize de 2022 com este livro.

Depois de ter lido um calhamaço com mais de 600 páginas, despachei este pequeno livro de 80 páginas numa penada.

Por vezes, não é preciso escrever muito para se conseguir o que se pretende. O que esta escritora irlandesa quis foi falar-nos, de um modo simples, de mais uma tragédia relacionada com a igreja católica.

No final do livro, uma nota dá-nos conta das chamadas Lavandarias de Madalena, instituições ligadas a conventos que albergavam raparigas “pecadoras”, aquelas que engravidavam depois de terem sido violadas, ou depois de uma relação ocasional, e que eram solteiras. Diz a nota que essas mulheres eram “escondidas, aprisionadas e obrigadas a trabalhar nessas instituições”. Muitos dos registos dessas lavandarias foram destruídos e não se sabe ao certo quantas mulheres albergaram. Há quem fale em 10 mil, há quem diga que foram 30 mil. Muitas dessas mulheres perderam os seus bebés, muitas perderam as suas vidas. Um relatório recente da Comissão de Investigação dos Lares para Mães Solteiras concluiu que 9 mil crianças morreram em apenas 18 das instituições investigadas. Em 2014, a investigadora Catherine Corless descobriu que 796 bebés morreram entre 1925 e 1961 no lar de Tuam, no condado de Galway.

É sobre isto que trata esta pequena, mas eloquente novela.

Bill Furlong vendia carvão, antracite e lenha. Vivia numa pequena vila irlandesa, com a sua mulher e as suas cinco filhas. Um dia, ao entregar carvão no convento local, deparou-se com uma rapariga presa no reservatório de carvão.

Depois de muito matutar, Bill Furlong tomou uma decisão em relação àquela rapariga. O que fez, não foi nada de especial, mas são Pequenas Coisas Como Estas que podem fazer a diferença.

Vale a pena ler.

“Uma Pequena Vida”, de Hanya Yanagihara (2015)

Yanagihara (Los Angeles, 1974) é uma escritora norte-americana que, com esta obra, foi finalista do Man Booker Prize e do National Book Award.

Quando terminei a leitura deste calhamaço senti um grande alívio. Por um lado, porque se trata de um tijolo com 684 páginas. Como gosto de ler na cama, segurar neste livro exige alguma preparação física. Por outro lado, senti alívio porque é um livro triste e terrível. No fundo, é um livro sobre o sofrimento, mas também sobre a amizade e o amor.

A história começa com quatro jovens universitários que se tornam amigos para a vida. Todos eles vão ser bem-sucedidos. JB torna-se um artista plástico famoso, Malcolm, um arquitecto de renome, Willem, será um actor consagrado e Jude um advogado implacável. Todos enriquecem graças às suas profissões.

A narrativa, no entanto, centra-se mais em Jude, que tem uma infância tenebrosa, que procura esconder de toda a gente, porque se envergonha dela. Acolhido num convento aos 9 anos, Jude foi vítima de sovas monumentais e também de abusos sexuais repetidos. Um dos irmãos, o irmão Luke, foge com ele, mas, em vez de o libertar, vai usá-lo como prostituto. Abusado por dezenas de clientes, mais tarde vítima de mais maus-tratos, Jude fica com aleijões físicos importantes, mas, pior do que isso, traumas psíquicos de que nunca se vai libertar. Apesar de acabar por conseguir formar-se em Direito e de se tornar num advogado importante numa grande firma, nunca vai conseguir ultrapassar esse trauma e, sempre que se sente em baixo, corta-se. Corta-se com uma lâmina nos braços, até ficar cheio de cicatrizes. Provocando dor física nele próprio, tenta assim ultrapassar a dor psíquica. Em vão. O facto de ter conseguido singrar na vida, ocupando um lugar de destaque na sociedade de advogados de que faz parte, apesar de ser proprietário de um apartamento luxuoso, renovado pelo seu amigo Malcolm, apesar de, juntamente com Willelm, seu companheiro, ter comprado e mandado construir uma casa de campo, apesar até de ter sido adoptado, já adulto, pelo seu antigo professor e pela esposa, apesar do apoio incondicional de Andy, o seu médico e amigo – apesar de tudo isso, não vai conseguir ultrapassar o seu passado de pessoa abusada.

O sofrimento de Jude e a tentativa que os seus amigos fazem, uma e outra vez, para o ajudar, é bem descrita pela autora, em páginas e páginas que se vão sucedendo e que nos deixam perturbados.

Claro que tudo isto é possível porque todas as personagens estão bem na vida, têm posses para viajar, para ter existências confortáveis, sem se preocuparem com os gastos do dia-a-dia. Fosse Jude um dos muitos abusados pobres e o livro terminaria nas primeiras páginas. É um livro perturbador que merece ser lido.

“Lucy à beira-mar”, de Elizabeth Strout (2022)

Elizabeth Strout criou duas personagens muito bem conseguidas: Olive Kitteridge (Olive Kitteridge (2008) e A Segunda Vida de Olive Kitteridge (2019) e Lucy Barton (O Meu Nome é Lucy Barton (2016), Tudo É Possível (2017), Oh William! (2021) .

“Lucy à Beira-Mar” é já o quarto livro que lemos com esta personagem. Trata-se de uma escritora com algum sucesso, que nasceu muito pobre, mas que vive agora confortavelmente devido ao êxito dos seus livros. No entanto, não esquece a sua infância e a sua relação com os pais, já falecidos, e os irmãos, não é fácil. Parece que Lucy tem alguma vergonha do êxito que alcançou e os seus familiares, por seu lado, invejam-na.

A acção deste livro decorre em plena pandemia de covid 19, numa altura em que o número de casos positivos em Nova Iorque era enorme. Para fugir ao covid, Lucy aceita a sugestão do ex-marido, William, para irem viver para uma pequena vila no Maine, onde o covid parece não ter chegado, por enquanto.

Tal como acontece nos restantes livros em que Lucy é a protagonista, vamos sabendo pormenores do dia-a-dia dela, do marido, das filhas de ambos, de alguns amigos. Lucy faz considerações sobre as coisas da vida, sempre com uma linguagem muito simples e directa.

Um livro que é uma boa companhia.

“O Perigo de Estar no Meu Perfeito Juízo”, de Rosa Montero (2023)

Montero pensa que a criatividade e a loucura talvez não andem de mãos dadas, mas têm apenas uma parede finíssima a separá-las.

Nascida em 1951, esta escritora espanhola, de quem já li A Boa Sorte, A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te e Instruções Para Salvar o Mundo, dá-nos inúmeros exemplos de escritores, uns famosos, outros menos, que lutaram contra a loucura ou que a deixaram tomar conta de si próprios e que a aproveitaram para criar as suas obras.

Com efeito, são inúmeros os exemplos. Rosa Montero gosta, especialmente, de Sylvia Plath (1932-1963), Virginia Woolf (1882-1941) e Emmanuel Carrère (1957). Plath suicidou-e com a cabeça dentro do fogão da cozinha, Woolf suicidou-se metendo-se no mar, vestindo um sobretudo cheio de pedregulhos, e Carrère, embora não se tenha suicidado, sofre de uma perturbação bipolar.

Mas há muitos outros exemplos de criadores suicidas, alcoólicos ou loucos – e Montero compara-se com eles, em certa medida, embora nunca assuma nenhuma doença mental ou vício de substâncias aditivas.

A sua tese é que a criatividade está ligada a mentes diferentes das mentes das pessoas, digamos, comuns, banais.

Tem razão, certamente, mas não penso que seja absolutamente necessário dar as mãos à loucura para ser criativo – e poderia elencar uma lista de nomes de autores que criaram grandes obras sem estarem a entrar e sair de instituições psiquiátricas. Apesar disso, recomendo.