“Crimes Exemplares”, de Max Aub (1956/2001)

Max Aub nasceu em França em 1903, mas mudou-se para Valência aos 11 anos, adquirindo a nacionalidade espanhola. Quando Franco subiu ao poder, exilou-se no México, onde morreu em 1971.

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Em 1956 publicou este Crimes Exemplares, um livro que colecciona confissões de assassinos, com um toque de humor negro.

Em 1981, o livro ganhou o Grande Prémio do Humor Negro, em Paris.

Em 2001, em Espanha, foi publicada esta versão do livro, com mais de 30 ilustrações.

A edição portuguesa, da Antígona, saiu no ano passado. É um livro muito bonito, de capa dura, impresso em papel offset de 140 gramas.

Por vezes, as histórias, são tão curtas que apenas têm uma frase, como esta:

– Matei-a porque me doía o estí´mago

Ou esta:

– Matei-a porque lhe doía o estí´mago

Outras, têm meia dúzia de linhas:

Terminara o meu trabalho, não julguem que foi fácil: oito dias para passar a limpo aquele projecto. No dia seguinte de manhã seriam os exames semestrais. E aquele cretino chega, para encher a sua caneta no meu frasco de tinta-da-china, e deixa-o cair em cima do meu projecto… Foi instintivo, espetei-lhe o compasso no estí´mago.

Ou ainda esta:

Matei-o porque me doía a cabeça. E ele veio falar-me, sem descanso, de coisas para que eu me estava absolutamente nas tintas. É a verdade, embora elas talvez me tivessem podido interessar. Antes de o fazer, olhei, ostensivamente, seis vezes para o relógio; ele não ligou nenhuma. Creio que é uma atenuante que deve ser seriamente levada em conta.

Um livro diferente e, repito, muito bonito.

Uma campanha alérgica

O chefe do PSD, Rui Rio, a percutir um bombo, perante o sorriso alarve de um apaniguado, que grita PSD! PSD!, conseguindo abafar o ruído do bombo.

A líder do PAN a visitar um canil e a ser lambida por cãezinhos.

O brilhantinas da IL, com uma barriguinha liberal, a jogar futebol de praia.

O futuro ex-primeiro-ministro Costa, a dançar o vira, em Viana do Castelo.

O candidato facho vestido de camuflado a prometer pensões aos ex-combatentes e que vai acabar com todas as portagens.

O rapazito do CDS a beber vinho por uma malga em Ponte de Lima.

O substituto da CDU, qual matraca, a fazer lembrar o Cunhal.

A Caratina, a convidar o Costa para uma reunião, no dia após o Bloco ganhar as eleições.

O esforçado líder do Livre, a caminhar na serra de Carnaxide, com três militantes em fila indiana.

Arruadas, visitas a feiras e mercados, comícios, entrega de panfletos, oferta de canetas.

A campanha eleitoral continua igual, quase 50 anos depois do 25 de abril.

Ninguém faz diferente.

Alguém muda de opinião quando vê passar a caravana deste ou daquele partido, alguém deixa de estar indeciso porque lhe oferecem uma caneta na Feira lá da vila, alguém muda o seu sentido de voto depois de ler o panfleto, alguém vê o tempo de antena na televisão?

Que o PS, o PSD, a CDU, o CDS e até o Bloco mantivessem o figurino das campanhas, ainda se percebia ““ é difícil mudar. Mas os partidos mais recentes continuam a fazer tudo da mesma maneira.

O meu voto está decidido há muito e não é a campanha que o vai mudar, mas gostaria de assistir a algo de diferente.

Talvez a próxima campanha seja mais inovadora… daqui a dois anos, não?…

“Devorar o Céu”, de Paolo Giordano (2018)

Deste jovem escritor italiano (Turim, 1982), tinha lido há mais de 10 anos, o excelente A Solidão dos Números Primos, obra de estreia.

Foi, portanto, com curiosidade que abordei este novo romance de Giordano e não posso dizer que me tenha desiludido, no entanto, pareceu-me longo de mais e com algumas peripécias desnecessárias.

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O livro é narrado por uma mulher, Teresa, o que não deixa de ser curioso. Penso que não é frequente escritores do sexo masculino escolherem para narradores, alguém do sexo feminino.

Teresa é uma jovem que costuma passar férias com o pai e a avó no sul de Itália. É nessa casa de férias que conhece três rapazes que vivem numa espécie de comunidade religiosa. Teresa vai desenvolver uma forte relação com esses rapazes, sobretudo com Bern, com quem chega a casar.

Os membros dessa comunidade vivem em comunidade com a natureza e, com o tempo, alguns deles radicalizam-se e começam a organizar acções de intervenção, a última das quais acaba mal.

Pelo meio, Teresa e Bern enfrentam um problema de infertilidade, recorrendo a serviços de fertilização in vitro na Ucrânia, e esta é uma das peripécias que me pareceram deslocadas no meio de toda esta história.

De qualquer modo, o romance lê-se com interesse e poderia dar um bom filme.

Faleceu o escritor Horace Scott (? – 2020)

Autor de diversos romances, poesia e teatro, desconhece-se a sua verdadeira idade, bem como a causa da morte.

Horace começou muito novo como autor de pequenos textos que publicava no jornal local de Louisville, onde residia com os tios paternos. Eram textos muito toscos, próprios de um adolescente que pouco sabia da vida, embora estivesse convencido de que era dono da verdade.

Nessa altura, Scott afirmava ter 17 anos, mas havia quem dissesse que ele não tinha mais de 13. Os pais haviam morrido num acidente de viação e os tios, que assumiram a sua educação, não gostavam do convívio social e nunca esclareceram esta questão.

Terá sido por volta dos 20-22 anos, que Horace Scott se juntou a uma comunidade hippie. Estávamos em pelos anos 60 do século 20, e, enquanto viveu nessa comunidade, Scott escreveu três romances, todos eles com conteúdo fortemente psicadélico, pelo que é lícito pensar que consumiu drogas, nomeadamente, LSD.

Uma vez, foi visto a urinar para um lago, perto de Woodstock e presume-se que tenha tido relações sexuais com homens e mulheres e até com uma ovelha, a Dolly, principal personagem de um desses três romances.

Farto de cenas psicadélicas, abandonou a comunidade hippy e estabeleceu-se numa pequena vila perto de Santa Mónica, com uma loja de venda e reparação de skates. Enquanto foi gerente dessa loja, teve uma relação muito séria com uma pessoa que nunca foi identificada, mas, segundo dizem, seria um bombeiro transgénero.

Apesar de ter muitos clientes, conseguiu tempo livre para escrever o famoso “…Lonely Winter”, que distribuiu em stencil por clientes e amigos.

Trespassou a loja de skate quando começaram a surgir os primeiros cabelos brancos e partiu para uma viagem í  volta do mundo, sempre í  boleia.

Consigo levou a sua nova companheira, uma bailarina reformada por ter fracturado a tíbia direita no Lago dos Cisnes.

Percorreu todos os continentes, nunca utilizando o avião e parando aqui e ali; em todos os locais que parava, Scott tentava arranjar um emprego temporário, tendo feito quase tudo, desde lavar pratos a vigiar a entrada em discotecas.

A sua volta ao mundo durou sete anos, durante os quais escreveu mais três romances, destacando-se “…Quiet Times”.

Depois de regressar a Santa Mónica, terá ganho uma grande quantia num raspadinha, o que lhe permitiu comprar a sua última moradia, onde acabou por falecer, depois de escorregar na borda da piscina e cair lá dentro.

Não sabia nadar.

Foi encontrado pela actual namorada, uma vendedora de hot dogs com psicose afectiva.

Horace Scott nunca chegou a publicar nenhuma das suas obras.

Invenção perdida

Em 1552, da parte da tarde, Ludwig VonStrauss tinha o problema resolvido.

Pensava ele…

Ludwig podia ser conhecido como engenhocas se, no século 16, esse termo fosse utilizado. Ainda não havia engenheiros, quanto mais engenhocas…

Todos conheciam o seu engenho.

Já fora ele que inventara o pano para secar a loiça.

Nesses tempos, a loiça, depois de lavada (quando era lavada), ficava a secar ao ar. Foi Ludwig que inventou o pano para secar a loiça.

Mas VonStrauss inventou mais coisas: o tapete para limpar o calçado, antes de entrar em casa e até os pequenos panos para limpar os óculos.

Limpeza era com ele.

Naquele dia, no entanto, não era a limpeza que o preocupava, mas como tirar as ervilhas de dentro das vagens.

Ervilhas com ovos, eis o prato favorito de Ludwig e da sua família, mulher e sete filhos.

No quintal da família, o terreno era fértil e as ervilhas cresciam.

Ludwig e a esposa passavam tardes a descascar ervilhas, com dores nas costas garantidas, ao fim de horas de descascanço.

Naquele fim de tarde, enquanto caminhava ao longo das margens do Reno, Ludwig teve uma ideia luminosa, a ideia para uma máquina para descascar ervilhas.

Assim que chegasse a casa, iria tentar construir essa máquina que pouparia, í  sua mulher e a ele próprio, horas de trabalho.

Infelizmente, nada ficou escrito e não sobreviveram testemunhas, capazes de transmitir aos herdeiros, os segredos de tal máquina ““ se é que ela alguma vez existiu.

É por isso que, actualmente, temos de continuar a descascar ervilhas í  mão…

Relatório interestelar

Alimentam-se de modo muito estranho.

Têm uma abertura transversal na parte de cima do corpo, rodeada por duas zonas esponjosas, verdadeiramente nojentas.

Essa abertura dá passagem a uma câmara com duas filas de peças brancas, de consistência dura e uma outra peça esponjosa, igualmente nojenta.

Eles colocam os alimentos nessa abertura e depois imprimem movimentos de cima para baixo, com aquelas peças mais duras, triturando os alimentos e misturando-os com aquilo a que chamam saliva, graças í quela peça esponjosa.

Mas nem todos se alimentam desta maneira.

Verificámos que os elementos mais novos da espécie se alimentam directamente dos mais velhos. Observámos indivíduos muito pequenos a sugarem algo que sai de uma excrescência que alguns indivíduos maiores possuem na zona intermédia dos seus corpos.

Comprovámos, assim, que eles se alimentam de sólidos, mas também de líquidos, sem que isso danifique os seus sistemas, ao contrário do que acontece com a nossa espécie.

Um dos nossos voluntários experimentou um dos alimentos que eles usam e a que chamam vinho e ficou inoperacional.

Já o enviámos para reordenamento.

Outro hábito estranho que presenciámos reside no facto de esta espécie se reunir em determinadas instalações para se alimentar.

Visitámos, dissimulados, locais onde muitos elementos da espécie introduzem alimentos sólidos e líquidos na tal abertura transversal, todos perto uns dos outros, em grandes grupos; quase conseguimos ouvir os ruídos das peças duras a triturar os alimentos.

Chamam restaurantes a esses locais.

Pensamos que este planeta não nos interessa e teremos de encontrar outro para colonizar…

“Trilogia”, de Jon Fosse (2014)

Jon Fosse é um escritor norueguês nascido em 1959 e mais conhecido pelas suas obras para teatro (mais de 30).

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Este Trilogia, como o nome indica, compõe-se de três histórias, que se completam. A primeira, Vigília, foi escrita em 2007, a segunda, Os Sonhos de Olav, em 2012, e a terceira, que “…explica” as outras duas, Fadiga, em 2014.

Os críticos portugueses renderam-se a este norueguês e, tanto os do Expresso, como os do Público, elevaram-no aos píncaros, considerando este livro como o melhor dos que foram editados em 2021.

Não concordo.

Dos 43 livros que li ao longo deste ano, Trilogia não faz parte dos meus preferidos. Gostei muito mais de O País dos Outros, de Leila Slimani, por exemplo, ou de A Anomalia, de Hervé Le Tellier.

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A escrita de Fosse é, talvez, diferente, mas repetitiva, por vezes, maçadora. Na primeira história, dois jovens amantes partem de uma cidade, em busca de um novo local para viver. Ela, Alida, está grávida em fim de tempo e ele, Asle, procura um abrigo para o parto. Claro que a história faz lembrar a lenda dos cristãos. Neste caso, o menino Jesus vai chamar-se Sigvald.

Na segunda história, Asle passa a chamar-se Olav por qualquer razão que me escapou, mas a culpa deve ser minha. O pobre do Olav é condenado í  forca, acusado de ter estrangulado algumas pessoas ““ acontecimentos que também me escaparam.

Na terceira e última história, Alida, já viúva, encontra um homem muito mais velho e acaba por se juntar a ele, levando também o seu filho.

Diz a contracapa do livro que Trilogia é “…uma parábola de inspiração bíblica sobre o amor, o crime, o castigo e redenção.”

Mas de parábolas está o Inferno cheio, diria eu…

Aqui está um pequeno exemplo da linguagem repetitiva de Fosse:

Não tenho vontade de deixar esta casa, diz ela
Mas temos mesmo de fazê-lo, diz Olav
Não podemos ficar mais tempo nesta casa, diz ele
Tens a certeza absoluta disso, diz Alida
Sim, diz ele
Mas porquê, diz ela
Porque sim, diz ele
Não é a nossa casa, diz ele
Mas não mora ali mais ninguém, diz Alida
A mulher que morava aqui vai provavelmente regressar, claro, diz Asle
Mas já passou tanto tempo, diz Alida
Mas há de vir alguém, diz ele
Não é certo, diz ela
Mas a casa é dela, diz ele
Sim, mas como ela não vai regressar, então, diz Alida

Etc…

As vírgulas pontuam, mas não os pontos de interrogação, nem os pontos finais…

E, a meio do texto, Olav passou a ser Asle, como convém…

Enfim, passo…

“Anos de Chumbo e Outros Contos”, de Chico Buarque (2021)

Aqui está um livrinho para terminar o ano de 2021 em beleza; são apenas oito contos, mas encheram-me as medidas.

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Chico Buarque já nos tinha habituado há décadas í s grandes canções e aos respectivos versos que as enriquecem. Em boa hora decidiu dedicar-se í  escrita de uma prosa mais consistente e os seus livros têm sido todos muito recomendáveis.

Este Anos de Chumbo, sendo um livro de contos, é um pouco mais ligeiro que os romances que escreveu; são histórias bem-dispostas e com um humor cínico de que sou fã.

Recomendo vivamente.

Outros livros de Chico Buarque: “O Irmão Alemão”; Essa Gente; Caravanas; Leite Derramado

Como explico isto í s minhas netas?

As minhas netas gostam de histórias de princesas.

Em quase todas as histórias de princesas há uma bruxa má que, quase até ao fim da história, parece levar a melhor. No fim, no entanto, a bruxa é sempre derrotada e a princesa vive, é premiada, fica com o príncipe, é coroada ““ numa palavra, vence!

Nas histórias infantis, o maniqueísmo está sempre presente: a princesa encarna o bem, a bruxa representa o mal.

Por isso, foi com espanto que li que a bruxa Madalena Aroso recebe um ordenado mensal de 15 mil euros, pago pelo Futebol Clube do Porto.

Também conhecida por a Vidente de Matosinhos, Madalena Aroso foi consultada por Pinto da Costa, ao longo dos anos, em busca de previsões dos resultados dos jogos do FCP.

Há coisa de cinco meses, a bruxa passou a ser funcionária do clube ““ e logo com um ordenado igual ao que o Manuel Pinho, alegadamente, recebia do Banco Espírito Santos.

Ora, enquanto o Pinho está em prisão domiciliária, a bruxa está em liberdade!

Como é que eu vou explicar í s minhas netas que, neste caso, a bruxa é que fica a ganhar?!…

“A íšnica História”, de Julian Barnes (2018)

Um livro de Julian Barnes é garantia de uma obra sólida.

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Este The Only Story não foge í  regra, embora, na minha opinião, a história se perca um bocado a meio do livro.

O autor diz-nos que todos temos muitas histórias para contar ao longo da vida, mas que só uma será a verdadeira história que interessa.

No caso, é a história de um rapaz de 19 anos que se apaixona por uma mulher casada de mais de 40 anos. Paul tem 19 anos quando conhece Susan num clube de ténis. Ela é casada, tem duas filhas, mas o casamento já não corre bem há muitos anos, de tal modo que ela e o marido barrigudo dormem em quartos separados.

Paul e Susan apaixonam-se e começam a ter um caso, mesmo nas barbas do marido de Susan.

Esta é a trama da primeira parte do livro e Barnes entretém-nos a contar os episódios que se sucedem, a reacção dos membros do clube de ténis, dos pais de Paul, das filhas de Susan.

Depois, Paul e Susan vão viver juntos e o livro perde-se um pouco. Susan começa a beber, torna-se numa alcoólica, nunca se percebe muito bem porquê (culpa?), e o livro arrasta-se até ao final, na minha modesta opinião.

De qualquer modo, vale a pena a leitura.

Outros livros de Julian Barnes: O Homem do Casaco Vermelho; O Ruído do Tempo; O Sentido do Fim; Arthur & George; Amor & Etc