“Dias Exemplares”, de Michael Cunningham

diasexemplares.jpgDepois de ter lido os outros romances de Cunningham (“Uma Casa no fim do mundo”, 1990; “Sangue do meu sangue”, 1995; e “As Horas”, 1998), confesso que esperava mais deste “Dias Exemplares” (“Specimens Days”, 2005).

O livro está dividido em três partes: “Dentro da máquina”, passado nos finais do século XIX ou princípio do século XX, em plena Era Industrial; “A Cruzada das crianças”, que decorre na actualidade; e “Uma Espécie de beleza”, que se passa num futuro distante, após um qualquer holocausto.

Em comum, estas três histórias têm alguns pontos: todas têm Nova Iorque como cenário, os protagonistas são sempre um homem, uma mulher e um rapaz (embora não o mesmo homem, a mesma mulher e o mesmo rapaz), e os versos de Walt Whitman surgem nos três segmentos, com valor profético.

Qualquer destas três histórias poderia ter dado um bom romance independente. O autor também poderia ter optado por escrever três excelentes “short stories”. No entanto, optou por deixar cada um dos segmentos como que inacabado. Aliás, sobretudo no final da segunda e da terceira partes, fica-se com vontade de continuar a ler, fica-se com vontade de que a história continue.

“Dentro da máquina” foi o segmento que me despertou menos interesse. “A Cruzada das crianças” é uma história muito perturbadora e algo mística. Finalmente, “Uma Espécie de beleza” é um excelente conto de ficção científica, que me fez lembrar algumas coisas que li há muitos anos, na velhinha colecção Argonauta (Ray Bradbury, Philip K. Dick, por exemplo – se calhar, a comparação é blasfema…).

 

Cunningham tem uma escrita muito particular, poética e macia. Parece-me que escreve com ternura. Um exemplo: “Era pequena e bonita, infantil, embora tivesse pelo menos a idade de Catherine. Usava um roupão cor de tangerina. Tinha o aspecto de qualquer coisa que podia ser ganha numa rifa de feira.” Outro exemplo: “A cabeça redonda era demasiado grande para o seu corpo franzino. Assentava sobre os ombros da jaqueta como uma abóbora. Como um desenho da Lua num livro infantil.”

No entanto, repito, esperava mais deste novo livro de Cunningham.

“Cartas de um louco”, de Ted L. Nancy

cartasdeumlouco.jpgNão faço ideia de quem seja este Ted L. Nancy e não me admirava nada que este fosse um pseudónimo de Jerry Seinfeld, que escreve o prefácio deste livro singular, publicado em 1997.

O que é certo é que o tal Nancy escreveu uma série de cartas a hotéis, empresas, a clubes desportivos, universidades, ao vice-presidente dos EUA, ao rei do Tonga e muitas outras entidades, com as sugestões, os pedidos e os agradecimentos mais absurdos que se possam imaginar. E o mais surpreendente, é que recebeu resposta a essas cartas. Por vezes, as respostas ainda parecem mais absurdas que as cartas de Nancy.

Podia dar muitos exemplos, mas um basta, porque as restantes cartas são mais ou menos assim, ou pior:

“Ao balcão de reservas do Pan Pacific Hotel San Francisco:

Gostaria de me hospedar no vosso hotel na noite de 21 de Fevereiro. Porém, tenho um problema de saúde que gostaria de vos explicar.

Eu tenho três pernas. Duas delas são normais e com pés de tamanho normal (tamanho 42) e a terceira está a crescer ao lado da perna esquerda. A terceira perna calça o número 47. Como podem imaginar, é complicado arranjar calçado. Tenho montes de sapatos de tamanho 47 dos quais só poderei calçar uma das peças. E não ulso calções!

Gostaria de saber se posso ser hospedado assim que der entrada no vosso hotel. Haverá quartos disponíveis para o dia 21 de Fevereiro? E poderá um homem de três pernas hospedar-se no vosso hotel durante três dias? Para além disto, preciso de um divã ao lado da cama para conseguir dormir.

Obrigado pela resposta rápida que sei que me vão dar, pois preciso de fazer as minhas reservas o mais depressa possível, sempre ouvi dizer que a Pan Pacific chega a extremos difíceis de imaginar para conseguir receber decentemente pessoas com capacidades especiais, especialmente pessoas com três pernas.”

Perante uma carta como esta, quem responderia? Pois o que acontece é que quase todas as cartas de Nancy têm uma resposta. A esta, por exemplo, respondem-lhe com os preçários dos vários quartos, referindo o tamanho das respectivas camas e informando que todos os quartos possuem um divã. Quer dizer: o facto do candidato a hóspede ter três pernas, não causou qualquer estranheza!

Ele escreve, dizendo que viaja sempre com a sua própria máquina de gelo e pergunta se pode ser hospedado em determinado hotel, fazendo notar que ele mesmo carregará a máquina até ao quarto. Noutra carta, pergunta se pode ficar hospedado num hotel, levando as suas próprias cortinas. Escreve í  Mars, sugerindo novas qualidades de barras de chocolate, absolutamente absurdas. Escreve a uma cadeia de lojas, pedindo que lhe vendam um manequim, que se encontra na montra de uma delas, e que é muito parecido com um vizinho seu, recentemente falecido e era sua intenção oferecer o manequim í  viúva, para minorar a sua perda.

E todos lhe respondem sempre cordialmente, ignorando o facto do teor da carta ser completamente insano!

Não há dúvida que esta é uma grande ideia e, ao acabar de ler este livro, fiquei com uma grande vontade de ir alugar uma caixa postal e começar a enviar cartas semelhantes para algumas entidades portuguesas…

Shave this bush!

bush_tortura.jpg

Afinal, George Bush não permite que os prisioneiros de guerra sejam torturados.

O próprio Pentágono publicou, esta semana, um manual onde se explica, em pormenor, os métodos que podem ser considerados tortura e, portanto, que devem ser banidos.

Que descanso!

Todos nós dormimos mais descansados se soubermos que, em Guantanamo ou seja onde for que a CIA tenha prisões secretas, os eventuais terroristas estão a ser tratados com toda a cortesia: “ora faça lá o favor de nos informar quais eram os planos da vossa célula adormecida? Será que planeavam deitar abaixo a Sears Tower, em Chicago ou a Torre de Belém, em Lisboa? Vá lá, não se faça caro… diga-nos qualquer coisa… Quer mais um pouco de chá e mais um coockie, enquanto pensa se há-de colaborar connosco ou não?”

Segundo Bush, os serviços secretos americanos, em vez da tortura, usam métodos alternativos de interrogatório. Por exemplo: vestem-se de mexicanos e cantam La Cucaracha, em falsete, até o terrorista confessar; ou contam até mil em alemão, gaguejando e com péssima pronúncia e, depois, voltam ao princípio; ou encenam, em frente ao prisioneiro, um espectáculo gay de baixa qualidade, em que um dos interrogadores faz de Bin Laden com cabelo rasta e outro faz de Bush com piercings no escroto.

Claro que os tipos da CIA torturam os prisioneiros! Claro que os transportaram, de avião, de um lado para o outro, fazendo escala em aeroportos portugueses! Claro que a CIA tem prisões secretas noutros países!

Onde está o espanto?

Agora, aparecem aí uns deputados europeus muito escandalizados com isto, como se alguma vez tivessem pensado que os EUA faziam tudo “by the book”.

Tanta falsa ingenuidade “make me sick”.

Luis F… Vieira

Não faço comentários í  transcrição das escutas telefónicas entre o major Valentim Loureiro e o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira.

Não vou dizer que, afinal, LFV também teve uma palavra a dizer na escolha dos árbitros para determinados jogos. Não vou espantar-me por, mais uma vez, as transcrições das escutas, que deviam ser sigilosas, aparecem estampadas nos jornais.

Apenas quero chamar a atenção para o facto do presidente do Benfica ter sido um pouco malcriado.

Exemplo:

“Valentim Loureiro – Eu penso que ou o Lucílio… o António Costa, esse Costa não lhe dá… não lhe dá nenhuma garantia?

Luis Filipe Vieira – A mim?! Foda-se, o António Costa? Foda-se!… Isso é tudo Porto!

VL – E o Proença?

LFV – O Proença também não quero! Ouça, é tudo para nos foder!” 

Não me parece bem que um presidente de um clube de tão alto gabarito use termos destes, ainda por cima, estando ao telefone com uma pessoa tão educada e polida como o major Valentim Loureiro.

Por favor, Sr. Vieira, tenha tento na língua! Imagine que havia crianças a ouvir este telefonema?…

Uma boa ideia do Hospital Sobral Cid

Dois membros do conselho de administração do Hospital Psiquiátrico Sobral Cid, de Coimbra, foram exonerados.

Um dos motivos: o Hospital financiou a Académica de Coimbra.

Acho mal que tenham sido exonerados, se foi só por isso.

Parece-me uma excelente ideia.

Seguindo este exemplo, o Benfica podia passar a ser patrocinado pelo Hospital Miguel Bombarda e o Sporting pelo Hospital Júlio de Matos.

Assim, nas camisolas dos jogadores, em vez daquele incompreensível “Espírito Santo Mantorras”, ou “Espírito Santo Liedson”, poderíamos ver, por exemplo, “Simão Miguel Bombarda” ou “Ricardo Júlio de Matos”.

Digam lá se não tinha mais graça?

Abaixo as baixas!

Os jornais deram conta de uma investigação da Inspecção Geral de Saúde, segundo a qual, mais de metade das baixas médicas que os inspectores analisaram, não seriam justificadas. O ladino Macário Correia, presidente da Câmara de Tavira, veio a público insurgir-se contra este regabofe, contra esta espécie de aliança entre os médicos e os trabalhadores que não querem trabalhar. O especialista Vital Moreira, no seu artigo do Público, criticou o presidente da Ordem dos Médicos, por este ter afirmado que os médicos não são polícias, e propõe que se extinga a Ordem.

Ora bem, como médico, custa-me um pouco escrever sobre este assunto, já que estou directamente e diariamente envolvido nele.

No entanto, quero deixar aqui, apenas, alguns exemplos correntes:

1. Um doente vem í  consulta na quarta-feira, dizendo que tem estado há dois dias com vómitos e diarreia. Ficou de cama na segunda e na terça, porque, diz ele, nem tinha forças para se levantar. Não veio ao médico porque decidiu tratar-se com as mesinhas caseiras, o caldo de galinha, o arroz branco; os vómitos melhoraram, mas continua com diarreia. Que faço? Acredito no que ele me está a dizer e dou-lhe baixa desde segunda-feira, ou não colaboro com o regabofe e passo-lhe, apenas, uma declaração em como ele compareceu na consulta na quarta-feira, sabendo que eles ficará com dois dias de faltas injustificadas?

2. Uma doente refere que tem lombalgias intensas, que mal pode andar, razão pela qual já não vai trabalhar há três dias. Entretanto, foi tomando uns Trifenes e fazendo umas massagens com Reumon gel, mas a coisa não melhora. Observo-a. Custa-lhe fazer extensão e flexão da coluna, que também lhe dói a palpação. Medico-a em conformidade e passo-lhe cinco dias de baixa.

Volta í  consulta no fim da baixa, dizendo que a medicação não está a resultar e que a dor já se reflecte num dos membros inferiores. Prolongo-lhe a baixa, modifico a terapêutica e peço-lhe uma radiografia da coluna lombo-sagrada.

Regressa no fim da nova baixa, dizendo que a radiografia só estará pronta dali a 5 dias e que ainda não está melhor.

Que faço? Prolongo-lhe a baixa ou deixo de colaborar no regabofe?

3. Uma mulher de 80 anos vive sozinha com o filho. Ela recebe a reforma mínima, ele tem um trabalho indiferenciado, ganhando o ordenado mínimo. A velhota sofre um AVC e fica temporariamente acamada. O filho tem que cuidar da mãe, já que não tem mais ninguém. Para isso, terá que ter baixa. Só que a baixa para assistência í  família não é remunerada.

Que faço? Passo-lhe baixa por doença, a ele, para que ele possa cuidar da mãe, enquanto não se consegue arranjar um lar da Segurança Social, ou não colaboro com o regabofe e quero que eles, velhota e filho, se lixem, já que não tenho culpa nenhuma que ele só ganhe o ordenado mínimo?

4. Uma costureira de 55 anos ficou desempregada porque a fábrica foi í  falência. Está no Fundo de Desemprego, onde alguém a informa que o melhor é pedir baixa ao médico, caso contrário, corre o risco de ser chamada para empregada de limpeza ou outro trabalho qualquer pesado, e ela já não pode, porque está cheia de artroses.

Que faço? Colaboro com o regabofe ou mando-a dar uma curva?

Exemplos como estes são quase diários.

Os jornais, os inspectores da IGS, Macário Correia, Vital Moreira e muitos outros, parece que não fazem ideia do país em que vivemos, das situações sociais que, todos os dias, entram nos consultórios dos médicos do Serviço Nacional de Saúde.

Tenho a noção de que alguns dos meus doentes que estão de baixa talvez me estejam a enganar; se calhar, as costas não lhes doem tanto como dizem; se calhar, eles não gostam é de trabalhar; se calhar, aproveitam a baixa para fazer um biscate e arredondar o ordenado.

Se calhar…

Mas, sinceramente, não me sinto capaz de arcar com mais esta responsabilidade. A relação médico-doente é uma relação de confiança mútua e, se o doente me diz que se sente deprimido, que não dorme í  noite, que chora por tudo e por nada, que se sente ansioso, que está sem energia e que não consegue trabalhar, eu não hesito em fazer o diagnóstico de sindroma depressivo e dou-lhe baixa.

Não sei como se resolve este problema. Neste caso, estou sem ideias. Mas tenho a certeza de que não se resolve pedindo ao médico que, sempre que esteja perante um doente que diz que não consegue trabalhar, parta do princípio que o doente o está a enganar.

24 – 4ª série: Jack Bauer rules!

24_4.jpgA série 24 é uma das melhores séries televisivas dos últimos anos. A 5ª série ganhou, este ano, o Emmy para melhor série dramática, Kieffer Sutherland ganhou o prémio para melhor actor e Cassar, para melhor realizador.

Esta 4ª série é vertiginosa: são 24 pequenos filmes de acção e suspense, um para cada hora do dia. E Jack Bauer faz com que James Bond pareça um menino de coro.

Ao longo de 24 horas, o Super-Bauer não dorme, não come, não bebe, não vai í  casa de banho, leva facadas, socos e pontapés, choques eléctricos e golpes de karaté, mas também dá muita porrada e mata que se farta, pior que o Sheltox (quem se lembra do Sheltox?).

Desta vez, a CTU tem que lidar com um super-terrorista, Marwan, que vai despertando sucessivas células adormecidas, começando por raptar o secretário da Defesa e acabando por enviar um míssil com uma ogiva nuclear, em direcção a Los Angeles. Sempre em acção, e sem contemplações, Bauer vai desmontando as várias células terroristas e, simultaneamente, ainda tem tempo para deixar morrer o ex-marido da actual namorada.

Claro que a série é um pouco reaccionária: os bons patriotas americanos contra os maus, mas também há americanos maus, que fazem o jogo dos terroristas, que se infiltram na CTU, e um vice-presidente incompetente e totó. Mas Super-Bauer, com a ajuda do Tony Almeida e do ex-presidente Palmer, dá cabo deles todos.

No fim, injustiça suprema, é acusado de ter assaltado o consulado chinês e vê-se obrigado a fazer o número da morte aparente e, depois, entrar na clandestinidade!

Jack Bauer é o maior!

“Let me introduce my friends” – I’m from Barcelona

frombarcelona.jpg“I’m from Barcelona”, dizia Manoel, o delicioso criado de Fawlty Towers que, com John Cleese, criou uma das melhores parelhas cómicas dos últimos anos.

Foi este o nome escolhido por um grupo de putos noruegueses para uma banda improvável, que interpreta, em inglês, canções pop simples e sem pretensões, alegres e divertidas, na linha de muitas bandas inglesas dos anos 60, como os Kinks, por exemplo.

O renascimento deste tipo de bandas, está na moda (veja-se o exemplo dos Kaiserchiefs e dos Franz Ferdinand).

Ao todo, são mais de vinte, mas um tipo chamado Emanuel Lundgren é que parece ser a alma da coisa. Segundo dizem, usaram “algumas guitarras, um piano, várias precursões, um banjo, uma harmónica, uma melódica, um baixo, um saxofone, um clarinete, uma flauta, alguns sintetizadores, um glockenspiel, um trompete, um velho órgão (ligeiramente desafinado, mas arranjámo-lo í  borla), um ukelele vermelho, maracas, os nossos pés, mãos e vozes”. Tanta ingenuidade, confunde-nos com a parede, como diria Boris Vian.

É verdade que não trazem nada de novo e que, se não existissem, ninguém dava pela falta deles. Mas a vida não é feita só de coisas essenciais. Além disso, são divertidos, a música entra a 100 e sai a 200, sem aleijar e, bem no espírito dos anos 60, mais vale isto que bombardearem o Líbano (esta é um bocado forçada…)

“A História da V”, de Catherine Blackledge

vagina.jpgCatherine Blackledge é doutorada em Ciências e uma conhecida jornalista científica inglesa. Para escrever este livro procedeu a uma investigação exaustiva sobre a vagina, em todas as suas vertentes: histórica, científica, mitológica, antropológica, etc.

Aprendemos muito com este livro. Blackledge não se poupou a esforços para realçar o papel que a vagina tem na nossa vida, chamando a atenção para o facto de esse papel ter sido subalternizado durante séculos, não só devido aos conceitos morais vigentes, liderados por homens, mas também devido a uma certa cegueira científica. Como é possível, por exemplo, que a Ciência tenha deliberadamente ignorado muitos factos sobre a importância da vagina, já detectados pelos Antigos? Neste particular, o papel obscurantista da Igreja é notável.

Penso que vale a pena transcrever algumas passagens deste livro, embora nada disto substitua a sua leitura integral.

Sobre a concepção, por exemplo: o papel determinante da mulher na concepção, melhor, o papel único, já que, para os Antigos, só a mulher estava implicada na concepção.

“O poeta grego Homero revela o quanto os homens ainda esperavam um papel principal na concepção, com a sua descrição de como as éguas são fertilizadas pelo vento. Uma teoria posterior propunha que o ar estava cheio de microscópicos ‘animálculos’ etéreos que, por acaso, o vento ou a corrente de ar penetravam na mulher e a engravidavam. (…) A versão cristã da concepção da Virgem Maria diz que ela foi ‘visitada’ por um Espírito Santo etéreo. Em contraste, os ilhéus das Trobriand contam como Bolutukwa, mãe de Tudava, seu herói lendário, concebeu quando gotas de água penetraram na sua virginal vagina.”

Quer dizer: parece que os homens não tinham nenhum papel na concepção. A importância da mulher na perpetuação da espécie era essencial para os povos antigos.

Sobretudo para certas culturas orientais, a vagina era (e é) sacralizada, em vez de ser demonizada, como acontece no ocidente, sobretudo depois da Idade Média e da Inquisição.

Blackledge coscuvilhou e encontrou coisas curiosas, como a ligação entre chifres, fertilidade e útero. Os médicos sabem que, segundo a anatomia humana, o útero tem cornos. Diz a autora: “a associação entre um homem corneado e chifres prevalece em toda a Europa meridional. Em português (cornudo ou cabrão), em espanhol (cornudo), em catalão (cornut ou cabron), em francês (cocu) e em grego (ketatas), a palavra para a pessoa corneada quer dizer ‘o que foi corneado’ ou ‘aquele que transporta os chifres’. (…) É significativo que esse termo só se aplique a homens, nunca a mulheres”.

A autora procura também decifrar o significado das palavras relacionadas com a vagina.

“Na verdade coí±o é uma palavra tão vulgar em Espanha (embora seja usada como imprecação) que, tal como os ingleses foram chamados de fuckoffs pelos franceses, no Chile e no México, os espanhóis são conhecidos como coí±os. (…)

A dicotomia do significado de cona também é visível noutras regiões da Europa. Em Itália, figa (cona) não é um insulto nem um palavrão. Trata-se, pelo contrário, de uma imprecação bastante comum (depois de cazzo – caralho – talvez seja a mais usada). Figa é a forma falada, e fica, o termo escrito. Che figa! É, de facto, uma expressão brejeira. Pode aplicar-se a pessoas, ‘que pedaço de mulher!’, a objectos – Che festa figa! – ‘que bela festa!’ e a situações, ‘que sorte!’ (…) No entanto, na Alemanha, tal como na Grã-Bretanha, cunt ou fotze são os supremos tabus. Mas fotze é igualmente uma antiga palavra para boca.”

Blackledge dedica muitas páginas ao clítoris e acho muito bem. Pena que muita gente nem sequer saiba muito bem onde fica o clítoris. Mais uma vez, a autora mostra como a Ciência escondeu, durante séculos, as descrições que anatomistas antigos fizeram desse órgão glorioso, como ela lhe chama, e com razão. De tal modo, que até parece que o clítoris só foi descoberto no século 17, quando existem descrições pormenorizadas dessa órgão em escritos antiquíssimos.

Neste particular, entram em acção os puritanos. Blackledge conta como, no final do século 19 e princípio do 20, a clitoridectomia esteve tão na moda, para resolver problemas de histeria e outros. “Kellog, o rei dos flocos de aveia, (…) defendia que se despejasse ‘fenol concentrado no clítoris’, caso as jovens continuassem a satisfazer-se sozinhas”. O que era preciso é que as mulheres não sentissem prazer. O papel das mulheres e da vagina, como simples receptoras do esperma para a concepção, dominou (domina?) o pensamento durante séculos.

São deliciosas, as lendas que a autora conta sobre o clítoris e a vagina, sobretudo as que são contadas em algumas ilhas do Pacífico, no Amazonas e também em ífrica. Só por essas histórias, o livro vale a pena. As histórias da vagina dentada, que comia os pénis,  são muito engraçadas.

O papel da vagina na relação sexual é bem destacado pela autora. Contradizendo a ideologia dominante, de uma vagina passiva, mero receptáculo do esperma, Blackledge explica como a vagina é essencial, por exemplo, na escolha dos espermatozóides mais promissores e como participa activamente na relação sexual. Os exemplos são í s dezenas, das besouras í s macacas. Baseada na teoria evolucionista, a autora mostra-nos como as fêmeas controlam tudo, no que respeita í  perpetuação das espécies.

E dá exemplos deliciosos: “o escritor francês Gustave Flaubert refere-se com entusiasmo aos seus encontros com as prostitutas profissionais exiladas na cidade egípcia de Esneh: ‘a sua cona ordenhava-me como rolos de veludo – eu enloquecia.” Através do mundo, Shilihong era uma profissional de sexo de Xangai famosa pelo seu excepcional controlo dos músculos vaginais. Consta que era capaz de movimentar o pénis do homem para dentro e para fora, simplesmente contraindo e relaxando os seus músculos, movimento que produzia uma sensação de sucção. Diz-se igualmente que a ‘chupeta de Xangai’, de Wallis Simpson, foi um dos motivos pelo qual a Grã-Bretanha perdeu um rei em 1936. Comentava-se que a Sra. Simpson conseguia que um palito de fósforo se sentisse um charuto de Havana”.

Pesquisando a literatura, Blackledge acaba por descobrir que, afinal, também as mulheres têm próstata ou, pelo menos, um tecido semelhante í  próstata, algures na parede ventral da vagina, naquilo a que se convencionou chamar o ponto G – aquele que, estimulado, provocaria, indubitavelmente, o orgasmo da mulher. Afinal, como muita gente já desconfiava, a mulher possui diversos tipos de orgasmos, com o clitoridiano í  cabeça. Sempre baseada em estudos, a autora avança mesmo com algumas ideias revolucionárias, como o facto de existirem semelhanças entre as estruturas tecidulares da tal próstata feminina e do nariz. Por isso, se percebe a importância do cheiro para as relações bem sucedidas. Quando uma mulher diz “este tipo não me cheira”, é natural que a relação não avance…

A importância do orgasmo para a concepção, o facto de os vibradores terem sido um dos primeiros utensílios domésticos a serem electrificados, a moda de os médicos dos finais do século 19 e princípios do século 20, masturbarem as suas pacientes, para as “curarem” das histerias e, simultaneamente, a Ciência condenar a masturbação feminina – tudo isso e muito mais percorre este livro interessantíssimo e que nos fez passar um bom bocado.

Aconselhamo-lo a toda a gente, nomeadamente a colegas de profissão, que, da vagina, só devem ter uma pálida ideia.

Agosto – minha mãe, estive no meu posto!

O malfadado mês de Agosto já lá vai! Já estamos no plácido mês de Setembro, que prepara o caminho para o glorioso mês de Outubro.

Isto é linguagem cifrada, claro.

Há doze anos, pelo menos, que não tiro férias em Agosto. Há doze anos, pelo menos, que Agosto é o mês em que mais trabalho: vejo os meus colegas irem de férias e regressarem de férias, tostados pelo sol, com os ventres mais dilatados e uns quantos quilos a mais e eu, enfezado e pálido, mas, cínico, murmurando: “a vingança serve-se fria… quando começarem as infecções respiratórias, estarei eu de férias e vocês terão que aturar os doentes tossindo, espirrando, projectando vírus em todas as direcções!”

Há doze anos, pelo menos, que aguento estoicamente todo o mês de Agosto, fazendo o meu trabalho e o dos que estão a banhos na Ericeira ou no Algarve.

Costumo dizer que não me importo.

Mas começo a importar-me.

A estaleca já não é a mesma, o poder de encaixe esmoreceu e – caramba! – este mês de Agosto fiz mais de 1200 consultas!

Em Agosto, minha mãe, estive no meu posto, mas confesso que não sei se aguentarei outro Agosto como este!