O autor de As Horas decidiu reescrever alguns contos de fadas e duendes e saiu-se muito bem.
Este Um Cisne Selvagem, com ilustrações de Yuko Shimizu, lê-se de uma penada e sempre com um sorriso nos lábios.
À medida que vamos lendo as histórias, vamos reconhecendo as personagens e os truques de fantasia que conhecemos na infância: a Bela Adormecida, a Bela e o Monstro, as maçãs envenenadas, o feijoeiro mágico, os gigantes, os anões e as bruxas.
São onze pequenos contos, que terminam com um felizes para sempre, como todas as histórias de encantar.
Parece-me que Michael Cunninham perdeu o “magic touch” que o fez ganhar o Pulitzer com o romance As Horas (1998), e que o fez escrever outros dois grandes romances: Sangue do meu Sangue (1995) e Uma Casa no Fim do Mundo (2001).
Este novo romance de Cunningham tem o cenário habitual: uptown Manhattan, personagens ligeiramente marginais, artistas, famílias diferentes.
A história desenrola-se em volta de um compositor (pop? rock? folk? não se percebe…), Tyler, da sua companheira Beth, que sofre de cancro terminal, do seu irmão homossexual Barrett e de alguns amigos. Todos têm muitas dúvidas quanto ao sentido da vida, todos snifam coca, Barrett viu uma luz no céu do Central Park e acha que aquilo é um presságio, Tyler casa-se com Beth um pouco antes dela morrer, mas também se sente atraído por Liza, uma cinquentenária que só namora com rapazes muito mais novos e tudo isto é muito pouco consistente.
Pelos vistos, o êxito dos três primeiros romances não foram um bom augúrio.
Michael Cunningham tornou-se um dos meus escritores contemporâneos preferidos, graças a “Uma Casa no Fim do Mundo” (1990), “Laços de Sangue” (1995), “As Horas” (1998) e “Dias Exemplares” (2005).
No entanto, este “Ao Cair da Noite” desiludiu-me um pouco.
A acção decorre em Manhattan e a história é muito “classe média-alta-intelectual-nova iorquina”, como se fosse um filme do Woody Allen dos anos 80, mas sem as piadas.
Peter Harris é dono de uma galeria de arte e a mulher, Rebecca, é directora de uma revista de arte. No final do dia, o casal quarentão encontra-se no seu confortável apartamento e bebe um copo de vinho tinto, antes de encomendar o jantar tailandês ou indiano.
Tudo parece correr quando o irmão mas novo de Rebecca vem instalar-se no apartamento e, certo dia, Peter o vê, todo nu, com o seu corpo magro e musculado de ainda quase adolescente.
A partir daí, Peter vai começar a duvidar da sua sexualidade. Perplexo, pergunta-se a si próprio como é possível ter tido sempre comportamentos heterossexuais e, agora, de repente, sentir-se atraído por uma pessoa do mesmo sexo, ainda por cima, irmão da sua esposa.
Revê o seu passado e começa a encontrar indícios de anteriores impulsos que terão sido reprimidos. Recorda a história trágica do seu irmão mais velho, homossexual, e que morreu com sida.
A segunda metade do livro é toda preenchida com esta luta interior de Peter e com jogos de sedução entre ele e o irmão de Rebecca.
No entanto, nada acontece, para além de um beijo…
Confesso que a história não me tocou, como as dos anteriores romances de Cunningham. Claro que ele não sabe escrever mal, e a história deste “By the Nightfall” está bem contada, mas não chegou para me emocionar.
Depois de ter lido os outros romances de Cunningham (“Uma Casa no fim do mundo”, 1990; “Sangue do meu sangue”, 1995; e “As Horas”, 1998), confesso que esperava mais deste “Dias Exemplares” (“Specimens Days”, 2005).
O livro está dividido em três partes: “Dentro da máquina”, passado nos finais do século XIX ou princípio do século XX, em plena Era Industrial; “A Cruzada das crianças”, que decorre na actualidade; e “Uma Espécie de beleza”, que se passa num futuro distante, após um qualquer holocausto.
Em comum, estas três histórias têm alguns pontos: todas têm Nova Iorque como cenário, os protagonistas são sempre um homem, uma mulher e um rapaz (embora não o mesmo homem, a mesma mulher e o mesmo rapaz), e os versos de Walt Whitman surgem nos três segmentos, com valor profético.
Qualquer destas três histórias poderia ter dado um bom romance independente. O autor também poderia ter optado por escrever três excelentes “short stories”. No entanto, optou por deixar cada um dos segmentos como que inacabado. Aliás, sobretudo no final da segunda e da terceira partes, fica-se com vontade de continuar a ler, fica-se com vontade de que a história continue.
“Dentro da máquina” foi o segmento que me despertou menos interesse. “A Cruzada das crianças” é uma história muito perturbadora e algo mística. Finalmente, “Uma Espécie de beleza” é um excelente conto de ficção científica, que me fez lembrar algumas coisas que li há muitos anos, na velhinha colecção Argonauta (Ray Bradbury, Philip K. Dick, por exemplo – se calhar, a comparação é blasfema…).
Cunningham tem uma escrita muito particular, poética e macia. Parece-me que escreve com ternura. Um exemplo: “Era pequena e bonita, infantil, embora tivesse pelo menos a idade de Catherine. Usava um roupão cor de tangerina. Tinha o aspecto de qualquer coisa que podia ser ganha numa rifa de feira.” Outro exemplo: “A cabeça redonda era demasiado grande para o seu corpo franzino. Assentava sobre os ombros da jaqueta como uma abóbora. Como um desenho da Lua num livro infantil.”
No entanto, repito, esperava mais deste novo livro de Cunningham.