A vaca, o burro e o Papa

A um mês do Natal, o Papa Ratzinger lança o livro “A Infância de Jesus”, em nove línguas e em cinquenta países.

Não tenciono comprar.

Muito menos ler.

No entanto, chamou-me a atenção o destaque que o Diário de Notícias dá ao acontecimento, enchendo uma página com um texto mais ou menos hermético sobre o livro.

Tão hermético que contém frases absolutamente incompreensíveis, como esta: «apesar de falar de um menino e da sua infância, está cheio de questões teológicas e difíceis de empreender».

Um livro sobre a infância de Jesus está cheio de questões teológicas? Que disparate!

E, ainda por cima, coisas “difíceis de empreender”! Empreender o quê?

Mas o mais importante de tudo isto é que o Papa determina que a vaca e o burro se mantenham no presépio, apesar de acreditar que eles não estiveram lá (onde?).

De facto – e segundo a notícia – «o teólogo Ratzinger lembra que os evangelhos não falam de animais mas explica que a iconografia cristã preencheu esse espaço com as figuras do burro e da vaca, que são popularmente ali representadas.»

E o Papa determina: «nenhuma representação do presépio renunciará í  vaca e ao burro».

Mais nada!

Podia ser um gorila e uma zebra, ou um caracol e uma mosca, ou um morcego e uma tartaruga, mas o povo escolheu um burro e uma vaca e, apesar de não terem existido, é imperioso que se mantenham no presépio.

Faz-me lembrar a história do homem que estava a fazer o gesto de atirar alguma coisa para o chão. Quando lhe perguntaram o que fazia, disse estar a dar milho aos pombos. Milho? Mas não vejo nenhum milho, disseram. Pois não, respondeu o homem – também não há aqui nenhum pombo!…

“Diário de Inverno”, de Paul Auster (2011)

Para quem nunca leu nenhum livro de Paul Auster, este não é o melhor para começar.

Trata-se de um livro intimista, talvez demasiado intimista para quem não conheça este escritor norte-americano.

—Para quem, como eu, o conheço de ginjeira, tendo lido todos os seus livros, este pequeno livrinho foi uma maneira de me reconciliar com Auster, depois da semi-desilusão que foi Sunset Park (2010).

Em Winter Journal, Auster fala consigo mesmo e vai recordando episódios da sua vida, desde a infância (problemática, pelos vistos), até aos dias de hoje.

Mais em jeito de autobiografia do que de diário, Auster conta episódios divertidos, momento de angústia, acidentes de automóvel, quedas, encontros amorosos, cenas de pancadaria, viagens, refeições e tudo com muita simplicidade; í s tantas, parece que estamos a ouvir um amigo a contar-nos a sua vida.

E Auster vai ao pormenor de nos contar coisas tão comezinhas como daquela vez que estava muito aflito para urinar e não tinha onde nem como, porque ia no banco de trás do carro da família, com a mãe ao volante e ela já tinha dito que não ia parar por causa da sua urgência urinária. E foi assim, que Auster, já com 15 anos, ouviu a sua mãe ordenar-lhe que se mijasse pelas pernas abaixo. A propósito deste episódio, o escritor lembra as últimas palavras proferidas pelo pai de um seu amigo: «Lembra-te, Charlie! – disse – nunca percas uma oportunidade de mijar!».

É a narração deste e de outros episódios, simples e corriqueiros, que tornam este pequeno e honesto livro, uma obra indispensável para quem gosta de Paul Auster.

Netanyahu telefona a Passos?

Notícia do Expresso on line:

“Netanyahu telefona a Passos para justificar ofensiva de Israel”.
Fiquei preocupado.
Será que o primeiro-ministro israelita estava com medo que Passos Coelho apoiasse o Hamas?
Será que nós ainda vamos ter que pagar mais algum imposto pelo apoio de Passos a Israel?
Fui ler a notícia, que dizia:

«O primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, recebeu hoje um telefonema do seu homólogo israelita, Benjamin Netanyahu, sobre a ofensiva que Israel está a levar a cabo, desde quarta-feira, contra a Faixa de Gaza.

Na sua página oficial do Facebook, Netanyahu revela o telefonema adiantando que comunicou a Passos Coelho que “nenhum país do mundo pode tolerar que a sua população viva sob a ameaça constante de mísseis”.»

Fiquei surpreendido.

Então Netanyahu precisa assim tanto do acordo de Passos para mandar palestinianos pelos ares?

Fui í  página de Benjamin Netanyahu, no Facebook e li o seguinte, postado ontem:

«I talked today with German Chancellor Angela Merkel, Italian Prime Minister Mario Monti, the Greek Prime Minister Antonis Samaras and the Prime Minister of the Czech Republic Petr Nečas,. In the course of conversation with Chancellor Merkel I said that no country in the world would have agreed to a situation where its population lives under the perpetual threat of missiles

Last night I talked with the President of the United States Barack Obama for the second time since operation Pillar of Defense began.»

Pareceu-me adequado.

O primeiro-ministro israelita falou com Barak Obama, Angela Merkel, Mario Monti, Antoni Samaras e Petr Necas, por esta ordem e disse-lhes que “nenhum país no mundo pode concordar com uma situação em que a sua população viva sob a perpétua ameaça de mísseis”.

Mas espera lá… isto é o que o Expresso disse que Netanyhu disse a Passos…

Procurei melhor na página do primeiro-ministro israelita e lá está mais um post, de hoje mesmo:

«Today as well,I will continue to speak with world leaders. I appreciate the understanding that they are showing for Israel’s right to defend itself. In my talks with the leaders, I emphasize the effort Israel is making to avoid hitting civilians, and this at a time when Hamas and the [other] terrorist organizations are making every effort to hit civilian targets in Israel. »

Nem uma referência ao Passos Coelho, caramba!

Estes israelitas são uns ingratos!

O que o nosso governo os tem apoiado, toda a política externa desenvolvida pelo nosso querido ministro dos Estrangeiros, o chorudo apoio financeiro ao esforço de guerra e, depois, nem uma palavrinha!

O gajo fala no presidente americano, na chanceler alemãs, nos primeiro-ministros da Itália, da Grécia e da República Checa – até um checo chamado Necas! – e nada sobre o nosso Pedro Passos Coelho!

Não percebo é como é que o Expresso diz que o Netanyahu se refere ao Passos no Facebook e, afinal, não está lá nada!

Das duas uma: ou o jornalista do Expresso não foi ao Facebook confirmar, ou acreditou naquilo que o gabinete do Passos lhe transmitiu.

De qualquer forma, de certeza que o Passos apoiou a ofensiva das tropas israelitas, caso contrário elas nunca teriam avançado, não acham?…

Por que não te calas, Coelho?

Passos Coelho devia ser aconselhado a estar calado.

Sempre que abre a boca, diz uma asneira.

E nos últimos dias, abriu a boca muitas vezes.

Vejamos:

– “O essencial é que a recuperação do emprego está intimamente relacionada com a recuperação da economia. Não são os Governos que criam empregos, toda a gente sabe isso. São as empresas que geram oportunidades de emprego na medida em que possam ter oportunidades de crescer também”. (15 de Novembro)

Portanto, o facto de termos a mais alta taxa de desemprego de sempre, não tem nada a ver com o Governo, porque não é o Governo que cria empregos, embora se tenha esforçado bastante, tendo contratado mais de um milhar de colaboradores que até tiveram direito aos subsídios de natal e de férias, ao contrário de todos os outros funcionários públicos…

– “Este (direito í  greve) deve ser exercido com moderação para não criar um resultado mais penalizador para a economia”. (14 de Novembro)

O que será exercer o direito í  greve com moderação? Fazer greve só de manhã? Fazer greve í s escondidas? Fazer greve uma hora por dia?

– “Se a opinião do Governo fosse a de que era necessário renegociar o memorando isso significaria um falhanço do nosso processo de ajustamento”. (12 de Novembro)

Portanto, para não reconhecer o seu falhanço, o Governo não quer renegociar o memorando.

Acreditem, Passos Coelho está cada vez mais parecido com o Santana Lopes…

Merkel e a teoria dos 50%

Angela Merkel disse hoje, em Lisboa:

Â«É preciso declarar, sim, que acreditamos naquilo que dizemos. Não podemos ter dúvidas: 50% da política económica é psicologia».

Com esta pequena frase, a chanceler mostrou-nos como Freud continua a influenciar o pensamento alemão.

A crise está dentro de nós.

O desemprego, as falências, os cortes nos salários, os cortes nos subsídios e nas pensões, os aumentos de impostos – todas as medidas que fazem parte desta política de austeridade são, em grande parte, um estado de espírito.

É tudo uma questão psicológica.

Só estás meio desempregado, só estás meio enrascado, só estás meio aflito – o resto, a outra metade, é psicológico.

Obrigado, Angela!

Jonet, o BAF e o bife

Eu sou do tempo em que as famílias mais abastadas tinham o seu pobre de estimação.

Eram para ele os restos do almoço, uma ou outra iguaria sobrante e dois tostões para o pão.

Chamava-se esmola.

Aos outros pobres, batia-se com a porta na cara.

Fossem trabalhar, que tinham bom corpo!

Com o advento do Estado Social, passámos a descontar para os pobres.

É mais asseado.

A pouco e pouco, os pobres deixaram de viver em barracas e, subsídio a subsídio, muitos deles até têm telemóvel e computador e grandes carros í  porta.

Felizmente, veio a crise e com ela, os pobres estão a voltar a ser pobrezinhos.

Neste cenário, o Banco Alimentar contra a Fome (BAF), tem um papel cada vez mais importante.

Podemos voltar a ter muitos pobrezinhos, mas não podemos regressar ao passado!

Isso de cada família mais abastada ter o seu pobrezinho de estimação está ultrapassado.

Não só porque os pobrezinhos são muitos, mas também porque cada vez há menos famílias abastadas…

Por isso, a caridadezinha tem que ser organizada.

—E  é aqui que entra o BAF.

A presidente do BAF, Isabel Jonet, não tem mãos a medir e fez questão de vaticinar que vamos, todos, empobrecer nos próximo tempos.

Ela própria dá o exemplo, não estoirando dinheiro no cabeleireiro.

E disse mesmo que “se não há dinheiro para comer bifes todos os dias, então não comemos bifes todos os dias”.

Os vegetarianos aplaudiram.

E até eu, que não sou vegetariano, estou de acordo com a Dona Jonet – í  medida que vou envelhecendo, cada vez gosto menos de bife.

Mas será que os pobrezinhos não têm direito a comer mais bife, por-amor-de-deus?

Sugiro í  Dona Jonet que, no próximo peditório do BAF, arranje uns sacos térmicos para os voluntários distribuírem, í  entrada dos supermercados.

Assim, nós podemos colocar as bolachas e o esparguete no saco habitual e dois ou três bifes da vazia no saco térmico.

Os pobrezinhos vão ficar tão contentes!…

Marques Mentes

Nunca vejo os comentário de Marques Mendes.

Não lhe reconheço know-how para se armar em comentador político.

Sempre me fez lembrar o sr. Lionel, o simpático merceeiro da minha rua – sem desprimor para este último.

Esta gente tem sempre opinião sobre tudo.

Se rebenta um cano na rua, se as laranjas andam azedas, se o seleccionador escolhe o Hugo Viana em vez do Ruben Micael, se a televisão não dá nada de jeito, se o Vitor Gaspar aumenta os impostos, se Barak Obama não é tão preto como parecia í  primeira vista – eles têm sempre uma sentença para dar.

E portanto, embora nunca veja os comentário do Mendes, acabo por ter conhecimento deles através dos jornais, que fazem essa coisa fantástica que é comentar os comentários dos comentadores!

Mendes disse que  a próxima visita de Angela Merkel é “a visita da chanceler de um país amigo, de um líder da União Europeia e uma oportunidade para Angela Merkel conhecer melhor Portugal e até de ouvir as queixas dos portugueses”.

Fiquei perplexo!

Então a Merkel vem aqui, ao Monte de Caparica, ouvir as queixas da malta do Picapau Amarelo, da malta que perdeu o subsídio de desemprego ou o rendimento de inserção, dos diabéticos que deixaram de estar isentos, dos doentes dependentes que passaram a pagar 10 euros por um domicílio médico?

É Mendes, tu mentes!

A Merkel vai directa do aeroporto para a sala onde estarão reunidos os grandes economistas portugueses que foram incapazes de prever a crise que estava para vir, incluindo tu, que já foste do governo e que – tão visionário que és – não conseguiste vislumbrar a merda que vinha a caminho.

Claro que, depois de ela nos cair em cima, é fácil apontar os erros.

Disseste tu, pelos vistos, que António José Seguro é um “político de plástico”.

Olha, pá: eu não gosto do Seguro, acho, de facto, que o tipo é um pouco postiço. Mas se o gajo é um político de plástico, tu és de plasticina.

Merecias que te fizessem o que os meus netos fazemÂ í  plasticina: bolinhas.

Pequeninas…

Muito pequeninas…

“Kafka í  Beira-Mar”, de Haruki Murakami (2002)

Afinal, Murakami não me convenceu.

—Depois de ter lido a colectânea de contos A Rapariga Que Inventou Um Sonho, fiquei curioso em relação a este autor japonês tão na moda; os livros dele vendem-se aos milhões e fala-se dele para Prémio Nobel.

Mas…

Mas este Kafka í  Beira-Mar começou por me agarrar e acabou por me enfastiar.

O romance conta duas histórias principais: a de Kafka Tamura, um jovem de 15 anos que foge de casa, onde vive com o pai e a do velho Nakata que, quando jovem, foi vítima de um acidente provocado por um OVNI (?), tendo ficado um pouco tolo mas capaz de falar com gatos.

Kafka vai ter a uma localidade com uma biblioteca privada, dirigida por um trangénero, de nome Oshima e cuja proprietária, uma senhora de cerca de 50 anos, talvez seja a mãe desaparecida de Kafka. Nunca o saberemos e isso seria importante porque eles acabam por dar umas quecas, quanto mais não seja imaginárias (para já não falar numa outra personagem, que poderá ser a irmã mais velha de Kafka, e com quem ele também vai para a cama).

Entretanto, Nakata mata o pai de Kafka, um arquitecto pérfido que matava gatos para fazer flautas e que talvez se chamasse Jack Daniels, como o whisky… e parte em busca de uma Pedra de Entrada, com a ajuda de um camionista bronco. A certa altura, somos levados a pensar que Kafka é que matou o pai e foi para a cama com a irmã e, depois, com a mãe, o que seria o delírio de qualquer freudiano de pacotilha…

Depois de muitas peripécias, que envolvem um coronel Saunders que é igual ao velhote do Kentucky Fried Chicken, uma prostituta que cita filósofos e outras cenas, Nakata e o camionista vão ter í  cidade onde está Kafka, encontram-se com a suposta mãe do rapaz e, a seu pedido, queimam-lhe todas as recordações, após o que ela falece. Nakata morre também e o camionista fica com a incumbência de matar uma coisa horrível que sai de dentro do velhote e, ao mesmo tempo, começa a conseguir falar com gatos.

Entretanto, Kafka foi para a montanha, interna-se na floresta, encontra-se com dois soldados da 2ª Guerra Mundial que continuam parados no tempo e vai ter a uma pequena localidade onde o tempo não tem importância. É lá que reencontra aquela que talvez seja a sua mãe.

E chega.

Se quiserem saber mais, leiam o calhamaço.

Para mim, chega!

Confesso que fui avançando no livro com curiosidade. Murakami tem uma escrita fluida e fácil, que nos prende. No entanto, a partir de uma certa altura, a coisa começou a parecer-me demasiado disparatada.

Não sei se terei pachorra para ler outro livro de Murakami…