“Os Homens que Odeiam as Mulheres”, de Stieg Larsson

millenium1A história é conhecida: Stieg Larsson foi jornalista e editor da revista sueca Expo. Morreu subitamente, em 2004, com 50 anos, pouco depois de entregar para publicação a trilogia “Millenium”.

Larsson não assistiu, portanto, ao êxito instantaneo destes seus três calhamaços, que nos contam as aventuras do super-jornalista da revista Millemiun, Mikael Blomkvist e da hacker associal, Lisbeth Salander.

Neste primeiro volume, Blomkvist e Salander resolvem o caso do desaparecimento de Harriet, uma descendente da poderosa família Vanger, desaparecida há 30 anos.

A escrita de Larsson é escorreita, a história está bem contada e esta é a leitura indicada para o tempo de férias.

Só é pena eu não estar de férias…

“A Vida e as Aventuras do Rapaz Relâmpago”, de Bill Bryson

rapazrelampagoÉ sempre um prazer ler um livro de Bill Bryson.

Embora seja mais conhecido pelos seus livros de viagens, Bryson escreve sobre quase tudo – aliás tem um livro chamado “Breve História de Quase Tudo”.

E escreve sempre de um modo muito divertido.

Este livro aborda a América da década de 50, do século passado, a década da prosperidade norte-americana e, também, a década em que Bill Bryson, nascido em 1951, cresceu.

Os pais de Bryson eram jornalistas no Register de Des Moines, no Iowa – o pai, jornalista desportivo, a mãe, de temas femininos e, pelos vistos, a infância do futuro escritor foi feliz e despreocupada.

No livro, Bryson relembra esses tempos, sempre com muitos e curiosos pormenores estatísticos.

Na década de 50, na América “éramos felizes e indestrutíveis. Não precisávamos de cintos de segurança, de airbags, de detectores de fumos, de água engarrafada, nem da manobra de Hemlich. Não eram necessárias tampas í  prova de crianças nos medicamentos. Passeávamos sem capacete quando andávamos de bicicleta, e sem joalheiras e cotoveleiras quando andávamos de skate. Sabíamos, sem que precisassem de nos lembrar por escrito, que a lixívia não era um refresco e que, quando exposta a um fósforo, a gasolina tendia a entrar em combustão. Não nos precisávamos de preocupar com aquilo que comíamos, pois quase todos os alimentos eram benéficos: o açúcar dava-nos energia, a carne vermelha tornava-nos fortes, o gelado proporcionava-nos ossos saudáveis, o café mantinha-nos alerta e produtivos”.

Tempos felizes, esses, onde até o tabaco era aconselhado pelos médicos…

Mas também existiam modas irritantes, como o aeromodelismo (e só a malta com mais de 50 anos, sabe do que estou a falar). “O modelismo tinha fama de ser muitíssimo divertido mas, na verdade, não passava de uma provação misteriosa que tínhamos de enfrentar de tempos a tempos, como parte do processo de juventude. Os modelos pareciam sempre divertidos, é verdade. As ilustrações nas caixas representavam aviões de combate de um pormenor maravilhoso (…). Mas, quando chegávamos a casa e abríamos a caixa, o conteúdo revelava ser de um cinzento-chumbo, ou de um verde-azeitona uniforme, consistindo talvez em sessenta mil partes minúsculas, algumas pouco maiores do que um protão, todas ligadas de uma qualquer forma orgânica e inseparável a varetas de plástico semelhantes a palitos de coquetel. Os tubos de cola, em contraste, eram enormes, do tamanho de seringas de pasteleiro. Por muito pouca força que se empregasse, vomitavam sempre pelo menos meio litro de uma gosma viscosa transparente cujo único instinto era aderir a qualquer objecto estranho – um dedo humano, os cortinados da sala, o pêlo de um animal de passagem – e transformar-se num fio infinitamente comprido.”

Tantas vezes que isto me aconteceu, no início da minha adolescência, até desistir, definitivamente de construir modelos de aviões, ou barcos, ou automóveis.

Bryson é dois anos mais velho do que eu, e enfrentou a possibilidade de ir para guerra do Vietnam um pouco antes de eu enfrentar a possibilidade de ir para a guerra colonial. Em ambos os casos, o que nos safou foi estudar.

Diz ele: “Em 1968, um quarto dos jovens americanos estava nas forças armadas. Quase todos os outros frequentavam a escola, estavam na prisão ou eram o George W. Bush”.

Impagável, este Bryson!

“Slam”, de Nick Hornby

slamNick Horny (nascido em Inglaterra, em 1957), escreveu um livro muito divertido. Chama-se “Alta Fidelidade”, foi publicado em 1995, adaptado ao cinema em 2000, com Stephen Frears a realizar e John Cusack a protagonizar.

E isto chegava, como currículo de Hornby porque, todos os restantes livros que escreveu são versões de “High Fidelity”.

“Era Uma Vez Um Rapaz”, (“About a Boy”, 1998, adaptado ao cinema, com realização de Chris Weitz e protagonizado por Hugh Grant), “Como Ser Bom” (“How to be Good”, 2001), “Um Grande Salto” (“A Long Way Down”, 2005), e este “Slam” (2007), são todos muito parecidos com o primeiro êxito de Hornby.

Antes, já tinha publicado “Febre no Estádio” (“Fever Pitch”, 1992, também adaptado ao cinema, num filme obscuro realizado por David Evans e protagonizado por Colin Firth), mas foi “High Fidelity” que deu o mote para os restantes livros.

“Slam” tem como tema a gravidez na adolescência. A Grã Bretanha é o país da Europa com a mais alta taxa de gravidez antes dos 18 anos e Hornby dá voz a um puto de 15 anos, Sam, que engravida a namorada e que, de repente, se vê a braços com a responsabilidade de um filho.

Mais um livro divertido, fácil de ler, mas que não deixa marca nenhuma.

“As Benevolentes”, de Jonathan Littell

benevolentesDemorei quase um ano a ler este calhamaço de 884 páginas. A letra  é miudinha, quase não há parágrafos e os diálogos são todos corridos – caso contrário, o livro ultrapassaria, facilmente, o milhar de páginas.

Fui-o o lendo em doses pequenas, em voz alta, para amenizar a densidade da coisa.

Littell tem apenas 42 anos e este é o seu primeiro grande romance. Com ele ganhou o Prémio Goncourt e o Grande Prémio do Romance da Academia Francesa de 2006. Embora seja nova-iorquino, escreveu-o em francês e, em França, teve um sucesso estrondoso, o que já não aconteceu nos EUA.

A acção de “As Benevolentes” decorre na 2ª Grande Guerra e o narrador é um nazi SS, convicto, Max Aue, que nos vai descrevendo as maiores atrocidades cometidas pelo Reich, com uma amoralidade difícil de engolir.

Aue, ele próprio, é uma personagem bizarra, amoral: de origem francesa, Aue abandona a família para ingressar na SS porque é um nazi convicto; a sua sexualidade é, no mínimo, estranha – só tem relações com homens, mas está apaixonado pela sua irmã gémea, com quem teve uma relação incestuosa na adolescência; as mulheres, em geral, causam-lhe repugnância, no entanto, sente uma atracção sexual muito intensa pela irmã e deseja-a ardentemente.

Aue atravessa a guerra, convencido dos valores preconizados por Hitler e vai sempre em frente, sem hesitações, passando pelos campos de concentração e seus horrores, por Estalinegrado e a sua mortandade, e sempre com aquela sensação de que está a cumprir um dever mas, ao mesmo tempo, sem qualquer moral, no fundo, sem qualquer respeito pela vida humana, a não ser a sua própria sobrevivência.

A certa altura, parece estar chocado com o modo como os prisioneiros são tratados, parece revoltar-se pelo facto de estarem subnutridos e andrajosos e de terem uma esperança de vida muito curta. Mas, no fundo, o que Aue pretende é que os prisioneiros durem mais uns meses, de modo a poderem trabalhar para o Reich, nas fábricas de armamento.

Aue sobrevive aos bombardeamentos, í  frente de batalha, a todas as agruras de uma grande guerra e í s suas próprias guerras interiores, acabando por assassinar o padrasto, a mãe e o seu maior amigo.

Por vezes, o livro é difícil de ler, com tantas descrições minuciosas das discussões entre os vários oficiais alemães – até parece que o autor está a escrever as suas memórias, como se tivesse privado de perto com Himmler, ou Eichmann, ou Goebbels.

Penso que Littell conseguiria o seu objectivo com metade das páginas. Por outro lado, o facto do livro ser tão extenso confere-lhe verosimilhança.

No final, ficamos com um sabor amargo na boca e com vontade de ir ler outro livro que nos fale de coisas mais agradáveis…

“Fome”, de Knut Hamsun

fomeKnut Hamson (1859-1953), escritor norueguês, prémio Nobel da Literatura de 1920, é idolatrado por alguns colegas.

Thomas Mann disse que “Hamsun é o maior escritor de sempre”. André Gide disse que ele “apenas é comparável a Dostoievski, mas talvez mais subtil”. Paul Auster escreveu o prefácio desta edição da Cavalo de Ferro.

Segundo o The New Yorker, este primeiro romance de Hamson “é um romance intemporal que influenciou autores como Kafka e Henry Miller”.

Com efeito, “Fome” não parece um livro escrito no final do século 19. O romance não tem história, não tem personagens, a não ser o narrador, praticamente não tem acção. É, de facto, um livro onde não se passa nada, e isso deve ter sido muito inovador, em 1890.

Em “Fome”, um escritor deambula pela cidade, cheio de fome. Não tem ocupação, não tem dinheiro e tem mesmo muita fome. Está dias seguidos sem comer nada. Alucina. Apesar disso, escreve. De vez em quando, consegue vender um dos seus artigos, mas rapidamente gasta o pouco dinheiro que recebe em troca.

E é com este material, aparentemente parco, que Hamsun constrói toda a narrativa de coisa nenhuma.

“O Fantasma Sai de Cena”, de Philip Roth

fantasmasaidecenaPublicado em 2007, “Exit Ghost” é mais um livro em que Roth usa o seu alter ego, Nathan Zuckerman como personagem central.

Zuckerman está velho e doente. Tem 71 anos, foi prostatectomizado por cancro há 11 anos e ficou impotente e incontinente.

Deixou Nova Iorque e o convívio com as pessoas e refugiou-se num local ermo da Nova Inglaterra, sem televisão, sem jornais, sem computador, sem telemóvel, dedicando-se, apenas í  escrita.

Agora, no entanto, Zuckerman volta a Nova Iorque para experimentar um novo tratamento que talvez lhe melhore a incontinência e essa perspectiva dá-lhe novo alento.

Num jornal, encontra um anúncio que parece publicado para ele: um casal de jovens escritores pretendem trocar o seu apartamento na cidade por uma casa no campo, por um período de um ano.

Zuckerman decide responder ao anúncio e apaixona-se platonicamente pela jovem escritora, começando a elaborar fantasias sexuais com ela.

Esta é a história básica do livro, embora existam outras sub-histórias. Com a mestria habitual, Roth põe a nu a tragédia da velhice, da doença, da perda da virilidade, da perda do controlo dos esfíncteres.

Uma citação curiosa. Zuckerman regressa a Nova Iorque 11 aos depois e o que o surpreende mais?

“Que me surpreendeu mais nos primeiros dias de deambulação pela cidade? A coisa mais óbvia – os telemóveis. (…) Que tinha acontecido nestes dez anos para que de repente houvesse tanto para dizer – tanto e tão urgente que não pudesse esperar para ser dito?”

“A Solidão dos Números Primos”, de Paolo Giordano

solidaoUm “pequeno” grande livro, este livro de estreia de Paolo Giordano, escritor italiano de apenas 26 anos.

De uma forma simples e depurada, conta-nos a história de Mattia e de Alice, dois jovens com muito pouco jeito para relações afectivas, que talvez se amem, talvez se desejem, mas que têm dificuldade em percebê-lo.

Ele é uma espécie de sobredotado que, na infância, abandonou a irmã gémea, autista.

Ela é bulímica e, na infância, o pai quis fazer dela uma super-esquiadora, até í  queda que a deixou aleijada.

A história vai avançando com pequenos capítulos, desde 1983 a 2007, contando-nos apenas o essencial e deixando-nos imaginar o resto.

Vale a pena ler e ficamos í  espera do próximo livro.

“O Animal Moribundo”, de Philip Roth

animalmoribundoPhilip Roth é, neste momento, um dos meus escritores favoritos.

Entrei em contacto com ele no ano 2000, com “Teatro de Sabbath”, de 1995. Fiquei fascinado pelo vigor e crueza da escrita torrencial.

Depois desse, já li muitos dos seus livros: “A Mancha Humana” (2000), “Todo-o-Mundo” (2006), “A Conspiração Contra a América” (2004), “Pastoral Americana” (1997), “Casei Com Um Comunista” (1998) e “Património” (1991) .

“O Animal Moribundo” é um pequeno livro, com pouco mais de 100 páginas, em que um professor e crítico de arte de quase 70 anos, narra as suas aventuras sexuais com algumas das  suas alunas, que se sentem atraídas pela maturidade e pela cultura do professor.

David Kepesh, assim se chama o narrador, conta, sobretudo a sua relação com Consuella Castillo, uma jovem cubana, com quem manteve maratonas sexuais quando ela tinha pouco mais de 20 anos e ele já tinha ultrapassado os 60.

Agora, que ela tem 32 anos e ele já está nos 70, e depois de já não se verem há vários anos, Consuella vem ter com o antigo amante. Tem um cancro da mama, está a fazer quimioterapia, perdeu o cabelo, quer ajuda para enfrentar o fim e vai procurá-la junto de quem, naturalmente, está mais perto da morte.

O erotismo, a passagem do tempo, a idade, a morte – tudo isto não é exclusivo de determinados grupos etários.

Nesta história, temos um homem de 70 anos, cheio de vigor e de desejo e uma mulher de 32 anos, enfrentando a morte.

Por coincidência, a capa do livro, da responsabilidade do atelier de Henrique Cayate, poderia muito bem levar í  apreensão do livro pela PSP de Braga, como aconteceu recentemente

“Homem na Escuridão”, de Paul Auster

—Na contracapa deste livro, há a citação de uma crítica que diz: “Brilhante… Provavelmente o melhor romance de Paul Auster. Um doloroso somatório de todos os seus livros”.

Não podia estar em maior desacordo.

Penso que este é o pior dos livros de Auster que já li (e já li onze dos seus livros).

Um homem de 70 anos, insone, está deitado, na escuridão do seu quarto. Para se entreter, começa a engendrar a história de um tipo que, de repente, acorda numa América do futuro, em guerra civil. A ideia é boa, como quase todas as ideias de Auster mas, a páginas tantas, parece que não conseguiu desenvolver a história, deixa-a morrer e começa a contar outras histórias relacionadas com o insone.

No último terço do livro, mais ou menos, o protagonistas conta í  neta, também ela insone, a história do seu amor pela sua defunta mulher, da separação dos dois e da reconciliação. E é tudo muito banal, muito história de telenovela, sem emoção, sem graça.

Um livro falhado, na minha opinião.

“O Eco da Memória”, de Richard Powers

—Segundo o New York Times, citado na capa deste livro, Richard Powers «é um génio da literatura moderna. Brilhante e admiravelmente original».

Não sei se será um génio mas, quanto í  originalidade tenho mesmo muitas dúvidas.

A personagem central do livro é um neurologista que, nos últimos anos se tem dedicado a escrever livros em que conta as histórias de doentes neurológicos, daqueles que se esquecem que têm o lado direito do corpo, ou que alucinam vendo crianças, quando olham para a esquerda de um certo modo, ou que esquecem o nome só de certos objectos.

Ora é exactamente isto que Oliver Sacks, por exemplo, faz há muito tempo, nomeadamente no seu livro “O Homem que Confundiu a Mulher com o Chapéu” (1985), ou até mesmo António Damásio, com o seu “O Erro de Descartes”, embora, neste caso, sem a parte ficcional.

Em “O Eco da Memória”, um rapaz do Nebrasca, sofre um grave acidente de viação e entra em coma. Quando recupera, embora não saiba muito bem o que lhe aconteceu, recorda-se de quase tudo, mas é incapaz de reconhecer a irmã e a cadela. É o sindroma de Capgras.

O neurologista é chamado para dar a sua opinião técnica, mas sente-se irresistivelmente atraído por uma ajudante de enfermagem do hospital onde o rapaz está internado. Apesar de ter um casamento longo e bem sucedido, começa a duvidar de si próprio, como homem, como marido e até como médico. Afinal, ele serve-se das desgraças dos outros para fazer fortuna, contando as suas histórias.

Em pano de fundo, o livro vai-nos descrevendo as danças de acasalamento dos grous que, todos os anos, se instalam naquela zona dos Estados Unidos.

Assim, o livro pareceu-me interessante mas não «sem qualquer paralelo entre os nossos romancistas de primeira linha na forma como consegue ligar as novas ambiguidades científicas com as antigas relatividades do coração», como também diz o New York Times.