Ébola ataca jornalistas

Título e chamada de primeira página do Diário de Notícias de hoje:

“Planta de tabaco usada para fazer soro contra ébola – Médico aceitou submeter-se a tratamento experimental e passou a andar pelo próprio pé. Já morreram 887 pessoas”

Mas afinal, em que ficamos?

O tal soro, feito a partir da planta do tabaco, é bom ou mau (como o Banco)?

É bom porque salvou a vida ao médico ou é mau porque já morreram 887 pessoas?

Quem matou tanta gente: o soro ou o ébola?

E o médico, depois de ter tomado o soro milagroso passou a andar pelo próprio pé porque, antes, andava pelo pé de outra pessoa?

Afinal, o soro da planta do tabaco cura a paralisia?

E ainda falam dos professores que deram erros de sintaxe!…

O que é bom para a tosse

O Sr. Armindo andava com uma tosse que o tirava do sério.

Dizia ele que a malvada era tão intensa que quase lhe apetecia dar um tiro na cabeça.

Não conseguia dormir, urinava-se todo, evitava andar de transportes públicos para não assustar os companheiros de viagem, fugia de salas de espera e até ao pé da mulher e da filha se sentia incomodado por estar sempre a tossir.

Pensei que podia ser efeito secundário do inibidor do enzima de conversão, que muitas vezes provoca tosse e mudei-lhe para outro anti-hipertensor.

Sem resultado.

Claro que não valia a pena experimentar anti-tússicos e anti-histamínicos. Isso já o Sr. Armindo tinha tentado, também sem resultado.

Pensei depois em refluxo gastro-esofágico que, em algumas situações provoca tosse e prescrevi-lhe um inibidor da bomba de protões.

Sem resultado.

Desisti.

Ontem, o Sr. Rodrigues voltou à consulta.

Sem tosse.

E informou-me que tinha resolvido o problema com uma receita caseira. Um chá.

Exigi que me fornecesse a receita milagrosa.

Palavras dele: «250 gramas de açúcar mascavado, uma cerveja preta, das pequenas, uma laranja e três folhas de ôcalitro».

Bastaram duas colheres desse chá ao deitar, durante cinco dias, e a tosse desapareceu.

O segredo, claro, está no ôcalitro…

Dos agnóides à silvastatina

Quase todos os dias oiço algo do género, mas já nem ligo.

Por vezes, tomo nota e quando já tenho um número razoável de exemplos, vale a pena escrever um pequeno texto.

Porque não é todos os dias que nos pedem para fazermos um raio xis aos agnóides (1) porque a criança ressona muito. Será que ele sofre de apeneira do sono (2)? Pior seria se tivesse o azar de ter nascido com um lábio de Turim (3). Agora, quanto a infecções virais, todos os miúdos estão sujeitos a uma ou outra, mas pouco terão uma menocleose (4).

No que respeita a nomes de medicamentos, estamos conversados. São difíceis. E agora, que os genéricos estão na moda, ainda é pior. Fácil é dizer que se toma, por exemplo, Renidur; mais complicado articular maleato de enalapril com hidroclorotiazida, que é o genérico do dito.

É por isso que o medicamento para o colesterol mais usado, que é a sinvastatina, pode ser chamado de substantiva ou de silvastatina (que deve servir para tratar apenas os silvas; os lopes deverão tomar, certamente, a lopestatina).

Depois, de 6 em 6 meses, fazem-se anális ao constrol (5).

Se ele baixar, pode ser que se melhore desta picardia, também conhecida como ritmia espaçosa (6).

(1) adenóides
(2) apneia do sono
(3) lábio leporino
(4) mononucleose
(5) análises ao colesterol
(6) arritmia

“Como os Médicos Chegam ao Diagnóstico”, de Lisa Sanders

Lisa Sanders é professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale e publica, no New York Times, há 6 anos, uma rubrica intitulada “Diagnosis”, onde  conta algumas histórias clínicas interessantes e o modo como se chegou a certos diagnósticos.

A série televisiva “House” é, em parte, baseada na coluna de Lisa Sanders e ela é uma das consultoras da série. Claro que a personagem do Dr. Gregory House não tem nada a ver com a Dra. Lisa Sanders, já que esta se mostra muito compreensiva, preocupada com os doentes e acha que o exame clínico é essencial para se chegar a um diagnóstico, ao contrário do House que, se puder, nem sequer olha para o doente.

Socorrendo-se de meia dúzia de histórias clínicas, contadas como verdadeiras histórias (aliás, o título original do livro é “Every Pacient Tells a Story” e, mais uma vez, não compreendo por que razão o mudaram), Lisa Sanders aproveita para dissertar sobre o erro médico, a importância do exame clínico, a possibilidade de se evoluir para um diagnóstico “digital” e outros temas que, além de interessarem médicos, interessam, também, o leitor em geral.

Claro que as histórias clínicas aqui apresentadas não são tão mirabolantes como as de House, até porque, supostamente, serão todas verdadeiras.

Uma bica contra a demência

Eu não dizia?…

Este fim-de-semana foi divulgado um estudo, realizado por investigadores portugueses e franceses, segundo o qual o consumo moderado de café pode prevenir o aparecimento de perturbações da memória, sobretudo nas mulheres.

Parece, assim, confirmar-se o que já se pensava: o café previne o Alzheimer e a doença de Parkinson.

E mais: pode também ser responsável pelo atraso no aparecimento de diabetes tipo 2, tendo também um efeito positivo na prevenção dos cancros do cólon e da próstata, melhorar os estados depressivos, a atenção, a memória e a concentração – embora, provavelmente, não tudo ao mesmo tempo.

Ora, juntando isto ao que escrevi no post anterior, vamos mas é todos para a praia, apanhar sol, comer sardinhas e beber bicas!

“O Fantasma Sai de Cena”, de Philip Roth

fantasmasaidecenaPublicado em 2007, “Exit Ghost” é mais um livro em que Roth usa o seu alter ego, Nathan Zuckerman como personagem central.

Zuckerman está velho e doente. Tem 71 anos, foi prostatectomizado por cancro há 11 anos e ficou impotente e incontinente.

Deixou Nova Iorque e o convívio com as pessoas e refugiou-se num local ermo da Nova Inglaterra, sem televisão, sem jornais, sem computador, sem telemóvel, dedicando-se, apenas à escrita.

Agora, no entanto, Zuckerman volta a Nova Iorque para experimentar um novo tratamento que talvez lhe melhore a incontinência e essa perspectiva dá-lhe novo alento.

Num jornal, encontra um anúncio que parece publicado para ele: um casal de jovens escritores pretendem trocar o seu apartamento na cidade por uma casa no campo, por um período de um ano.

Zuckerman decide responder ao anúncio e apaixona-se platonicamente pela jovem escritora, começando a elaborar fantasias sexuais com ela.

Esta é a história básica do livro, embora existam outras sub-histórias. Com a mestria habitual, Roth põe a nu a tragédia da velhice, da doença, da perda da virilidade, da perda do controlo dos esfíncteres.

Uma citação curiosa. Zuckerman regressa a Nova Iorque 11 aos depois e o que o surpreende mais?

“Que me surpreendeu mais nos primeiros dias de deambulação pela cidade? A coisa mais óbvia – os telemóveis. (…) Que tinha acontecido nestes dez anos para que de repente houvesse tanto para dizer – tanto e tão urgente que não pudesse esperar para ser dito?”