El Calafate e os glaciares

11.10.07 – Acordámos í s 3h30 e í s 4 horas estavam a apanhar-nos para nos levarem ao aeroporto de voos domésticos de Buenos Aires. As filas para o check in eram intermináveis. Quando chegou a nossa vez, fomos informados que a nossa bagagem tinha excesso de peso: 12 kg a mais; parece que, nos voos domésticos, só são permitidos 15 kg por passageiro. Ninguém nos avisara disto. Pagámos 72 pesos de multa. Cheira-me que isto é mais uma maneira de sacar dinheiro ao turista, já que não estou a ver ninguém vir passar duas semanas í  Argentina, com apenas 15 kg na mala.

Bueno… pelas 10 da manhã estávamos em Calafate. í€ nossa espera, uma guia e um motorista, que nos trouxeram ao Hotel Alto Calafate.

calafate_hotel.jpgO Hotel é um edifício recente, muito bonito e muito bem situado, no cimo de uma colina, com vista para o lago Argentino e para os Andes. Ficámos no quarto nº 1 e depois de arranjarmos as malas, partimos para Calafate, no shuttle do hotel que, cada meia hora, faz a ligação com a cidade.

El Calafate tem, agora, cerca de 20 mil habitantes e cresceu muito, nos últimos anos, sobretudo desde que, há sete anos, uma empresa privada construiu o aeroporto. Apesar disso, é uma cidade pequena, que se desenvolve a partir de uma rua principal, a Avenida Libertador, só com restaurantes e lojas para turistas.

calafate_lagoanimez.jpgBaseando-nos nas informações do Rough Guide, caminhámos para norte, até sairmos da cidade e chegarmos í  Reserva Natural da Lagoa de Nimez. Por aí andámos, cerca de hora e meia, a fotografar flamingos, pássaros e passarocos. Sempre com os Andes ao fundo, tivemos uma tarde de bird watching. Pena que os argeninos não cuidem bem desta Reserva, já que há um esgoto a despejar directamente na lagoa.

E foi uma boa maneira de passar o tempo, já que em Calafate não há mais nada para fazer. Almoçámos no La Lechuza (a Coruja), uma excelente pizza e duas empanadas. 

12.10.07 – Hoje foi o dia dos glaciares e foi uma experiência única.

Acordar í s 6 da manhã, pequeno-almoço rápido e, í s 7, vieram buscar-nos. Durante quase uma hora, andámos a passear por vários hotéis, a apanhar turistas, a maior parte deles, falantes de castelhano.

Depois, foi outra hora até Puerto Bandera, onde estava ancorado o catamarã Quo Vadis. Partimos í s 9 horas e regressámos pelas 16h30.

O Lago Argentino é o maior da Argentina e o terceiro maior da América do Sul, com 1600 km quadrados e tão profundo que as suas águas mantêm uma temperatura constante de cerca de 8 graus durante todo o ano. As suas águas têm uma cor verde leitosa, devido aos detritos arrastados pelos glaciares, da montanha para o lago.

Antes de vermos os glaciares propriamente ditos, navegámos durante quase uma hora pelo lago, ladeados pelos Andes imponentes, e, depois, avançando por entre inúmeros icebergs que se desprenderam o glaciar Upsala.

calafate_iceberg.jpg

Os icebergs são algo de único, que nunca tínhamos visto ao vivo. As cores azuladas do gelo (quanto mais azul, mais oxigénio), as formas curiosas dos diversos icebergs, a textura do gelo –  tudo era novidade para nós.

calafate_bosque.jpgChegámos í  Baía Onelli e desembarcámos para caminhar por entre um bosque típico da Patagónia: árvores baixas, muitas delas caídas pela força do vento. Disseram-nos que, hoje, é uma excepção, já que praticamente não há vento. O vento patagónico, com rajadas que atingem os 100 km, é o habitual e as árvores estão inclinadas sempre para o lado sul (o vento sopra do norte) e, muitas vezes, são arrancadas do solo e estão assim, caídas, com as raízes í  mostra.

Atravessando o bosque, chegamos ao lago Onelli, uma pequena extensão de água, rodeada de montanhas e com três glaciares a fornecerem água: o Heim, a Agassiz e o Onelli.

calafate_onelli.jpgO lago Onelli, ele próprio, está cheio de pequenos icebergs e, no inverno, a sua superfície fica totalmente gelada, podendo caminhar-se por cima dele.

A tranquilidade do local é impressionante. Apenas os turistas estragam o panorama selvagem.

 

Regressámos pelo bosque e, antes de voltarmos ao Quo Vadis, almoçámos no restaurante, um excelente bife de chorizo, que não tem nada a ver com  chouriço – é um grandessíssimo bife do lombo, com três dedos de espessura e tenro, como nunca comi outro igual. Os apreciadores de bife deviam, todos, experimentar um bife como este! 

De volta ao catamarã, prosseguimos para ver o glaciar Upsala, que é o maior do Parque Nacional dos Glaciares: 7 km de largura, 60 metros de altura e 60 km de comprimento. O barco não se pí´de aproximar muito do glaciar porque, dias antes, tinha acontecido um grande desprendimento e havia muitos blocos de gelo flutuando no lago e que poderiam pí´r em perigo a navegação. Mas deu para ver aquela imensa massa de gelo que vem pela montanha fora e atinge o lago como uma parede gelada.

calafate_upsala.jpg

A estrela do passeio de hoje veio a seguir: o glaciar Spegazzini, que é o mais alto do parque, com cerca de 135 metros. A sua beleza é impressionante e difícil de descrever. Parece que o Jorge Luís Borges terá dito, a propósito dos glaciares, qualquer coisa como «olhar para eles é como vê-los sempre pela primeira vez». E é verdade. Conforme o ângulo de visão, conforme o modo como a luz do sol incide sobre eles, parece que estamos a ver coisas diferentes, parece que estamos a ver algo em mutação e não algo inerte, que não tem vida. O glaciar tem zonas de um azul turquesa intenso, como se tivesse iluminação interior, zonas de um branco gelado, outras cinzenta ou negras, devido aos detritos trazidos das montanhas. 

calafate_spegazzini.jpg 

Foi o primeiro ponto alto desta viagem, sem dúvida.

E fomos regressando, passando, novamente, pelos icebergs e estoirando fotos atrás de fotos (cerca de 500, num total de 1700).

Buenos Aires – 2

10.10.07 – Hoje andámos cerca de 15 km. O almoço foi num McDonalds, na Calle Florida. Viagem sem, pelo menos, uma refeição no McDonalds, não é viagem e penso que já comemos McDonalds nos 5 continentes.

buenosaires_parlamento.jpgA caminhada foi até í  Avenida de Mayo, que percorremos entre a Casa Rosada e o Parlamento, para ver os edifícios imponentes que por lá existem, nomeadamente o edifício do jornal La Prensa e o próprio Palácio dos Congressos, que é uma bisarma tipo White House. Há ainda um outro edifício, o Barolo, construído em 1922 e que é uma homenagem í  Divina Comédia, de Dante.

O tempo continuou instável, alternando chuviscos com lampejos de sol aberto. Continuámos por ruas mais secundárias, até í  Corrientes, passando, novamente, pelo Obelisco. Milhares de pessoas de um lado para o outro e milhares de carros e autocarros de passageiros (os “colectivos”), saturando o ar de monóxido de carbono. Ao fim da tarde, as ruas são invadidas pelos “cartoneros”, que são tipos que fazem a escolha do lixo, salvando o que pode ser reciclado.

De regresso í  pedonal calle Florida, entrámos no enorme Pacific Mall, para comer um gelado no Freddo e, assim, repor as calorias que gastámos na caminhada. 

buenosaires_pueromadero.jpgDepois de descansar alguns minutos, avançámos para Puerto Madero, assim chamado em homenagem ao arquitecto responsável pela renovação desta zona da cidade, Eduardo Madero. Os armazéns de cereais vindos das Pampas, em tijolo vermelho, estão transformados em restaurantes. O rio de La Plata aqui, está condensado em quatro canais, um dos quais serve de marina. Mais í  frente, a ponte da mulher, do espanhol Calatrava. É uma zona agradável, esta de Puero Madero, embora não se sinta a proximidade do rio, como nas docas, em Lisboa. De facto, o estuário do La Plata, sendo o maior do mundo, parece um mar, que fica lá longe da cidade e Buenos Aires desenvolve-se, toda ela, de costas para essa imensidão.

San Atónio de Areco – o ataque dos mosquitos

9.10.07 – Estamos í  espera que nos chamem para almoço, na Estância El Ombu de Areco, no coração das Pampas.

O Juan foi buscar-nos í s 9h 30, para uma viagem de cerca de 1h 45, sob uma chuva diluviana. A certa altura da viagem, a cortina de chuva era opaca. Mas a coisa ainda havia de piorar com a trovoada. í€s tantas, pergunto: que fazemos nós, debaixo de um temporal destes, a caminho de sei lá onde, nas pampas argentinas?!

Chegámos perto de San António de Areco e ficámos, na estrada, í  espera que um veículo 4X4 nos viesse buscar para nos transportar, ao longo de 6 míseros quilómetros, por um lamaçal imenso, até El Ombu, a estância onde vamos passar a noite. A chuva abrandara, mas o céu continuava muito carregado.

sanatonio_lama.jpgFomos recebidos por uma holandesa que nos mostrou as instalações e o quarto e logo fomos atacados por milhares de mosquitos. O repelente ficou em Buenos Aires. Ninguém nos avisou que poderiam existir mosquitos por aqui e nós só estávamos í  espera deles lá para Iguazu. A holandesa emprestou-nos um repelente, mas devia estar fora do prazo.

El Ombu é uma estância oitocentista que, para além do turismo rural, também se dedica ao gado e í  agricultura. A casa está bem conservada, o quarto mantém o tecto alto e a cama de latão, bem como a lareira. Em redor, tudo verde, a perder de vista. Lá ao fundo, vacas a pastar. Aqui, í  volta, frondosas árvores, entre elas o ombu, e muitos pássaros, passarinhos e passarocos, a voar e a fazer um basqueiro dos antigos, sobretudo os periquitos selvagens. Comemos uma empanada de carne, de boas vindas e ficámos por aqui, a fotografar pássaros e árvores.

í€s 13h30, fomos almoçar. A sala estava cheia: além de nós, mais 11 pessoas. A estância está lotada. O almoço foi uma tradicional parrilla argentina: carne de vaca assada sobre carvão.

sanatonio_carroca.jpgDepois de um curto descanso, fomos fazer um passeio de carroça, puxada por um cavalo branco e conduzida por um gaúcho que, pelos vistos, é um célebre domador de cavalos aqui da zona. O passeio foi agradável, mas os mosquitos massacraram-nos, comeram-nos vivos, deixaram-nos as mãos e os tornozelos numa lástima; a minha querida careca, então, ficou toda aos altos, como se a inteligência quisesse saltar para fora da calote craniana.

Regressámos a tempo para um café. Depois, besuntámo-nos com cortisona.

Depois do passeio de carroça, estivemos o resto da tarde a fazer nada.

Jantámos umas coisas incomestíveis (peito de frango do campo cozido com puré de batata!) e viemos para a cama.

Depois de o sol se pí´r, o silêncio é sepulcral. Os pássaros calam-se e, ao longe, ouvem-se as cigarras. Não há TV, não há rádio, nem nada para fazer, a não ser uma mesa de snooker, que está ocupada por dois ingleses que beberam um litro de vinho ao jantar. Alternativa: ler e descansar.

sanatonio_casa.jpg

10.10.07 – Segundo a descrição da viagem, hoje estaria í  nossa espera “um pequeno-almoço campestre”. Em vez disso, tivemos direito a pão da véspera torrado há horas, 4 médias-lunas (croissant em argentino) mal descongeladas, uma chávena de café, 4 fatias de queijo e 4 de fiambre, 2 pacotinhos de manteiga, doce e sumo de laranja de garrafa. Que tal?

Aliás, ainda ontem nos questionávamos: como é que eles trazem os mantimentos até aqui, com aquele rio de lama a separar a estrada da estância. Resposta: não trazem.

í€s 7 e meia levantámo-nos para andar por aí, a ver a azáfama dos pássaros, que andam a fazer os ninhos (estamos na Primavera, na Argentina).

As picadas dos mosquitos estão bem visíveis, hoje, proporcionando-me excelentes altos na cabeça, no pescoço, mãos e tornozelos.

E vamos deixar El Ombu sem grandes saudades das Pampas. Este turismo rural ainda está muito atrasado, em relação ao que se faz em Portugal. A casa está “arranjadinha”, mas não é confortável; as comodidades são, de facto, escassas e o clima também não ajudou, com a chuva intensa e o ataque dos mosquitos.

Buenos Aires, multitudinária

buenosaires_obelisco.jpg8.10.07 – Buenos Aires é uma cidade gigantesca. São cerca de 3 milhões de habitantes (13 milhões, se contarmos com os arredores) e um trânsito alucinante. A qualquer hora do dia (e suponho que da noite, também), as avenidas estão cheias de carros.

A Avenida 9 de Julho, por exemplo, é considerada a avenida mais larga do mundo; tem 18 faixas de rodagem, em alguns pontos, chega í s 20 faixas e está sempre a abarrotar de carros. Mais ou menos a meio, na intersecção com a Corrientes, fica o Obelisco, com 67 metros de altura, que se vê de vários pontos do centro da cidade; foi erigido em 1936 e celebra a fundação da cidade e o ano de 1880, em que Buenos Aires se tornou capital federal da Argentina.

Passámos, depois, pela Casa Rosada, que é o palácio presidencial. O actual presidente, Kirshner, não vive lá, mas sim nos arredores da cidade, em Olivos, e vem para o trabalho, todos os dias, de helicóptero. A Casa Rosada é famosa pelo facto de Evita Perón arengar í s massas, a partir de uma varanda, divulgada por Madonna – e está pintada de cor-de-rosa, simbolizando a união dos dois partidos rivais, os colorados e os blancos que, fundidos, deram o cor-de-rosa.

buenosaires_casarosada.jpgA Casa Rosada está situada na Plaza de Mayo, conhecida pelo facto das mães e avós dos desaparecidos durante a ditadura de Videla, se reunirem ali, diariamente, protestando pelo facto de muitos deles continuarem sem ser encontrados. Para nós, este local, cheio de simbolismos para o povo argentino, pouco nos diz: a Casa Rosada, sob o ponto de vista arquitectónico, não é nada de especial e a Plaza é, também, banal, não fossem as palmeiras gigantescas (a Plaza de Armas de Cusco, no Peru, por exemplo, é muito mais bonita).

buenosaires_boca.jpgA paragem seguinte foi muito mais interessante. Fomos ao Barrio Boca, visitar as casas de chapa ondulada, pintadas de cores garridas. Cada uma destas casas tem dois andares e um pátio interior; lá dentro, várias famílias partilham o pátio, a cozinha e as instalações sanitárias. Este bairro do sudoeste da cidade, foi fundado por emigrantes italianos no final do século 19 e princípio do século 20 e as cores garridas das casas provém do costume genovês de pintar as casas com os restos das tintas usadas para pintar os barcos.

Hoje em dia, muitas destas casas estão transformadas em gift shops, mas ainda existem muitas das verdadeiras, embora em muito mau estado.

No coração de La Boca, fica o estádio do Boca Juniors, clube de futebol onde se estreou Maradona. O estádio está mesmo enfiado no meio dos casebres do bairro. Clube de futebol mais popular não deve haver.

Passeámos um pouco por algumas ruas de Boca, nomeadamente pela mais famosa, a Caminito, citada em muitos tangos e que tem a maior concentração de casas de chapa ondulada, sendo constantemente assediados por casais sugerindo-nos uma foto a fingir que dançamos o tango.

A visita continuou com uma passagem rápida por Puerto Madero e terminou junto ao cemitério de Recoleta, passando pelos jardins de Palermo, os dois bairros mais ricos, do norte da cidade.

Vieram buscar-nos í s 20h 30 e levaram-nos í  Esquina de Carlos Gardel. Ficámos numa mesa do primeiro andar, com mais dois casais venezuelanos, dois casais espanhóis e um australiano de cabeça rapada, sessentão que, rapidamente, meteu conversa connosco e, cinco minutos depois, já nos estava a contar uma história digna de Paul Auster. Era oftalmologista e, após mais de 30 anos de um casamento feliz, a mulher tinha morrido em 6 meses, vítima de um melanoma. Durante 2 anos e meio, chorou todos os dias e, certa noite, pensou até em suicidar-se, ao volante do carro. Não queria saber da profissão, não queria saber das duas filhas, só queria morrer. Depois, terá sido convidado por doentes dele (acho que algo ficou “lost in translation”) para ir í  China, a Xangai. E lá, sentiu que tinha que mudar. Quando regressou, rapou a cabeça e decidiu viver outra vez. Entretanto, foi fazer um scan cardíaco de rotina e descobriu que tinha uma coronária entupida. Injustiça! Não fumava, não tinha história familiar, fazia exercício físico. Foi fazer um cateterismo e a coisa correu mal: ficou com as femurais todas lixadas e até pensou que nunca mais poderia viajar. Mas recuperou bem. E conheceu uma mulher, duas vezes divorciada e as coisas começaram a correr bem e planeou esta viagem pela América do Sul (Equador, Galápagos, Peru, Argentina e Brasil). No entanto, três dias antes de partir, a sua nova companheira fez uma observação qualquer sobre as filhas dele e ele não gostou nada do que ouviu. Discutiram. Ele partiu sozinho! Estava a pagar quartos duplos e tudo a dobrar, mas não admitia que ela fizesse reparos í s filhas dele!

São este tipo de personagens que povoam os romances de Auster e este australiano, ao saber que também éramos médicos, sentiu a empatia suficiente para partilhar tudo isto connosco, ali, em cinco minutos, enquanto jantávamos na Esquina de Carlos Gardel, aguardando o show de tango.

O restaurante faz lembrar o nosso Politeama, depois das adaptações do La Féria. Na plateia e no 1º balcão, as mesas estão preparadas para um jantar rápido e servido em estilo “linha de montagem”: entrada de empanada de carne (boa), parto principal (duas tiras de carne de porco que pareciam sola de sapato) e sobremesa (o famoso e nacional dulce de leche).

buenosaires_tango.jpgServido o jantar, chegou a hora do show, que durou cerca de uma hora. Quatro ou cinco pares, dançaram diverso tipos de tangos, acompanhados por uma orquestra de sete elementos. Pode ser que seja um espectáculo para turista ver, e talvez os bailarinos abusem dos malabarismos, de tal modo que o australiano dizia “it’s easy to do tango – just a lot of kicking!”. Pode ser isso tudo, mas o espectáculo foi agradável e o turista médio (nós) está mesmo í  espera destas coisas. Obviamente que não estaria í  espera de ver actuar discípulos de Piazola ou o Gotan Project.

Quando acabou o espectáculo, í  meia-noite, chovia.

Regressámos ao hotel, verificando que ainda havia muita gente nas ruas e nos cafés.

Os balcões de Sócrates

O choque tecnológico tem destas coisas.

O que dizer desta iniciativa: um balcão, nas lojas do cidadão, onde podemos tratar de todos os documentos, depois de nos roubarem a carteira?

É uma boa ideia. Sem dúvida.

Mas o nome…

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Balcão Perdi a Carteira.

Pode ser defeito meu, mas…

Na foto, publicada num jornal, uma funcionária pública, com ar deprimidíssimo, sobre um fundo vermelho, agressivo, aguarda a investida dos cidadãos. Diz o jornal que, logo no primeiro dia, este balcão foi visitado por mais de 100 pessoas. Vocês acreditam que, só num dia, mais de 100 pessoas perderam a carteira?

Estou a ser duro de mais. Claro que o balcão não se destina apenas a quem tenha perdido a carteira. É apenas uma maneira modernaça de dizer que o balcão serve para tratar de todos os documentos que, habitualmente, trazemos na carteira.

Sendo assim, e seguindo o mesmo raciocínio, proponho a criação dos seguintes balcões:

Balcão Assaltaram-me a Casa e Levaram-me as Pratas

Balcão Roubaram-me os Pneus e Deixaram-me o Carro, que Era um Chaveco

Balcão Levaram-me a Mulher-a-Dias Porque lhe Ofereceram um Ordenado Melhor e Inscrição na Segurança Social

Balcão Fui Despedido e Quero o Rendimento Mínimo

Balcão Sofro de Várias Doenças Crónicas, Vivo Numa Barraca, Estou Desempregado, Sou Toxicodependente e Sou de Outra Etnia

Balcão Fui Sodomizado e Não Vi Nada Porque Estava de Costas

 

Aceito outras sugestões…

A alcachofra selvagem do Dr. Santos

Chamo-me Santos e sou médico, mas não sou responsável pelas alcachofras selvagens. Juro!

Portanto, se receberem, na vossa caixa do correio, uma série de folhetos sobre a alcachofra selvagem, enviados pelo Dr. Santos, não tenho nada a ver com o assunto.

Mas tenho pena, confesso.

A alcachofra selvagem, a acreditar no Dr. Santos faz o seguinte:

– alivia e pára as dores (1)
– elimina as inflamações
– reconstrói a cartilagem
– lubrifica as articulações
– reforça o capital ósseo
– desperta a memória
– estimula as capacidades intelectuais
– melhora a vista, o ouvido e o olfacto (2)
– alisa os tecidos do interior, apaga as rugas e faz crescer o cabelo perdido (3)
– reduz a tensão arterial
– drena o sangue
– purifica as artérias
– elimina a diabetes e o colesterol (4)
– aumenta a resistência aos esforços
– desperta a libido
– provoca desejo, prazer
– aumenta consideravelmente o desempenho sexual
– reaviva o prazer e o tónus
– exalta as relações amorosas

(1) – se pára as dores, não é necessário aliviá-las…

(2) – se a janela da sua sala dá para um baldio cheio de ervas e lixo, depois de tomar a alcachofra selvagem, passará a ver uma praia paradisíaca, com um oceano azul-turquesa e uma areia fina e branca, porque a alcachofra “melhora a vista”.

(3) – o que serão os “tecidos do interior”? Será aquilo com que somos feitos por dentro? Faz crescer o cabelo perdido? Então, se o cabelo me estiver a cair pela casa fora, ele vai crescer se eu tomar alcachofra? Isto quer dizer que, quando eu chegar a casa, tenho o chão da sala cheio de cabelos enormes!

(4) – se elimina a diabetes, que interessa o colesterol?

Este Dr. Santos promete que, com 2 cápsulas diárias de alcachofra selvagem, qualquer velhote volta í  adolescência e tem a lata de mostrar a foto de um velho numa cadeira de rodas e, depois do tratamento, a fazer desportos radicais; e de uma velha, também numa cadeira de rodas e, depois, a andar de trotineta a velocidade estonteante.

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O mais grave é que o Dr. Santos tem um rosto e tem um apartado, no Estoril, no nome de um tal Centro de Vida Sã.

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Este Dr. Santos, tem a lata de prometer eliminar todas as dores em 2 dias, contribuir para o rejuvenescimento em 3 dias e alcançar o nirvana em 8 dias, que é como quem diz, voltar a mandar grandes quecas, apesar de se ter 95 anos e uma pila mais engelhada que o sovaco de um náufrago, perdido no Pacífico, sem água, há mais de três semanas!

A ASAE, que anda atrás dos ciganos que vendem Lacoste falsas e dos brasileiros que vendem bolas-de-berlim fritas em óleo saturado, não vão a casa deste Dr. Santos perguntar-lhe como é que ele pode prometer í s pessoas que elimina a diabetes com 2 cápsulas de alcachofra selvagem por dia?

Ou esta é uma daquelas coisas que só compra quem quer e está-se mesmo a ver que é aldrabice?

…é que as Lacoste dos ciganos, também…

O arcebispo e as camisinhas

Leio e não acredito.

O arcebispo do Maputo, Francisco Chimoio, acusa os europeus de infectarem propositadamente preservativos com o vírus da sida, «para acabar com o povo africano».

Ora tomem lá as palavras do arcebispo, em entrevista í  BBC, citadas pelo DN: «os preservativos não são seguros porque eu sei que há dois países europeus que estão a produzi-los com o vírus de propósito».

Claro que o arcebispo não disse quais eram esses países, mas acrescentou que a melhor maneira de evitar a sida, não é o uso de camisinhas, mas sim a abstinência. E ainda teve a lata de afirmar que os medicamentos retrovirais também estão infectados com o vírus da sida.

Em Moçambique, surgem, todos os dias, 500 novos casos de sida (calcula-se, porque saber, ninguém sabe). E é desta maneira que a igreja ajuda o seu povo: contribuindo para a sua ignorância e, no fundo, para a sua auto-destruição. Se a igreja condena o uso de camisinhas e até avisa: «cuidado, que as camisinhas estão infectadas!», a malta não vai usar preservativo – mas também não vai manter a abstinência, como o invejoso do arcebispo preconiza. Vai é continuar a propagar a doença e, desse modo, contribuir para o fim do povo africano, como Chimoio prevê, aliás.

Será que o homem é tolo, além de arcebispo, ou é esta a política oficial da igreja moçambicana?

Osculo-te, Santana Lopes!

E cá temos mais um sinal do apocalipse: o Sr. Lopes tomou uma atitude digna, correcta, com a qual estou de acordo, que merece o meu aplauso, que tem todo o meu apoio, que admiro, que eu gostaria de ter tomado – não posso ser mais encomiástico, pois não?

Claro que já toda a gente sabe o que foi, mas vou dizer na mesma, para que fique registado.

Estava o Sr. Lopes a ser entrevistado, na Sic Notícias, sobre as eleições no PSD, quando a jornalista o interrompe para passar a emissão directamente para o aeroporto da Portela, porque acabava de chegar o Mourinho (o José, aquele que foi treinador do Chelsea).

Quando a emissão regressou ao estúdio, o Sr. Lopes disse que aquilo não se fazia, que ele estava ali com prejuízo da sua vida pessoal e que o “país está louco”. Levantou-se e foi-se embora.

Grande Santana!

Podem dizer: ah e tal, o gajo anda sempre de braço dado com os jornalistas, agora reagiu assim porque ficou chateado, mas na próxima oportunidade já está, outra vez, ao beijo na boca.

Não interessa!

Pelo menos naquele momento, o Sr. Lopes mostrou, em directo, a saloiice dos nossos jornalistas que, no caso do Mourinho, andam completamente apaixonados. O homem cospe e vão-lhe recolher o cuspo; o homem espirra, e publicam-lhe os perdigotos na primeira página.

Sr. Lopes: peço-lhe desculpa pelas duras palavras que, em tempos lhe dirigi. Com esta sua atitude, acabo de lhe perdoar cerca de 45% das suas asneiras. Outro gesto como este e você fica pronto para regressar í  chefia do governo.