“O Pintor de Batalhas”, de Artur Pérez-Reverte

pintordebatalhas.jpgO segundo autor castelhano que trouxe para a nossa viagem foi o espanhol Pérez-Reverte, mas este livro não me divertiu tanto como o de Vargas Llosa.

“O Pintor de Batalhas” acaba por não ser bem uma história, mas sim uma reflexão sobre a vida, a morte, a velhice e a influência que podemos exercer na vida e na morte dos outros.

Andrés Faulques é um fotógrafo que, durante décadas se dedicou a fotografar os diversos conflitos armados, pelo mundo fora, da Somália ao Líbano, dos Balcãs aos mais diversos países africanos. Depois da morte violenta da sua companheira, também fotógrafa, ao pisar uma mina, no Kosovo, Faulques retira-se para um antigo farol, na costa mediterrânica e dedica-se a pintar um mural que represente todas as guerras da Humanidade.

Certo dia, é visitado por um ex-soldado croata, que ele fotografou em tempos; essa fotografia foi capa de revista e correu mundo. Os sérvios, ao reconhecerem o soldado, graças í  fotografia, foram a sua casa, violaram e mataram-lhe a mulher, que era sérvia, bem como o filho. Agora, o soldado queria vingar-se e anuncia que vai matar Faulques.

Este é o ponto de partida do livro; a partir daqui, Pérez-Reverte disserta sobre a vida e a morte e questiona-se sobre um certo tipo de jornalismo, que se diz independente – será possível não tomar partido, num conflito?

Um livro interessante mas um pouco lúgubre.

Colónia del Sacramento – Portugal no Uruguai

O dia de hoje, foi passado em Colónia del Sacramento, no Uruguai.

í€s 7 da manhã, já estavam a buscar-nos e tivemos que ir, mesmo sem pequeno-almoço. Fomos tomá-lo ao cais de embarque do buquebus, em Puerto Madero.

Esta história das fronteiras é uma grande desculpa para criar postos de trabalhos inúteis. Que quantidade enorme de funcionários para verificarem os passaportes, colocarem carimbos em impressos preenchidos í  pressa pelos turistas e que ninguém verifica!

O buquebus é um catamarã gigantesco, que também transporta carros, ao longo do estuário do rio de La Plata, entre Buenos Aires e a Colónia del Sacramento ou Montevideo.

Os porteí±os (habitantes de Buenos Aires), gostam muito de passear, ao fim-de-semana, em Colónia, e alguns deles até lá têm casa de praia.

Cumpridas as formalidades, embarcámos e cerca de uma hora depois, estávamos no Uruguai. Durante a curta viagem, a maior parte dos passageiros atacaram a free shop do barco, comprando, sobretudo, perfumes.

O estuário do La Plata é o maior do mundo. Olhando através da janela do barco, parece que estamos no mar alto, já que não se avista terra.

Do outro lado, estava í  nossa espera a Irma, uma guia setentona, falando um português aceitável. Introduziu-nos num táxi e fomos para a visita da cidade.

Colónia del Sacramento foi fundada pelo português Manuel Lobo, em 1680. Depois, seguiram-se as habituais disputas territoriais, entre Portugal e Espanha, e a cidade foi passando de uns para outros, razão pela qual, hoje em dia, vemos traços arquitectónicos dos dois países. Grosseiramente: casas com telhado (portuguesas) ou com terraço (espanholas), ruas com esgoto central (portuguesas) ou com dois esgotos laterais (espanholas). Desde há alguns anos que esta cidade é património da Unesco e, por essa razão, a cidade tem mantido muito bem o seu centro histórico, embora ainda haja muitos edifícios as pedirem recuperação.

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Não há dúvida que é uma cidade muito curiosa e que, em algumas ruas, até parece que estamos em Portugal. Passeámos por jardins luxuriantes, por ruas empedradas com basalto, pelo farol… pena, os mosquitos! Mais uma vez, fomos apanhados desprevenidos! A chuva dos últimos dias fez acordar milhares de mosquitos que, novamente, fizeram o favor de nos picar. A certa altura, vimos um aviso sobre o dengue. Olha que porra! Quer dizer: o repelente foi usado em Iguaçu, pelos vistos, sem necessidade e, nos sítios onde, de facto, havia mosquitos, aqui e nas pampas, deixámo-lo ficar no hotel!

Durante o resto da manhã, a Irma mostrou-nos os pontos de maior interesse da cidade e, depois, levou-nos ao Yatch Club, onde almoçámos – finalmente! – peixe! Mais precisamente, peixe rei, com legumes grelhados, acompanhado por cerveja uruguaia, de nome Patrícia. Bom!

Durante a tarde, deambulámos pela cidade, enxotando os cabrões dos mosquitos e, í s 4 e meia, estávamos de volta ao buquebus Patrícia Olívia II, que nos trouxe de volta a Buenos Aires.

Península Valdez – os pinguins

20.10.07 – para ver os pinguins de Punta Tombo, é preciso percorrer os 67 km que separam Puerto Madryn de Trelew e, depois, mais 160 km para sul, os últimos 50, em terra batida, com muita pedra solta. A paisagem é monótona e desoladora – quilómetros de estepe patagónica, sem nenhum motivo de interesse.

Chegados a Punta Tombo, caminhamos cerca de quilómetro e meio, em direcção í  costa e, de um lado e de outro, já vamos vendo os ninhos dos pinguins. Nesta altura do ano, estão a chocar os ovos – um ou dois, por casal, e quando os filhotes nascerem, 40 dias depois, a colónia poderá atingir o milhão de aves.

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Vimos centenas de pinguins, dispersos pelas encostas, metidos nos seus ninhos escavados no chão, ou caminhando, í  charlot, em direcção ao oceano, para ir buscar comida.

Específicos desta zona do planeta, os pinguins de Magalhães passam aqui parte do ano e, lá para Março, vão-se embora, para o norte, passando o resto do ano no oceano, sem vir a terra.

valdez_pinguins2.jpgApesar de terem alguma dificuldade em andar, alguns destes pinguins escavam o seu ninho muito longe do mar, por vezes até 800 metros de distância, o que quer dizer que, sempre que têm que ir buscar comida, têm que percorrer essa distância, naquele passo apalhaçado. No caso desta espécie, quer a fêmea, quer o macho podem ir buscar comida ou ficar, no ninho, a tomar conta da descendência.

Pinguinera vista, vamos regressar a Trelew, pela mesma estrada monótona. Mas antes, fomos visitar uma pequena localidade, chamada Gayman, que foi fundada por emigrantes, vindos do País de Gales. Nos finais do século 19, uma comunidade de galeses, fugidos da Grã Bretanha, por razões religiosas (é o costume), veio aqui parar e, no vale do rio Chubut, construiu um sistema de canais que transformou a estepe patagónica numa zona verdejante, capaz de produzir toda a espécie de legumes e frutas. O contraste é bem evidente: de um lado da estrada, a estepe árida, do outro, o vale verdejante do Chubut.

Em Gayman, parámos numa casa de chá, herança dos antepassados galeses, para comer uns scones e beber um chá.

Península Valdez – baleias e pinguins

19.10.07 – Mais um dia cheio e em cheio, dedicado í  observação de animais, sobretudo, baleias, elefantes marinhos e pinguins.

Vieram buscar-nos í s 7h30 e partimos para a Península Valdez e, mais uma vez, formou-se um grupo multinacional, com espanhóis, ingleses e um casal belga, de idade bem avançada.

O nosso guia de hoje, chamado Marco, fazia jus aos naturais da Patagónia, pois devia ter, pelo menos, 2 metros de altura. Quando, nos anos 500, Magalhães e seus amigos chegaram aqui, a esta zona inóspita do mundo, verificaram que os aborígenes que a habitavam, os tehuelches (antigamente chamavam-se índios, mas indígenas ou aborígenes é mais correcto), eram muito altos e tinham uns pés muito grandes. Nesses tempos, os europeus eram relativamente baixos, í  volta do 1 metro e 60 de altura, enquanto os habitantes da Patagónia teriam í  volta de 1 metro e 80. Mas parece que foram os pés grandes, as patas grandes, que determinaram o nome Patagónia.

O Marco demonstrou um grande prazer em falar-nos e mostrar-nos a fauna da Península Valdez.

Começámos pelas baleias, chamadas baleias francas austrais. Vêm aqui, ao Golfo Nuevo, na Península, para se reproduzirem e por cá ficam até as crias deixarem de precisar dos cuidados das mães.

Para avistarmos estes imensos mamíferos (16 metros de comprimento e 60 toneladas de peso), fomos até Puerto Pirâmides e tomámos um barco da empresa Jorge Schmid.

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Durante cerca de uma hora, navegámos nas águas calmas do Golfo Nuevo e avistámos muitos golfinhos que, ao agitarem as águas, fazem com que o peixe venha
í  superfície e disso se aproveitam as gaivotas, que atacam, então, em força.

Avistámos também diversas baleias, quase todas nadando calmamente, acompanhadas pelas crias.

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Não estava nada í  espera deste espectáculo. Aliás, parece que esta é a melhor zona para avistar baleias; em quase todos os outros locais do mundo, as águas do oceano são muito mais agitadas e, para se avistar uma baleia é necessário esperar horas e vomitar várias vezes.

Segundo nos disseram, costuma ser sempre bastante fácil avistar baleias aqui, no golfo Nuevo e hoje ainda foi mais fácil porque não há vento nenhum.

A baleia franca austral é considerada Monumento Nacional Natural.

Para além das baleias e dos golfinhos, avistámos um casal de leões-marinhos que estavam em cima de um rochedo, como se estivessem a posar para os turistas e, claro, muitas aves.

No entanto, ver as baleias, nadando tranquilamente, mesmo junto aos barcos, foi mais um dos pontos altos desta viagem.

Depois das baleias, partimos em busca dos elefantes marinhos, em faro de Punta Delgada. Antes, porém, almoçámos, num restaurante junto ao farol. Comemos um assado de cordeiro patagónico, que dispensava de bom grado; valeram as duas empanadas de carne, que estavam boas.

Para chegar até aos elefantes marinhos, é preciso descer a encosta, até ao mar, através de um trilho mais ou menos íngreme. Lá em baixo, estivemos sentados no areal, em silêncio, observando um macho, o seu harém e os seus filhotes. Aqui, na Península Valdez, é o único local do mundo onde se podem observar estes imenso mamíferos, já que é o único local do mundo onde eles se reproduzem, e exactamente no mês de Outubro. Cada macho alfa pode pesar até três toneladas, e medir 4 a 5 metros e acasala com 10 a 15 fêmeas, embora muitas acabem por acasalar com outros machos periféricos, enquanto o macho alfa descansa, até porque, durante a época de acasalamento, ninguém come – é só fazer amor…

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Durante cerca de meia hora, ali ficámos, em silêncio; apenas se escutavam os cliques das máquinas fotográficas, o chocalhar do oceano sem ondas e aquele ladrar estranho dos elefantes marinhos.

Em seguida, fomos a uma zona da Península, chamada Calheta Valdez, uma estreita língua de água que entra pela terra dentro. Aí, além de elefantes marinhos, há também pinguins. Pelo caminho, vimos maras, um roedor que é uma mistura de coelho e canguru, amarillos, uma espécie de tatu, guanacos, que são os llamas cá do sítio, e nandus, aves corredoras, da família da avestruz e da ema.

Comparada com o haveríamos de ver no dia seguinte, a pequena colónia de pinguins da Calleta Valdez é isso mesmo, pequena. Estes são os chamados pinguins de Magalhães; são muito mais pequenos que os da Antárctida – pesam cerca de 5 kg e não medem mais do que 50 centímetros.

E regressámos a Puerto Madryn, depois de mais este National Geographic ao vivo. Foram cerca de 400 km de estrada, metade em terra batida, e cerca de 11 horas de excursão.

puertomadryn.jpgAntes de jantarmos, ainda demos uma voltinha pela cidade, que é feia e incaracterística. Com uma vista tão espectacular sobre o oceano, aconteceu em Puerto Madryn o habitual: desataram a construir mamarrachos, que estragaram a avenida marginal. Mas o oceano ainda lá está, bem como um céu imenso que parece não mais acabar.

Iguazu – 2

Corremos para o hotel, mudámos de roupa e, í s 14 horas, já estávamos a caminho do Brasil, a bordo do autocarro mais multinacional, até agora: dinamarqueses, franceses, ingleses, mexicanos e, claro, espanhóis. Fomos ver as cataratas, do lado brasileiro. A chatice foi as fronteiras: para sair da Argentina e entrar no Brasil e, depois, fazer o trajecto inverso, perdemos cerca de duas horas. Parece que quanto mais desorganizado é o país, mais burocracia tem.

Valeu a pena visitar Iguaçu, do lado brasileiro.

Embora as passarelas brasileiras não estejam tão próximas das quedas de água, como as argentinas, a visão é mais abrangente e vemos melhor o conjunto das numerosas quedas de água. Fizemos o percurso todo, caminhando cerca de 12 km e estoirámos mais uma série de fotos.

No final do percurso, um elevador leva-nos até a um miradouro, mesmo junto í  queda da Garganta del Diablo. Aí, sim, o fragor das águas é quase assustador. 

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E regressámos.

18.10.07 – Esta manhã ainda andámos cerca de 3 km, deambulando pelas passarelas que, entre as 8 e as 9 da manhã, estavam praticamente desertas, o que nos permitiu tirar fotos í  vontade.

iguazu5.jpgPassámos pelas duas cascatas que caem paralelas e a que chamam “las duas hermanas”. Foi aqui que foi filmado “The Mission”, com De Niro e Jeremy Irons; voltámos a ver o salto Bosseti, onde ontem fomos ensopados; tornámos a ver as quedas na Garganta del Diablo; passámos pelo salto Chico; observámos demoradamente as tais aves que fazem os ninhos por detrás das águas e que não são bem andorinhas – e sentimos um enorme cansaço, não só por causa do dia de ontem, mas também pelo calor e pela humidade.

Iguazu – as águas grandes

O Sheraton fica mesmo em frente í s cataratas, que se vêem do lobby. Saímos logo para uma primeira exploração e, apesar do aviso que dizia que o Parque fecha í s 18 horas, fomos andando, através do caminho que sai aqui mesmo, do hotel, passámos por vários coatis, í  procura de restos de comida e chegámos í  primeira visão das cataratas. Impressionante! 

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As cataratas do Iguaçu são um conjunto de mais de 250 quedas de água, na fronteira entre o Brasil e a Argentina. O rio Iguaçu corre tranquilamente e, de repente, cai. Na chamada Garganta del Diablo, são 1800 metros cúbicos por segundo, caindo de uma altura de 70 metros.

Fomos andando pelas passarelas, até que, pelas 19 horas, um ranger veio dizer que tínhamos mesmo que voltar para o hotel, porque o Parque já estava fechado.

Jantámos no Sheraton, porque não há alternativa: ou se janta no hotel, ou se pagam 100 pesos a um taxista para te levar a Puerto Iguazu, a cerca de 20 km. 

17.10.07 – Foi um dia longo, das 8 da manhã í s 8 da noite, sem almoço. Sempre a andar. A agência “íguas Grandes” (Iguazu), responsável pelo nosso entretenimento, decidiu condensar todo o programa no dia de hoje, antecipando-nos o voo de amanhã para as 12h30.

í€s 8 da matina, começámos a visita das cataratas. Formou-se um grupo de várias nacionalidades, como tem sido habitual e começámos por percorrer o chamado circuito superior. Caminhando ao longo das passarelas, fomos observando os vários braços do Iguazu a precipitarem-se no vazio. As aves e as borboletas multicolores, a floresta densa e algumas curiosidades: um caimão especado, que parecia uma estátua de bronze; uma pequena tartaruga; bandos de borboletas amarelas, esvoaçando de forma aparentemente anárquica.

Aqui, a selva é subtropical e, portanto, tão densa que é impossível penetrá-la, sem a ajuda de uma catana; isto deve-se ao facto de o sol atingir, por igual, toda a vegetação que, assim, cresce em todas as direcções. Na floresta amazónica, por outro lado, as árvores crescem muito, em direcção ao sol e, junto ao solo, o sol não chega, não havendo vegetação rasteira.

A certa altura, apanhámos o pequeno comboio que nos leva até perto da principal queda das cataratas – a Garganta del Diablo. Aí, o ruído das toneladas de água a cair é ensurdecedor. Andorinhas suicidas, que fazem os ninhos por detrás das águas para evitarem os predadores, furam a cortina de água numa azáfama constante. A bruma que se levanta, com o fragor da queda da água e forma uma cortina espessa e húmida. O espectáculo é esmagador. 

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As quedas de água de Vitória, no Quénia, são as mais altas, as do Niágara, são as mais volumosas, mas as de Iguazu são, de facto, as mais “dramáticas”, desde logo pelo número de cascatas, que enchem o horizonte.

Regressámos pelo comboio e partimos para um passeio intitulado “Grande Aventura”. Primeiro, enfiaram-nos numa camião, tipo militar, de caixa aberta e levaram-nos alguns quilómetros, floresta adentro, com uma menina esganiçando-se ao microfone em explicações sobre a vegetação, nomeadamente, sobre o palmito, muito apreciado na Argentina e no sul do Brasil – só que, para se extrair o palmito, a árvore morre. Depois do percurso na selva, descemos uma escadaria construída na encosta e chegámos a Puerto Macuco, um embarcadouro improvisado, no rio Iguazu inferior. O resto do percurso seria em barco de borracha. A coisa complicava-se. Enfiámos as mochilas em sacos impermeáveis, vestimos os coletes salva-vidas e embarcámos. O barco tinha capacidade para cerca de 30 turistas, alguns dos quais, avisados, iam de fato de banho. Não era o nosso caso…

Os primeiros 5 minutos do percurso foram tranquilos mas, depois, começaram os remoinhos e os respectivos solavancos. A certa altura, um dos tripulantes avisa-nos para guardarmos as máquinas fotográficas e logo somos atirados para debaixo de uma cascata. Não estava nada í  espera daquilo e a água fria, caindo assim, de rúpia, em cima da cabeça, deixou-me sem ar. Fiquei logo ensopado até aos tint-tins. E percebemos que, a partir daquele momento, a coisa só podia piorar. Mas não podíamos fugir. E também não queríamos. E pronto: fomos novamente encharcados pela mesma cascata, demos mais umas voltas e reviravoltas, com a malta toda aos gritos e, finalmente, a piéce de resistance: duas investidas nas águas do salto Bosseti, que é um dos maiores das cataratas. Aí sim, o encharcanço foi total e o barco limita-se a passar, por segundos, nos limites da queda de água.

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Desembarcámos, encharcados até aos ossos e só tínhamos cerca de meia hora para trocarmos de roupa.

Bariloche “í  la Suisse”

14.10.07 – o primeiro embate com Bariloche foi um pouco agressivo. Um tipo vem de uma cidadezinha com 15 mil habitantes, e já um pouco desordenada, e aterra numa cidade com 120 mil habitantes, com uma mistura de casinhas “alpinas” e mamarrachos dos anos 50 e 60.

bariloche_centrocivico.jpgDisseram-nos que Bariloche é lindo. Claro que deve ser, ao longo do lago e das montanhas, porque a cidade, í  primeira vista, é feia, embora tenha um centro cívico curioso, construído em redor de uma praça, virada para o lago Nahuel Huapi. Nesta praça, todos os edifícios são de pedra e madeira, austeros e dignos e fazendo lembrar os Alpes (a nós, lembrou-nos, por exemplo, Chamonix ou Annecy).

A partir desta praça, começa a calle Mitre, só com lojas e restaurantes e verdadeiros armazéns de chocolate, gigantescos (o chocolate artesanal é uma das especialidades da região).

Percorremos grande parte desta rua, em busca de uma casa de câmbios que, afinal, estava fechada. Acabámos por trocar dinheiro numa loja de roupa. Verificámos, no dia seguinte, que o tipo que nos trocou o dinheiro era o funcionário da casa de câmbios…

Jantámos no La Marmite, um bife na pedra, que podia ser melhor, mas algo de perdeu, também, na tradução, entre o nosso pedido e a recepção do empregado…

 

bariloche_traful.jpg15.10.07 – não tivemos muita sorte com a nossa estadia em Bariloche. Hoje esteve um frio de rachar (há pouco, estavam 6 graus), caiu uma chuva fria, durante a tarde e levantou-se muito vento. Foi por causa deste vento patagónico, que faz com que as árvores só tenham ramos do lado em que o vento não sopra, que o nosso passeio de hoje, o chamado Circuito Grande, foi encurtado: não fomos ver o bosque de arayanes, uma árvore que tem uma casca parecida com a dos eucaliptos, mas num tom alaranjado. Para ir ver esse bosque, teríamos que navegar durante cerca de uma hora, no lago Nahuel Huapi, cujas águas, devido ao vento, tinham ondas que faziam lembrar o estuário do Tejo, em dia de nortada.

O dia começou í s 8 horas, com o Circuito Grande, a bordo de um autocarro com espanhóis, mexicanos, venezuelanos e dois holandeses. Sempre a grande velocidade, partimos para norte de Bariloche, acompanhando o lago Nahuel Huapi e, depois, o rio Traful, até ao lago e í  vila do mesmo nome. A paisagem faz lembrar os Alpes, sem dúvida, e a vila, com cerca de 300 habitantes, é muito engraçada. Parámos para beber um cacau quente e dar uma volta.

Continuámos, depois, para outra vila, La Angostura, esta já um pouco maior. No inverno, esta é uma estância turística muito concorrida, para se fazer ski e outros desportos de inverno.

bariloche_angostura.jpgAlmoçámos num restaurante chamado Loncomilla (canelones para a Mila e bife do lombo com molho de mostarda, para mim). Depois, deambulámos pela vila até cerca das 14 horas, que foi quando começou a chuva e o vento. Ainda descemos ao porto, mas disseram-nos que não era seguro fazer a navegação.

Regressámos então a Bariloche, passando pelo Messidor, uma espécie de residência de inverno para os presidentes da Argentina.

O regresso foi feito, também, a grande velocidade; o motorista devia estar com pressa para ir a algum lado.

Por isso, Bariloche soube a pouco.

Argentinices

14.10.07

* os passeadores de cães, em Buenos Aires, seguindo um costume nova-iorquino; vimos alguns a passear uma dúzia de cães, das raças mais díspares, e todos muito bem comportadinhos.

* muitos espanholitos em lua de mel; parece ser um bom destino para este fim – bom, bonito e barato, para quem paga em euros.

* muitos cães, em Calafate; aparentemente vadios, mas bem tratados; devem comer os restos dos inúmeros restaurantes da Avenida Libertador.

* sinais de trânsito criativos, que não vi em mais nenhuma parte do mundo. Por exemplo: proibido estacionar – um círculo vermelho contendo um grande “E”, com um traço diagonal, também vermelho, cruzando a letra.

* de repente, Calafate faz-me lembrar a ilha do Sal: um lugar inóspito, pedregoso e poeirento, com pouca vegetação rasteira e com muitas casas inacabadas, algumas em cimento ou tijolo.

* muitos engraxadores, em Buenos Aires; e com trabalho.

* pais e filhos a jogar playstation em lojas que também disponibilizam internet, fax e telefone.

* o mate é a bebida nacional. Bebem-no num recipiente próprio, que parece um almofariz. As folhas do mate são esmagadas nesse recipiente, junta-se água, quente ou fria, e bebe-se por uma espécie de palhinha. Há argentinos que andam, na rua, a beber o mate e com um termo debaixo do braço, para transportar a água quente!

* o doce nacional é dulce de leche, que não passa de leite condensado cosido, segundo informação da Mila. É muito doce, para o meu gosto.

* a carne é óptima, já o disse. O tal bife de chorizo é de comer e chorar por mais. Um bife inteiro é quase meio quilo de carne. Preço do quilo: 30 pesos (menos de 7,5 euros).

* os argentinos vão í s urnas no próximo dia 28, escolher o novo presidente, que deverá ser a Cristina Kirshner, mulher do actual presidente, Nestor Kirshner. A oposição diz que isto é um estratagema. Como o presidente não pode ter mais do que dois mandados consecutivos, o Nestor e a Cristina vão candidatar-se alternadamente; desse modo, o casal pode manter-se no Poder, pelo menos, nos próximos 20 anos.

* os chaços velhos que ainda andam pelas ruas, sobretudo Fiat. As ruas são verdadeiros museus vivos de Fiat 600, 124, 128, 127 e Uno, alguns literalmente presos por cordéis.

“Travessuras da Menina Má”, de Mário Vargas Lolsa

travessuras.jpgFiz de propósito: trazer, para a viagem, dois livros de autores que se exprimem em castelhano. Comecei pelo peruano Llosa.

Este romance não me pareceu tão “sul americano” como outras coisas que li dele, nomeadamente, “A Guerra do Fim do Mundo” e ” Os Cadernos de Dom Rigoberto”. í€s tantas, parecia que estava a ler um romance do Paul Auster. Curiosamente, quase no fim do livro, o protagonista está a traduzir um livro de Auster, “um escritor da moda” e, embora não se lhe refira directamente, parece não lhe dar grande crédito, como escritor. Faz mal, porque este “Travessuras da Menina Má” quase que podia ser um romance de Asuter, não fossem as constantes referências ao Peru e os frequentes diminutivos, tão típicos dos sul-americanos.

O romance conta-nos a história de Ricardo, tradutor-intérprete da Unesco que, desde a infância, no bairro de Miraflores, em Lima, sempre ambicionou viver em Paris. Aliás, era essa a sua única ambição na vida. Conseguiu emigrar para Paris e viver de traduções; a sua vida acabou por se resumir a isso e a uma relação estranha e obsessiva pela tal menina má, alguém que ele conheceu na infância e que foi fazendo diversas aparições, ao longo da sua vida, causando-lhe sempre grande sofrimento. Ricardo sempre esteve apaixonado pela menina má, enquanto ela nunca se apaixonou por ninguém e, da vida, apenas se queria afastar da pobreza que tinha vivido no Peru, e ser rica, muito rica.

Cada nova aventura da menina má é uma nova história. Ricardo serve de fio condutor e de cimento que faz com que as diversas histórias se conectem. De facto, Llosa quase que podia ter escrito um livro de contos, tal a riqueza e a variedade das histórias, dentro desta história: a criança vietnamita, adoptada por um casal de intelectuais franceses, que sofre de mudez psicossomática; o velho Arquimedes, a quem os engenheiros peruanos recorrem para saber onde podem construir esporões para amansar o Pacífico; o pintor falhado que faz fortuna a pintar os cavalos de corrida dos arredores de Londres; o tradutor de origem turca, que tem uma queda inata para as línguas, que faz colecção de soldadinhos de chumbo e se apaixona por um japonesa; e muitas outras pequenas histórias, que Vargas Llosa faz com que se entrecruzem e se choquem, por acção do acaso.

Foi uma boa companhia, durante a primeira semana desta viagem.

Perito Moreno

13.10.07 – Hoje foi o dia do Perito Moreno, o glaciar mais fotogénico dos mais de 300 que fazem parte do Parque Nacional.

Vieram buscar-nos í s 10h e seguimos em direcção ao Parque Nacional. Éramos cerca de 20, quase todos hablando espanhol, excepto nosotros, claro, e um casal de holandeses; de resto, mexicanos, venezuelanos, argentinos e espanhóis.

A guia chamava-se Laura e era muito simpática. Durante o percurso de cerca de hora e meia, foi-nos dando uma série de informações sobre Calafate e os glaciares.

calafate_calafate.jpgCalafate vem de calafetar. Os primeiros colonos, do tempo do Fernão de Magalhães – que, aqui, tomou o nome de Magajanes – quando aqui chegaram, precisavam de calafetar as naus e não tinham árvores de jeito que lhes fornecem a resina de que necessitavam. Socorreram-se, então, de um arbusto rasteiro, cheio de espinhos, que também produz uma espécie de resina. Chamaram-lhe Calafate. Este arbusto, que está por todo o lado, tem agora, na Primavera, uma pequena e singela flor amarela.

Esta pequena cidade, que é a que fica mais a sul, no continente americano – e, por isso se diz que fica no fim do mundo – cresceu muito, nos últimos anos. Desordenadamente, claro. A cidade quadruplicou de habitantes em 10 anos!

Os glaciares não são rios gelados – são massas de neve compactada. Todos os glaciares desta região, nascem a partir de um campo de gelo, situado nos Andes e que é um vale onde a neve se vai acumulando. Nesse lugar, neva cerca de 300 dias por ano. Quando a neve extravasa o tal vale, vai alimentar os diversos glaciares.

Perito Moreno nunca chegou a ver o glaciar com o seu nome. Moreno era um geólogo que foi nomeado pelo governo argentino como perito e seu representante, nas negociações fronteiriças com o Chile, arbitradas pelo rei inglês. Tudo isto se passou nos finais do século 19 e os argumentos do perito Moreno foram de tal modo convincentes, que a Argentina conseguiu vencer o conflito fronteiriço e ficar com a maior parte da zona dos glaciares.

Quando alguém descobriu este glaciar, decidiu dar-lhe o nome do perito Moreno que morreu dois anos depois disso, sem nunca ter visto o glaciar.

Perito Moreno é o glaciar mais conhecido do Parque porque é o mais acessível, sendo visível a partir da terra, em confortáveis passarelas e miradouros e também devido í s suas rupturas. É que este é um dos dois únicos glaciares que avançam sempre (o outro fica no Chile e é quase inacessível): cerca de 7 cm por dia, no inverno. Avança, até que é detido pela montanha, cortando o Lago Argentino, separando o braço Sul do braço Rico. As águas do lago, no entanto, vão fazendo pressão e escavando e, de quando em vez, produz-se uma ruptura no glaciar, abrindo-se um grande túnel de gelo, que acaba por desabar nas águas do lago. A última grande ruptura ocorreu em 2004 e, neste momento, o glaciar já está, novamente, encostado í  montanha, cortando o lago em dois.

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Para além destas rupturas, há sempre a fragmentação de pedaços de gelo, que caem, com fragor, nas águas do lago. Assistimos a duas ou três destas fragmentações. O gelo que se desprende é atirado em todas as direcções e já morreram algumas pessoas, atingidas por lascas de gelo, quando os pedaços do glaciar que se fragmentam são maiores.

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O Perito Moreno apresenta-se ao visitante, depois de uma curva na estrada. De repente, ali, í  nossa frente, aquela enorme massa de gelo, estendendo-se a perder de vista, reflectindo a luz do sol, com intensos tons de azul.

Primeiro, fomos vê-lo de barco. Navegámos durante cerca de uma hora e vimos a fachada norte do glaciar. É impressionante! As formas do gelo, as tonalidades de azul, as texturas, os reflexos, tudo é espantoso e único.

Depois, fomos almoçar. Comemos uma coisa chamada Locro Crioulo, um prato típico da Patagónia e que leva carne, chouriço, grão e feijão branco, embora com formas e nomes diferentes. Não é mau.

E fomos para as passarelas, para ver a fachada sul do glaciar.

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Caminhámos pelas passarelas cerca de uma hora e, í s 16h15, regressámos ao autocarro e voltámos a Calafate.

Como é possível um tipo ficar tempos infinitos a olhar para uma massa de gelo e encontrar sempre motivos de interesse: aquela forma estranha, aquela zona, que parece ter luz própria, o reflexo do sol naquela outra zona – como já disse, o glaciar parece ter vida própria e muda de aspecto, conforme o olhamos daqui ou dali.

Ver o Perito Moreno foi mais uma experiência única, como ver o rio Nilo, a selva Amazónica, a savana do Masai Mara, o rio Li, o Yosemite e o Yellowstone, o Bryce e o Grand Canyons, as Badlands, o Monument Valley, o vale dos Incas…

Voltámos a Calafate para jantar e, desta vez, fomos mesmo í  procura do bife de chorizo. Encontrámo-lo no Casimiro Biguá. Meio bife cada um. Bueno!