“2666”, de Robert Bolaí±o

—Dizia Tom Waits, numa entrevista, há uns anos, que a única profissão que continuava a dar dinheiro, mesmo depois da morte, era a de rock star.

A de escritor, também. Nestes dois últimos anos assistimos a dois exemplos: o jornalista sueco Stieg Larsson, que morreu em 2004, aos 60 anos, de ataque cardíaco, antes de ver o estrondoso êxito da sua trilogia sobre o super-jornalista Mikael Blomkvist e o escritor chileno, Roberto Bolaí±o, morto aos 50 anos, em 2003, de insuficiência hepática, antes de ver o sucesso deste “2666”, já considerado como a primeira obra-prima da literatura do século 21.

Bolaí±o tem algo de comum com as rocks stars: uma vida de excessos, de bolandas de um país para outro, a participação em movimentos radicais, a eventual dependência de heroína, que teria levado í  hepatite C e í  consequente insuficiência hepática, e a consagração como grande autor, depois da sua morte.

“2666” é um calhamaço de 1025 páginas, que me levou meses a ler, aos bochechos, porque tenho mais que fazer e porque a sua leitura não é nada fácil. O livro divide-se em cinco partes e alguns defendem que devia ter sido publicado em cinco volumes separados. Não estou de acordo. Apesar da sua diversidade, “2666” forma um todo coerente, embora seja um intrincado de milhares de pequenas histórias, aparentemente sem grande relação entre elas.

O livro começa e termina com Benno von Archimboldi, um estranho e obscuro escritor alemão, que adoptou um pseudónimo italiano, para escapar a um crime de guerra – e dizer isto é dizer quase nada sobre o núcleo da(s) história(s).

A melhor definição deste livro é dada pelo próprio autor, na página 911, quando diz “a História, que é uma puta simples, não tem momentos determinantes, mas é sim uma proliferação de instantes, de brevidades que rivalizam entre si em monstruosidade”.

Também “2666” não tem um momento determinante, sendo constituído por uma sucessão de pequenos episódios, como se o autor tivesse tricotado as histórias e as fosse unindo umas í s outras.

Uma coisa é certa: nunca li nada de parecido e a leitura de “2666” não deixa ninguém indiferente e deixa marcas. Profundas.

“Casais Trocados”, de John Updike

—Publicado em 1968, a acção de “Couples“, de John Updike, decorre no início dos anos 60 e é pontuada por alguns acontecimentos da política norte-americana, nomeadamente, a crise dos mísseis de Cuba, o assassínio de Kennedy e a indigitação de Jonhson.

A história desenvolve-se em Tarbox, uma pequena localidade costeira de Massassuchets, onde uma série de casais vivem uma intensa vida social, com constantes jantares e festas e jogos de ténis. Nos intervalos, vão para a cama uns com os outros, trocando de pares com algum í -vontade, contrariando o puritanismo protestante reinante, embora mantendo uma capa de respeitabilidade.

Esta aparente liberdade sexual tornou-se mais fácil com o advento da pílula e as jovens mulheres, donas-de-casa ociosas, não se ensaiam muito para experimentarem os dotes sexuais dos maridos das amigas.

O principal herói, é Piet Hanema, um descendente de holandeses, frequentador da igreja, que detém uma pequena empresa de construção e renovação de edifícios e que, í  conta de ir lá a casa ver o que se pode fazer a esta porta empenada ou ao telhado que está partido, vai papando as mulheres dos seus amigos, acabando por engravidar uma delas. Para conseguir uma interrupção da gravidez, oferece a um dentista local, que se encarregaria do acto, uma noite com a sua própria mulher. O dentista aceita e a mulher de Piet também…

A linguagem de Updike é rebuscada e, de repente, crua. Parece que a sua descrição dos actos sexuais, pouco frequente na literatura dos anos 60, acabou por dar mais notoriedade ao livro e Updike foi capa da Time, por isso.

De facto, Updike tanto pode fazer descrições líricas do firmamento, da praia e dos paiús, como esta: 

“Cercava-o o trilar monótono dos grilos. A noite límpida ameaçava gear. A cascata rígida das estrelas parecia ter sofrido um empurrão lateral: Vega, rainha do céu de Verão, já não reinava no zénite, tendo cedido o seu lugar í  pálida Deneb e a uma constelação esfumada em forma de casa.”

Como pode usar uma linguagem explicíta, no que toca ao sexo, como esta pequena passagem:

“Ela puxou-lhe os cabelos, Vem cá para cima. «Vem para dentro de mim». E ele verificava, espantado, ele que ainda na véspera penetrara Foxy Whitman, que não havia cona como a de Angela, nenhuma era tão licorosa e cheia. (…) Tens uma cona celeste.”

É pena que a edição que comprei (Editorial Inova), seja tão pouco cuidada. Alguns erros de tradução são tão gritantes que existem frases que não fazem qualquer sentido e mais parecem erros tipográficos (serão?).

Apesar de ser um romance um pouco datado, vale a leitura.

“Love in Time of the Cholera”, de Mike Newell

—Não sei por que razão ainda não li este livro do Garcia Marquez , publicado em 1985 – e nem sequer o tenho. Mas a história tem, toda ela, a assinatura do escritor colombiano.

O filme, de 2007, é escorreito e Javier Bardem faz um excelente papel, ao contrário da menina Giovanna Mezzogiorno que, para além de ter um par de maminhas interessantes, poucos mais atributos tem, nomeadamente na área da representação.

A pobre da Giovanna é pouco convincente como Fermina Urbino, sobretudo quando a personagem já tem uma idade mais avançada, e as camadas de pó-de-arroz também não ajudam.

Pelo contrário, Bardem faz um Florentino Ariza que nos convence, um sonhador que, na impossibilidade de ter a sua primeira amada, vai coleccionando mulheres e anotando essas experiências com minúcia, ultrapassando as seis centenas.

Outra coisa que faz com que o filme não seja tão interessante como poderia ser é o facto de ser falado em inglês: Bardem é espanhol, Giovanna é italiana, a mãe de Florentino é uma actriz brasileira cujo nome me escapa – e todos eles falam um inglês com sotaque colombiano, o que se torna ridículo.

De qualquer modo, e graças í  história, é um bom entretenimento.

PS – Afinal, encontrei o livro e descobri que o li em 1989… Tenho que começar a tomar as gotas…

“Instruções para salvar o mundo”, de Rosa Montero

—Rosa Montero nasceu em Madrid, em 1951, e é autora de diversos romances. Este curioso “Instruções para salvar o mundo” é a primeira obra da sua autoria que eu leio e agradou-me.

A acção decorre nos subúrbios da capital espanhola e conta-nos a história de três personagens, cujas vidas se cruzam: o taxista Matías, que acabou de perder a sua companheira, vítima de cancro, o médico Daniel, um falhado que terá diagnosticado mal a mulher de Matías e Fatma, uma prostituta africana.

Montero tem uma escrita escorreita e narra esta história com agilidade, embora recorrendo, por vezes, a comparações um pouco forçadas.

Apesar da vida de Matías, Daniel e Fatma ser triste, banal e aparentemente sem esperança, o que é certo é que dois deles conseguem dar-lhe a volta. Todos temos uma segunda oportunidade, pelos vistos. Â«É que a Humanidade divide-se entre aqueles que sabem amar e aqueles que não sabem», como escreve Montero, no final do livro.

“Invisível”, de Paul Auster

invisivelLi críticas que diziam que este era o melhor romance de Paul Auster dos últimos tempos.

Não estou de acordo. Gostei mais de “Viagens no Scriptorium” ou de “As Loucuras de Brooklyn”.

Este “Invísivel” é mais um romance í  Auster, em que se cruzam diversas histórias, que têm princípio, meio, mas não têm fim. De facto, o livro termina abruptamente, muito mais que outros, como, por exemplo, “A Trilogia de Nova Iorque”.

Depois, uma das histórias parece-me um pouco forçada. Auster descreve, de modo muito gráfico, as aventuras sexuais de uma irmão e de uma irmã. Se estava com vontade de descrever práticas de sexo oral, ejaculações e orgasmos diversos, não precisava de pí´s dois irmãos a fazê-lo. O incesto em nada melhora ou faz andar a história e parece, apenas, servir para “épater le bourgeois”.

Por outro lado, ao contrário de muitos outros romances de Auster, parece-me que, neste “Invisível”, as personagens não têm muita substância, o que faz com que as histórias, embora curiosas e inteligentes, acabem por soar a pouco verosímeis.

Enfim, achei o Paul Auster em baixo de forma.

“A Sabedoria e o Humor de Oscar Wilde”

citacoes_oscarwildePareceu-me um bom investimento, comprar este livrinho, onde estariam compilados, por temas, os principais aforismos de Oscar Wilde.

O problema é que esta é uma edição muito pouco cuidada.

Diz a capa que a compilação pertence a Loureiro Neves.

í“ Sr. Neves, explique-me lá isto:

Na página 15, no capítulo Amor, pode ler-se esta citação: «um homem pode viver feliz com qualquer mulher, desde que não a ame».

Mais í  frente, na página 33, no capítulo Casamento, lê-se esta citação: «qualquer homem poderá ser feliz com uma mulher, contanto (sic) que não a ame».

Na página 45, no capítulo Estados Unidos, lemos: «A juventude da América é a sua mais antiga tradição. Dura, pelo menos, há uns trezentos anos».

Logo na página a seguir, esta outra, tão diferente da anterior: «A juventude da América é a sua mais velha tradição – dura há trezentos anos».

E há mais exemplos como este, para além de outras situações em que a tradução das frases de Wilde é confrangedora.

Salvam-se as grandes frases de Oscar Wilde. Alguns exemplos:

«Todos os incapazes de aprender, resolveram ensinar – foi a isso que chegou o nosso entusiasmo pela educação».

«Dado o carácter do jornalismo actual, a profissão de espião deixou de fazer sentido».

«O cínico é aquele que conhece o preço de tudo, mas não sabe o valor de nada».

«Não tenho nada a declarar, a não ser o meu génio».

«Tenho os gostos mais simples do mundo – contento-me com o melhor».

«Sei resistir a tudo menos í s tentações».

“A Rainha no Palácio das Correntes de Ar”, de Stieg Larsson

milenium3Três dias de gripe A (ou B…) e umas 9 horas de leitura e acabei com a trilogia “Millenium”, do sueco Stieg Larsson.

O 3º volume é, muito provavelmente, o mais interessante dos três calhamaços. É neste volume que se atam todas as pontas soltas que envolvem a estranha e aventurosa vida de Lisbeth Salander, uma hacker super-dotada, filha de um espião russo que trabalhava para uma secção muito especial dos serviços secretos suecos, í  revelia das próprias autoridades e mais, e mais…

O argumento é astucioso e tem suspense suficiente para nos agarrar e, a dado passo, até nos esquecemos que tudo isto se passa na Suécia e não em Nova Iorque ou Miami.

Continuo a achar que o escritor não conseguiu eliminar partes do livro que são perfeitamente dispensáveis. Por exemplo, este naco:

“Meteu-se no Volvo e dirigiu-se ao centro da cidade, onde bifurcou, por Stora Essingen e Grondal, para Sodermalm. Meteu pela Hornsgatan e chegou í  Bellmansgatan pela Brannkyrkagatan. Virou í  esquerda na Tavastgatan, próximo do pub Bishop’s Arms, e estacionou junto í  esquina”.

Bem sei que todas estas indicações conferem alguma realidade í  coisa, mas que me interessa a mim o percurso que o tipo fez para chegar ao pub? E para quem não conhece Estocolmo, o escritor podia ter posto ali outros nomes quaisquer, que era igual ao litro.

E existem longos parágrafos com descrições semelhantes, o que acaba por quebrar um pouco o ritmo í  história. Mantendo a mesma história e reduzindo o tamanho dos livros, Larsson conseguiria um efeito ainda mais explosivo.

Mas enfim, foi um bom companheiro nestes três dias de gripe, em que o ânimo não daria para obras de outro fí´lego.

“Leite Derramado”, de Chico Buarque

leitederramadoUm homem muito velho está na cama de um hospital, vivendo os últimos dias da sua longa vida e vai desfiando as suas memórias para alguém (a filha, uma enfermeira, alguém que passa…)

As suas memórias começam no tempo em que, descendente de portugueses, vivia num casarão de ricos e vai por ali fora, de geração em geração, da riqueza í  miséria, até seu tetaraneto que, pelos vistos, trafica cocaína.

Os episódios da sua vida vão-se confundindo na sua memória já muito usada, mas o episódio fulcral é o do seu casamento com Matilde e do desaparecimento desta: fugiu com um amante, suicidou-se, morreu de doença grave?

“Leite Derramado” é um texto notável, um monólogo que vai avançando e recuando, para avançar novamente e que se lê de um fí´lego.

“A Rapariga que Sonhava com uma Lata de Gasolina e um Fósforo”, de Stieg Larsson

millenium2Este segundo volume da trilogia “Millenium” é mais fraco que o primeiro.

Stieg Larsson, o tal escritor sueco que entregou estes três calhamaços para publicação e, depois, morreu de ataque cardíaco, enche algumas páginas com “palha”, conversa mole, em que nada acontece, como este naco:

“Dormiu até quase ao meio-dia. Quando acordou, decidiu que era mais do que tempo de mudar os lençóis. Passou a tarde de sábado a limpar o apartamento. Levou o lixo para fora e juntou os jornais em dois sacos de plástico que deixou no papelão. Fez uma máquina de roupa interior e t-shirts, e a seguir outra de jeans. Encheu a máquina de lavar loiça e pí´-la a funcionar. Finalmente, aspirou e lavou o cão. í€s nove da noite, estava encharcada em suor. Preparou um banho, com montes de espuma. Recostou-se na banheira e fechou os olhos, para pensar. Acordou í  meia-noite, e a água estava fria. Secou-se e foi para a cama. Adormeceu quase instantaneamente.”

Sabendo que a senhora que fez todas estas coisas é a “hacker” Lisbeth Salander, perita em artes marciais e capaz de torturar bandidos e dar tiros a calmeirões, soa um bocado a falso e conversa para encher chouriços.

O outro herói, continua a ser o super-jornalista Mikael Blomkvist e, neste 2º livro da trilogia, o tema é tráfico de mulheres.

Sinceramente, quase que não me apetece ler o 3º volume…

“Como o Acaso Comanda as Nossas Vidas”, de Stefan Klein

comooacasoStefan Klein é um biofísico alemão que se dedica ao jornalismo científico e é considerado, por António Damásio, como “o mais importante escritor sobre Neurociência, na Alemanha”.

Portanto, este “Como o Acaso Comanda as Nossas Vidas” (“Alles Zufall” – Tudo Acaso, em alemão) é um livro muito mais sério do que a capa da edição portuguesa faz prever.

Em resumo, Klein tenta provar que o acaso não só faz parte da nossa vida, como determina a maioria das decisões e dos acontecimentos. Cabe-nos, a nós, estarmos preparados para ele, tentando tirar o máximo partido do acaso.

Recorrendo í s conclusões de inúmeras experiências de outros investigadores, Klein vai mostrando que devemos estar mais atentos ao acaso e passar a contar com ele, como se fosse algo de planeado.

E ser positivo, sempre. Um exemplo:

“(…) se uma pessoa em cada dez mil está infectada com o VIH e em 99,99 por cento das vezes o teste da Sida dá o resultado correcto, o que significa então o resultado de um teste positivo? “Que a pessoa em questão adoeceu irremediavelmente”, responderia qualquer um de nós e sentir-se-ia esmagado se fossemos nós próprios a receber a notícia. De facto, porém, ainda não há motivo para desesperar: o perigo de que a triste notícia se confirme é apenas de 50%. Se, entre dez mil pessoas, uma tiver Sida, o teste acusará de certeza positivo. Entre as 9999 que não estão infectadas, 99,99 por cento, portanto 9998 pessoas, obterão um resultado negativo. Mas, no caso de uma pessoa saudável, o teste irá falhar e acusar “positivo”. Entre as dez mil pessoas que foram testadas, duas serão confrontadas, portanto, com um resultado positivo: uma que se encontra, de facto doente, e outra saudável. Isto quer então dizer que, no caso de um resultado positivo, as possibilidades de estar ou não infectado, são idênticas.”