“Um cisne selvagem e outros contos”, de Michael Cunningham (2015)

O autor de As Horas decidiu reescrever alguns contos de fadas e duendes e saiu-se muito bem.

cisne celvagemEste Um Cisne Selvagem, com ilustrações de Yuko Shimizu, lê-se de uma penada e sempre com um sorriso nos lábios.

í€ medida que vamos lendo as histórias, vamos reconhecendo as personagens e os truques de fantasia que conhecemos na infância: a Bela Adormecida, a Bela e o Monstro, as maçãs envenenadas, o feijoeiro mágico, os gigantes, os anões e as bruxas.

São onze pequenos contos, que terminam com um felizes para sempre, como todas as histórias de encantar.

Vale a pena.

Conversas em Família nunca mais! 25 de Abril sempre!

E é por isso que, para mim, o 25 de Abril será sempre recordado!

Ora tomem lá alguns excertos da Conversa em Família, do Presidente do Conselho, Marcello Caetano, de 4 de Julho de 1972 (recordo que esta Conversa era transmitida pela RTP, canal único de televisão; o sr. Presidente estava sentado num cadeirão, ao lado de uma lareira e falava-nos em tom professoral e condescendente, como qualquer ditador bom, por oposição ao ditador mau, o que tinha caído da cadeira):

Desde que o Senhor Almirante Américo Thomaz se presta ao sacrifício de continuar a exercer a Presidência da República, onde, dom tanta dignidade e devoção, tem servido os supremos interesses do País, só temos de agradecer a Deus o não sermos forçados a difíceis opções.”

Sobre a guerra colonial:

“Guerra colonial?
O sentido da frase é só um: chamou-se assim í s campanhas outrora sustentadas por uma potência para submeter um território ao seu domínio, combatendo a rebelião das populações ou anexando países em estado primitivo.
Ora é fácil de ver que nada disso se verifica no Ultramar português.
Os territórios das províncias ultramarinas estão em paz e ninguém neles contesta a sua integração na Nação portuguesa.
Percorre-se a Guiné, anda-se pela vastidão da terra angolana, desloca-se quem quer que seja de lés a lés de Moçambique e não encontra populações revoltadas.
A vida decorre, por toda a parte, tranquila e normal, num ambiente de trabalho e de entendimento exemplares.
…e se a paz está perturbada, isso deve-se í s guerrilhas que sem o apoio político, financeiro e militar de potências estrangeiras, teriam desaparecido há muito”.

E Marcello sabia como se deviam construir as sociedades africanas:

“As sociedades africanas têm que ser construídas fraternalmente pelos brancos e pelos pretos, fornecendo uns a sua experiência e tecnologia, e dando os outros os elementos válidos da sua cultura.”

As Conversas em Família foram alguns dos momentos mais tristes de uma ditadura saloia, pobre, isolada e envergonhada.

Tia Teodora

O Conselho Superior de Finanças Públicas discorda do Plano de Estabilidade do governo.

A presidente ou directora do Conselho, aquela senhora que parece uma daquelas velhotas que vende peúgas í  porta dos Mercados Municipais, alertou para os perigos do Plano, para a inconsistência dos números, para o irrealismo das projecções.

Pelos vistos, Centeno não é credível e Costa é um lírico.

Em resumo: estamos tramados – as contas estão todas erradas, vamo-nos afundar, a dívida vai aumentar e, no final da legislatura, estaremos a pedir um novo resgate.

E parece que o Costa deu alguma coisa a beber ao Marcelo, porque ele anda todo contente a apanhar morangos no Alentejo e a comer presunto na Ovibeja, como se tudo estivesse a correr de feição.

Teodora – tens que ser mais sonora!

Fala mais alto, grita, se necessário.

Ou então, reforma-te (já deves ter idade para isso…)

teodora cardoso

 PS – E se o Centeno estiver certo?…

Bofetadas, chapadas, estalos, borrachos, galhetas e similares

Já toda a gente conhece a história.

Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente, escreveram crónicas, que saíram no Público, em que desancavam o ministro da Cultura, João Soares.

Em resposta, o ministro foi ao seu Facebook e ofereceu a ambos os senhores, dois pares de bofetadas.

O alarido foi tal que, hoje mesmo, Soares pediu a demissão e António Costa aceitou.

Quer dizer: o governo anterior tirou quase tudo e passou incólume e quando, neste governo, aparece um ministro a oferecer algo, é demitido.

Está mal.

Mas o que me interessa não é bem o episódio em si mesmo, mas sim a linguagem.

Já repararam que as bofetadas se dão, enquanto os estalos, por exemplo, se pregam?

Sempre aos pares, como os polícias, damos um par de bofetadas, mas pregamos um par de estalos.

Já os borrachos, levam-se. Se não estás quieto, levas um borracho.

As chapadas e as galhetas, por seu lado, podem dar-se ou levar-se, é indiferente.

A história das chapadas tem mais de dois mil anos.

Como se sabe, também Cristo levou uma chapada e até ofereceu a outra face, para levar outra, e não protestou, como este bando de filisteus, que ficou tão ofendido por um ministro gostar de dar porrada.

E Soares até foi elegante porque ofereceu bofetadas, em vez de socos, murros, chutos ou pontapés.

O ex-ministro defendeu-se, dizendo que respondeu a insultos e não a críticas.

De facto, se lermos a crónica da Vasco Pulido Valente (a de Augusto M. Seabra não interessa para nada, nem sequer sabemos a que se refere o M do nome…) – ao lermos a tal crónica, verificamos que ele chama verbo de encher a João Soares.

O que raio será um verbo de encher?

Encher já é um verbo!

Enfim, Vasco Pulido Valente quereria dizer que Soares é incompetente e foi nomeado para o governo só para encher, para fazer número.

Soares não gostou e ofereceu-lhe as tais bofetadas, caso o encontrasse por aí.

António Costa veio dizer que os ministros, até í  mesa do café, não se podem esquecer que são ministros.

E Soares demitiu-se.

Agora que já não é ministro, já pode procurar o Vasco Pulido Valente e, deixando de ser polido, e mostrando que é valente, assestar-lhe um par de bofetadas bem dadas.

“Música para aguardente”, de Charles Bukowski (1983)

Ora aqui está um livro que deve ser lido aos poucos, já que, todo de seguida, de certeza que acaba por aborrecer.

charles-bukowskiCharles Bukowski (1920-1994) escreve sobre personagens desesperados, desiludidos da vida, mortos-vivos que se arrastam pelas noites de Los Angeles, de bar em bar, do motel andrajoso para a corrida de cavalos e daqui para outro bar com cheiro a mofo.

As  cerca de trinta histórias reunidas neste volume, datado de 1983, cheiram a álcool e a tabaco e a linguagem explícita torna-as ainda mais cruas e feias e porcas e más.

Exemplo (página 184):

musica para aguardente“Os cães corriam de um lado para o outro e a Honeysuckle continuava de pé, no meio do quarto, com o papagaio ao ombro. Ela era morena, talvez italiana ou grega, muito magra, com papos debaixo dos olhos; tinha um ar trágico, gentil e perigoso, acima de tudo trágico. Pousei o whiskey e a cerveja na mesa e todos avançaram na sua direcção. O H.R. começou a sacar as caricas das garrafas de cerveja e eu comecei a sacar o lacre ao whiskey. Uns copos poeirentos apareceram por ali, juntamente com vários cinzeiros. Através da parede í  nossa esquerda ribombou subitamente uma voz masculina: «Sua puta do caralho, quero que comas a minha merda!».

Sentámo-nos e eu distribuí o whiskey. O H.R. passou-me um charuto. Eu tirei-o da embalagem, mordi a ponta e acendi-o. 

– Que achas da literatura moderna? – perguntou-me o H.R.

– Não gosto muito dela.”

Outro exemplo (página 225):

“Leslie sentou-se com um scotch com água. Na rádio estava a passar Copeland. Bem, Copeland não era grande coisa, mas era melhor do que Sinatra. Temos de aceitar o que a vida nos dá e temos que tentar fazer com ela o melhor que pudermos. Era o que velho dele lhe dizia. Que se foda o velho dele. Que se fodam todos os fanáticos por Jesus. Que se foda Billy Graham e que vá levar no pacote.

Bateram í  porta. Era Sonny, o puto louro que vivia do outro lado do pátio. Sonny era meio homem e meio pila e estava baralhado. A maior parte dos tipos com pilas grandes tinham problemas quando a foda acabava. Mas Sonny era mais simpático do que a maioria; era meigo, era gentil e tinha alguma inteligência.”

E é este o tom de todas as histórias que, na sua grande maioria não têm propriamente um fim, mas são apenas descrições de bebedeiras, engates e coisas que acontecem a esta malta.

No mínimo, curioso…

O Castro Laboreiro que há em nós

“Nunca houve uma choldra assim no universo!”, dizia Eça de Queiroz, pela voz de uma das suas personagens de Os Maias, referindo-se a Portugal.

País de provincianos.

Invejosos dos tiques dos citadinos, envergonhados das suas tradições, novos ricos.

Portugal é lindo, o povo nem por isso.

Todo este azedume vem a propósito de tudo e de coisa nenhuma.

O presidente Marcelo Rebelo de Sousa tem um cão, um pastor alemão chamado Asa, oferta da Força Aérea.

A este propósito, Américo Rodrigues, vice-presidente da Associação Portuguesa do Cão de Castro Laboreiro, disse ao Público:

“Nada nos move contra o Pastor Alemão ou qualquer outra raça. Mas isto de o Presidente ter um cão de raça estrangeira em Belém é como fazer um brinde com whisky numa cerimónia oficial, em vez de o fazer com vinho do Porto ou um Madeira”

Provinciano, menino! – como diria o Eça.

Ainda por cima, vindo de um tipo que não se chama Manuel nem António, mas Américo!

 

Sol encoberto

O Sol é um jornal de direita.

Isto já toda a gente sabe.

Mas é, sobretudo, um mau jornal.

No que respeita a Comunicação Social, é quase tão mau como o Observador.

E só não é tão mau como o Observador porque só sai aos sábados, enquanto que o Observador está sempre on line.

Como sou masoquista, continuo a receber as mensagens do Observador, que são apenas de dois tipos: desgraças e coisas contra o governo do Costa…

Durante muitos meses, o Sol foi o jornal pró-Passos Coelho e anti-Sócrates.

Depois de Passos conseguir ser primeiro-ministro, o semanário passou a ser só anti-Sócrates.

Semanas a fio a palavra Sócrates figurava sempre na primeira página do Sol.

solcratesDe tal modo, que sugeri que mudasse de nome.

De Sol para Solcrates.

Agora, o Sol vive momentos difíceis.

Passos ganhou as eleições mas perdeu o governo.

Os partidos de esquerda entenderam-se e, pela primeira vez desde 1974, aprovaram o mesmo Orçamento.

Para cúmulo, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa parece estar a entender-se com António Costa.

Esta semana, Passos Coelho criticou Costa por se meter com a Banca, mas Marcelo veio em defesa do primeiro-ministro e, como disse Pacheco Pereira, deu uma grande estalada no líder do PSD.

Esta situação mereceu a atenção do Sol, com título de primeira página, que rezava assim:

“Esquerda desconfia do apoio de Marcelo ao governo”!

Não escolheram: “Direita zangada com Marcelo por apoiar governo”.

Ou: “Marcelo traidor!”.

Ou: “Passos decide expulsar Marcelo do PSD devido ao seu apoio ao governo”.

Não.

O Sol virou o bico ao prego e atirou com o odioso para a esquerda.

Jornalismo de merda, é o que é…

63 anos

Sou do tempo em que os iogurtes vinham em frascos de vidro que tínhamos que devolver ao comerciante porque tinham tara e em que o leite e o pão eram vendidos de porta a porta.

Sou do tempo em que era preciso uma licença para usar isqueiro em público e em que os homens tinham que obter uma licença militar para poder sair do país, mesmo que fosse para fazer turismo.

Sou do tempo  em que a televisão era a preto e branco, só tinha um canal e a emissão fechava antes da meia-noite com o hino nacional.

Sou do tempo  em que se podia comprar cigarros avulso e se podia fumar em todo o lado, nos transportes públicos, nos cinemas, na televisão, em directo, até nas enfermarias.

Sou do tempo  em que as equipas de futebol jogavam com os mesmos onze jogadores, do princípio ao fim do jogo, não sendo permitidas substituições.

Sou do tempo  em que os preservativos eram reutilizados, não havia pensos higiénicos e as fraldas eram de pano.

Sou do tempo em que se vendiam grilos dentro de pequenas gaiolas de plástico, que depois alimentávamos com alface.

Sou do tempo em que escrevíamos em máquinas de escrever com fitas bicolores que se enrodilhavam com frequência e, se queríamos uma cópia, usávamos papel químico.

Sou do tempo em que usávamos protectores de metal nas solas dos sapatos e quando, mesmo assim, as solas se rompiam, o sapateiro punha meias-solas.

Sou do tempo  em que, nas capelistas, se apanhavam malhas nas meias de vidro com uma máquina que tinha uma espécie de vareta de metal, na ponta de um fio, e que fazia um barulho tipo besouro.

Sou do tempo em que havia uma capelista em cada bairro e havia também funileiros, que arranjavam tachos e panelas, metendo-lhes asas ou fundos novos.

Sou do tempo em que as agulhas das seringas eram fervidas antes de serem usadas novamente.

Sou do tempo em que telefonar para o estrangeiro só era possível com a ajuda de uma telefonista.

Sou do tempo em que os discos tinham 78 rotações e em que gravávamos músicas em fitas magnéticas.

Sou do tempo em que, para chamar o guarda-nocturno, se batiam as palmas três vezes.

Sou do tempo em que a maioridade se obtinha aos 21 anos e se as pessoas se quisessem casar antes dessa idade, precisavam do consentimento dos pais e de duas testemunhas.

Sou do tempo em que a única maneira de ir directamente de Lisboa a Cacilhas era de barco porque, para ir de carro, tinha-se que ir por Vila Franca de Xira.

Sou do tempo em que faltávamos í s aulas para ir para a porta dos liceus femininos ver as miúdas saírem.

Sou do tempo  em que o açúcar e outros produtos de mercearia eram vendidos avulso, em cartuchos de papelão, que tinham um cheiro peculiar quando chovia.

Sou do tempo em que as cuecas de homem todas tinham abertura í  frente e as camisas, esticadores nos colarinhos.

Sou do tempo em que, na Baixa, havia, pelo menos dez  cinemas, a saber: Condes, Éden, í“deon, Politeama, S. Jorge, Tivoli, Chiado Terrasse, Ideal, Central e Olympia.

E é por essas e por outras que já tenho 63 anos!