“A Morte do Comendador”, de Haruki Murakami (2017)

Os livros de Murakami deixam-me ambivalente. Por um lado, a sua escrita simples, directa, quase coloquial, a sua capacidade para contar histórias, fazendo-as correr suavemente, como se fosse fácil, cativam-me – e a prova é que li este primeiro volume de uma penada.

Por outro lado, esta “mania” que Murakami tem de misturar a realidade com cenas do Outro Mundo, irrita-me um bocado.

Foi por isso que, depois de ler, de enfiada, Em Busca do Carneiro Selvagem, Kafka í  Beira-Mar , e A Rapariga que Inventou um Sonho, fiquei farto de Murakami por sete anos.

Recaí agora.

A Morte do Comendador conta-nos a história de um pintor retratista de 36 anos, recém divorciado, que se retira para as montanhas, para uma casa que pertenceu a outro pintor, já falecido. No sótão dessa casa descobre um quadro intitulado A Morte do Comendador.

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Entretanto, trava conhecimento com um homem muito rico e pinta o seu retrato. Durante a noite, ouve um sino e descobre que o som vem de uma espécie de cripta. Ele e o seu novo amigo conseguem escavar a tal cripta e, aparentemente, está vazia mas, dias depois, o pintor é visitado por um ser do Além, vestido como o comendador do quadro.

Estão a ver por que me irrito com Murakami?…

Quanto í s frases feitas, são í  pazada. Por exemplo, só nas páginas 122 e 123, encontrei: insistir na tecla, nunca as vira mais gordas, como tínhamos vindo ao mundo, estás mortinho por saber, vender o seu peixe.

E no entanto… e no entanto, vou ler o segundo volume e depois digo alguma coisa…

Páscoa

Era domingo de Páscoa e Santiago conhecia a rotina: de manhã, iam í  missa pascal, depois almoçava-se o cabrito e, í  tarde, havia caça aos ovos, no jardim da moradia onde vivia com os pais e os empregados (já sabia que não os devia chamar de criados…).

A mamã de Santiago era muito católica e, paras ela, a Páscoa era sagrada.

Este domingo, no entanto, ia ser um pouco diferente porque o papá não estaria presente, mais uma viagem de negócios, a juntar a muitas outras que tinham acontecido nos últimos tempos. Talvez fosse por isso que a mamã andava triste, parecendo não ligar muito ao que se passava í  sua volta; o que valia era a Palmira, a criada, perdão, a empregada de muitas décadas, que mantinha as coisas a funcionar. Se não fosse ela, não haveria cabrito nesta Páscoa, certamente…

Durante a missa, Santiago manteve a mamã sob escrutínio, mas não detectou, no seu rosto, nenhuma emoção, a não ser na altura da comunhão ““ então, pareceu-lhe ver uma lágrima e, nessa altura, apertou mais a mão da mamã. Santiago tinha apenas oito anos e não percebia muito bem essas coisas, mas era óbvio que as viagens de negócios do papá estavam a perturbar a mamã.

Terminada a missa pascal, e depois de beijarem a mão do senhor padre ““ coisa que Santiago abominava porque a mão do padre sabia a lixivia, rumaram a casa, onde almoçaram o cabrito em silêncio. Santiago comeu pouco porque não gostava daquela carne e a mãe apenas tasquinhou, com ar ausente.

Mas chegou o momento da caça aos ovos e Santiago estava feliz, com os amiguinhos que tinha convidado, todos do Colégio do Sagrado Coração. Eram dez meninos, ao todo, e os respectivos papás e mamãs; entre eles, estava o Gonçalo, o único menino que era filho de papás divorciados.

A mamã de Santiago não tinha gostado muito deste convite; como boa católica, não aprovava o divórcio, mas Santiago tinha convencido a mamã: o Gonçalo era um dos seus melhores amigos e não tinha culpa que os pais se tivessem divorciado.

Gonçalo chegou, acompanhado pelo pai, um quarentão bem parecido, com aspecto de não estar nada preocupado com o recente divórcio.

E começou a caça aos ovos, que a fiel Palmira escondera entre as sebes e os canteiros de flores do vasto jardim.

Os meninos dispersaram, em busca dos ovos e Santiago e Gonçalo, de saco a tiracolo, já tinham encontrado três ovos. Os miúdos formavam uma boa equipa e queriam ser os campeões.

Foi quando se aproximaram da garagem que ouviram uns gemidos que pareciam um miar de gato. Estranho, disse Santiago, a mamã detesta gatos!…

Pela porta entreaberta da garagem, os miúdos depararam com a mãe de Santiago deitada sobre o capí´ do Porsche do papá e, em cima dela, o papá do Gonçalo, investindo.

Era a mamã que gemia e, depois, sorria com gargalhadas pequeninas. Houve um momento de pausa, e o papá do Gonçalo voltou a investir e, passados alguns segundos, a mamã do Santiago gargalhou novamente.

Feliz, Santiago pensou que, quando o papá chegasse da viagem de negócios haveria de lhe dizer que o papá do Gonçalo tinha conseguido finalmente fazer a mamã rir-se.

Duas vezes, Santiago… duas vezes…

Saudade de Pedra, fotos de Jorge Guerra

Exposição patente no Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, na Rua da Palma (entrada livre).

Jorge Guerra nasceu em 1936 e vive no Canadá; fotografa desde sempre e fez diversas exposições, um pouco por toda a Europa, e não só.

Esta Exposição reúne cerca de uma centena de fotos, todas a preto e branco, feitas em 1966 e 1967.

São fotos de pessoas, fotografadas sem o saberem, em vários locais de Lisboa, Feira da Ladra, Terreiro do Paço, Jardim 9 de Abril, Rocha de Conde de í“bidos, etc.

Todas as pessoas aparentam estar tristes, macambúzias, zangadas com a vida. As mulheres, invariavelmente, usam lenço na cabeça; os homens, boné ou chapéu. Nos jardins, os reformados parecem esperar a morte em pé. Diz o Jorge Guerra, no texto distribuído: “o México pode ser pobre, mas não é tão triste”.

Claro que as fotos são datadas. Em 1966/67, vivíamos sob um ditadura e o país era triste e cinzento, como estas fotos de Jorge Guerra. Hoje, pelo contrário, ao passearmos pelos locais fotografados por Guerra, só vemos gente feliz, alegre, com roupas coloridas… é verdade que a maioria não são portugueses, mas, mesmo assim, a diferença é notória.

Vale a pena visitar esta Exposição.

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A greve

No segundo dia da greve dos motoristas de transporte de matérias perigosas, Vitorino ouviu nas notícias que um determinado posto de combustível iria ser abastecido.

Embora não andasse de carro há mais de uma semana, dirigiu-se para o referido posto e colocou-se na fila que já se formara.

Durante seis horas esperou pela sua vez, entretendo-se a fazer cruzadex.

Vitorino estava reformado e raramente usava o carro, que estava estacionado em frente ao prédio onde residia, devidamente tapado com uma cobertura que comprara no século passado e que, apesar de ter alguns rasgões, ainda servia muito bem o propósito de proteger a pintura.

Vitorino tinha até pensado em vender o carrito, mas quem iria pegar num chaço com mais de trinta anos?

Depois das seis horas de espera, Vitorino conseguiu atestar o depósito e encheu também um jerrican de 25 litros porque nunca se sabe…

Quando chegou í  praceta, o lugar para o carro ainda lá estava. Há gente com muita sorte. Estacionou o veículo, cobriu-o com a capota e levou o jerrican com gasolina para casa, guardando-a na despensa.

Três meses depois, quando o prédio ruiu como um castelo de cartas, ninguém percebeu o que tinha causado tamanha explosão…

Trabalhar até í  morte!

A Fundação Francisco Manuel dos Santos preocupa-se muito com a sociedade portuguesa…

Como se diz nos seus estatutos, a Fundação tem por missão estudar, divulgar e debater a realidade portuguesa, de um modo livre e independente. O seu fundador, Soares dos Santos, neto de FMS e dono da Jerónimo Martins (Pingo Doce, entre muitas outras coisas), é o garante dessa liberdade e independência. Ele, que despreza a classe política, quer ajudar o nosso país e, por isso mesmo, sediou a sua empresa na Holanda, pagando lá os impostos.

Pois a Fundação encomendou um estudo sobre a Segurança Social. Esse estudo afirma que o sistema de pensões vai í  falência em breve, a menos que a idade da reforma passe para os 70 anos.

Numa altura em que diversas classes profissionais (professores, enfermeiros) reivindicam a reforma aos 55 anos, esta proposta da Fundação Pingo Doce só pode dar vontade de rir.

Apetece mesmo dizer ao chato do sindicato dos professores e aos diversos chefes dos muitos sindicatos dos enfermeiros para irem ter com o Soares dos Santos e pedir-lhe satisfações.

Se ver um polícia de 60 anos correr atrás de um ladrão já é um fartar de rir, que dizer de um gnr de 70?

E que dizer de um professor de História, daqueles muito chatos e com Alzheimer? Quem aguenta uma aula de História dada por um professor desses, com 69 anos?

Há quem diga que a Fundação encomendou este estudo para criar, na opinião pública, a ideia de que a Segurança Social só se safa com a privatização.

No futuro, talvez, ao ires ao Pingo Doce, possas comprar duas embalagens de Chocapic e receber, como prémio, um Plano Complementar de Reforma.

Poderás então dizer que, se te quiseres reformar, terás que ir ao sítio do costume…

Schostakovich e a morte de Estaline

Foi este o título genérico escolhido para o concerto de ontem da Orquestra Metropolitana de Lisboa, na Reitoria da Aula Magna da Universidade de Lisboa.

Dois autores em foco: um, que não esteve para aturar o Estaline e emigrou para os States – Rachmaninov; e outro, que aguentou, ficou na União Soviética e encaixou as críticas, nomeadamente as do Congresso Nacional de Compositores soviéticos, que considerou, em 1948, a sua música formalista e adversa aos desígnios da Revolução.

Rachamninov, nos Estados Unidos, deu largas ao seu romantismo e ontem assistimos í  execução do seu concerto para piano nº4, com António Rosado ao piano. Irrepreensível.

No final, como encore, Rosado tocou uma composição de Debussy, autor de que é especialista.

—Mas, para mim, o melhor do concerto foi a segunda parte: a 10ª Sinfonia de Schostakovich.

Já a tinha visto, ao vivo, no Teatro São Luiz, nos anos 70 do século passado. Lembro-me que, nessa altura, sentados no 2º balcão, ficámos estarrecidos com a energia desta sinfonia. Mesmo no final, o músico encarregado da tarola, no frenesim de atacar o instrumento, perdeu uma baguete.

Ontem, também um segundo violino viu uma das suas cordas não aguentar a refrega a que é sujeita no último andamento e rebentar!

Segundo o folheto distribuído na aula magna, o segundo tema melódico do terceiro andamento, deriva do nome do compositor (D-S-C-H, isto é Ré, Mi bemol, Dó, Si). Mais í  frente, a trompa irrompe com outro tema melódico, que terá sido inspirado pelo nome da sua aluna, porque quem estava apaixonado – E-Lá-Mi-Ré-A, isto é, Elmira (Nazirova).

Individualismo? Onde está o povo? – diria Estaline. Só que o ditador já estava morto quando Schostakovich compí´s esta sinfonia.

O mesmo texto distribuído acrescenta que as sinfonias deste compositor “são propensas a uma obstinação que se afunda em angústia e resiliência, mas também são capazes de exaltações épicas, ou de embalarem no doce encanto da afectação melódica” (texto de Rui Campos Leitão).

Estou totalmente de acordo. Ao escutar esta 10ª Sinfonia de Schostakovich senti exaltação, angústia, raiva, opressão, libertação, alegria e, sinceramente, emocionei-me, como já tinha acontecido há 40 anos!

A Orquestra Metropolitana de Lisboa foi muito competente, sob a batuta do enérgico Pedro Neves.

Cinco estrelas!

Bolça Bolsonaro

O Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, continua a bolçar idiotices.

Para além do facto de ser boçal, falando aos solavancos, como quem cospe as palavras, profere alarvidades difíceis de acreditar.

Recentemente, quis comemorar a data que marca o início da ditadura militar no Brasil. Diz a criatura que país que esquece o seu passado, não tem futuro. Neste momento, o que muitos brasileiros gostariam era de esquecer o presente.

De visita a Israel, país que disse amar, Bolsonaro, que se afirma de Direita, afirmou que o nazismo de Hitler foi um movimento de esquerda! (conferir aqui).

Esta nova abordagem í  História Universal baseia-se em quê?

Simples: o homem diz que, como o Partido de Hitler se chamava Nacional Socialista, só podia ser de esquerda.

Do mesmo modo, Bolsonaro deve achar que o coelho da Páscoa, é uma espécie de coelho que põe ovos…

António Costa apoia toxicodependentes

O engenheiro Luís Cabral da Silva, diz que é especialista em Transportes e Vias de Comunicação.

Foi í  Sic Notícias, como convidado, comentar a criação do passe único, intermunicipal, que o governo de António Costa acaba de implementar, e que permite que os cidadãos e as famílias, poupem muito dinheiro, todos os meses.

Os exemplos são muitos. O passe intermunicipal custa, agora, 40 euros, e há quem poupe mais de 100 euros por mês.

E o que teve a dizer o sr. engenheiro sobre esta medida?

Pois disse que era uma boa medida, porque as pessoas ficavam com mais dinheiros para comprar leite, tabaco e drogas! (o link para a notícia está aqui)

O engenheiro Silva deve ser daqueles activistas anti-leite, daqueles que pensam que, como a espécie humana é a única que continua a consumir leite depois da fase da amamentação, o leite só pode fazer mal, sendo o causador de inúmeras doenças. Ao fim e ao cabo, como o tabaco e as drogas – daí a criatura ter incluído tudo no mesmo saco.

Ontem, quando viajava no cacilheiro, a caminho de Lisboa, ouvi a conversa entre duas passageiras. Uma delas congratulava-se com o novo preço dos passes e a outra ripostava: vamos ver quanto tempo isto dura; se for para lá outro!…

De certeza que, se o engenheiro Silva – o tal especialista em Transportes – fosse nomeado por um hipotético governo PSD/CDS, os passes voltariam aos preços antigos e, como contrapartida, o Rio e a Cristas distribuiriam pacotes de leite, maços de tabaco e cigarrinhos para rir a todos os portugueses.

Aqui fica a foto do sr. engenheiro Silva, para que todos saibam quem é o indígena…

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Chega ou não chega?

Há um indígena, chamado André Ventura, que era do PSD, mas que decidiu criar o seu próprio partido. Decidiu chamar-lhe Chega.

Parece que o nome escolhido tem a ver com várias coisas que Ventura gostaria de acabar, por estar farto delas, assim como nós dizemos, por exemplo, chega de batatas fritas, chega de chuva, chega de penaltis mal assinalados!

Ventura estará farto de migrantes, gays e lésbicas, ciganos, esquerdalhos e coisas do género.

Isto é o que eu digo, porque não sei ao certo se o tal Chega, chega a ter alguma ideologia.

Em resumo, o Ventura levou as assinaturas da ordem ao Tribunal Constitucional, para legalizar o Chega e, assim, poder concorrer í s eleições para o Parlamento Europeu.

Teve azar, porque o Tribunal recusou a legalização do Chega porque encontrou assinaturas de menores e de polícias, o que não é permitido por lei.

Será que o Ventura desconhece a lei, ou pensou que os juízes tinham mais que fazer do que verificar a idoneidade de todas as assinaturas?

Como já não teria tempo para arranjar novas assinaturas válidas, o Ventura conseguiu inventar uma coligação para concorrer í s eleições, juntando o Partido Popular Monárquico, o Partido Cidadania e Democracia Cristã, o Movimento Democracia 21 e o seu próprio Movimento Chega.

E decidiu chamar a essa coligação Chega.

Que original.

O Tribunal fez-lhe um manguito, explicando que não podia aceitar o nome da coligação Chega, porque se confundiria com o nome do Partido que pretende ser legalizado.

O Ventura armou-se em xico-esperto: como não conseguiu legalizar o Partido Chega, tentou legalizar o Movimento Chega.

Faz lembrar o caso do tipo que se chamava João Merdas e que decidiu mudar o nome para Manuel Merdas…

O cavalo da Madonna

Desde que a Madonna vive em Lisboa, nunca mais dormi descansado.

Só de pensar que a alguns quilómetros da minha almofada, a cabeça da Madonna também pode estar deitada, dormindo placidamente, deixa-me cheio de fernicoques.

É que a Madonna é a compositora de obras sublimes como “Papá não me dês sermões” e “Como uma virgem”, peças musicais de rara beleza e complexidade que fazem de Madonna uma das maiores compositoras da actualidade.

E o facto de ela ter escolhido Lisboa para uma das suas residências, é motivo de orgulho para todos nós.

Foi por isso, com espanto, que tomei conhecimento da decisão de Basílio Horta, presidente da Câmara de Sintra, decisão essa que consistiu em proibir a Madonna de levar um cavalo para dentro de um palácio do século 19.

A moça queria apenas gravar um videoclip, ou, como diríamos antigamente, um teledisco, e parece que o cavalo era essencial.

Basílio, fazendo lembrar o primo do Eça, disse que há coisas que o dinheiro não paga, e fez um manguito í  Madonna.

Os semanários dividiram-se.

O Sol, jornal conservador, conotado com a direita, na sua secção “Sol e Sombra”, que cheira a tauromaquia, coloca o Basílio í  sombra, criticando a sua atitude.

O Expresso, jornal que dá uma no cravo e outra na ferradura, na sua secção “Altos e Baixos”, coloca o Basílio ao alto, dando-lhe os parabéns pela decisão.

Na minha opinião, ambos estão errados.

Madonna tem ajudado muito o turismo, sabendo-se que muitos estrangeiros vêm a Lisboa, na esperança de topar a cantora, por isso, Basílio Horta devia ter pegado na Madonna e no cavalo e enfiá-los aqui, em Ranholas. O teledisco ficava bem, de certeza.

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