Praga – do castelo ao bairro judeu

Partimos, a caminho do Castelo, percorrendo o mesmo caminho do dia anterior.

A Ponte Carlos parece diferente, conforme a hora em que a visitamos. Mas está sempre cheia de gente. De um lado e do outro, as estátuas religiosas – são mais de 30, instaladas a partir de 1683. por baixo, o rio Moldava corre, de sul para norte. Ao fundo, o complexo do Castelo, com os pináculos da catedral de S. Vito.

É verdade que a beleza de uma cidade depende muito do rio que a atravessa. É esse rio que torna cada cidade única. O Danúbio, em Budapeste, o Sena, em Paris, o Tamisa, em Londres, o Tejo, em Lisboa. É impossível pensar em cada uma destas cidades, sem pensar no seu respectivo rio.

Chegados ao outro lado, subimos a torre. Lá de cima, o panorama é soberbo: não só as torres das inúmeras igrejas, mas também os telhados das casas, a azáfama da ponte e o rio.

As escadas para o Castelo são um desafio para quem já se fartou de andar.

O chamado Castelo (Prazsky Hrad) não é castelo nenhum. Começou por ser uma fortaleza de madeira, no século IX e, depois de ter sido a capital do Sacro Império Romano, foi reconstruído no século XVI, dando origem ao edifico renascentista que é, hoje, a residência oficial do Presidente checo.

Entra-se pelo portão encimado pela estátua que representa os Titãs em luta e, olhando para cima, já se vêem as torres da catedral de S. Vito. Com 124 metros de comprimento e 34 de altura, a construção desta catedral gótica iniciou-se em 1344, mas só foi completada em 1929! Uma multidão arrasta-se no interior da catedral. A nave central é imponente (60 metros de largura) e os vitrais chamam a atenção.

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O chamado Beco dos Ourives, mais á frente, está transformado num pequeno centro comercial de souvenirs. Cada casinha é agora uma loja. No segundo andar das casas, um corredor, ao longo de toda a rua, tem uma exposição de armaduras e armas medievais. Podia ser mais interessante se não houvesse tanta gente. A acumulação de turistas impede que se vejam as fachadas das casas sem que uma cabeça se meta í  frente.

Depois do Beco dos Ourives, fica a Daliborka, que é uma masmorra onde o Robin dos Bosques checo esteve preso. Tem pouco interesse. Mais interesse desperta uma estátua que representa um homem, em posição de prece muçulmana, com uma enorme caveira í s costas. Pelas ruas de Praga vimos vários pedintes nesta posição submissa: os joelhos no passeio, o corpo curvado para a frente e as mãos estendidas, segurando um copo de plástico, esperando pelas moedinhas.

Outro tipo de pedinte que se vê com frequência: o pedinte e o seu cão; estão ali, simplesmnte, com um recipiente para as moedas. Damos uma moeda ao pedinte ou ao cão? Ou a pedinte por ele ter um cão? Ou ao pedinte para ele cuidar bem do cão?

Deixámos o recinto do Castelo pelas escadas velhas e, depois de um breve descanso, prosseguimos, em direcção ao bairro judeu.

Visitámos o cemitério judeu e duas sinagogas. O antigo cemitério judeu terá, segundo alguns cálculos, cerca de duzentos mil corpos enterrados, em camadas. A lápide mais antiga data de 1439 e a mais recente é de 1787. Quanto í s sinagogas, a visita tem, sobretudo, interesse histórico.

Voltámos, depois, í  Karlova, para comprarmos alguns souvenirs e ainda demos mais um salto í  ponte, para tirar fotos ao por do sol. Numa loja, tivemos mais uma prova da globalização: fomos atendidos por um jovem búlgaro, falando espanhol.

Ao longo da Karlova, muitos jovens distribuem panfletos anunciando inúmeros espectáculos: concertos de música clássica, shows de marionetas, jazz e blues.

Casas de câmbio í s dezenas. Estão a dar o último suspiro. Quando a República Checa aderir ao euro, acaba-se a mama. De cada vez que trocámos dinheiro, recebíamos menos coroas – parece que o euro se foi desvalorizando, ao longo destes dias.

Praga – a língua checa tem muitas consoantes

Visita a Praga, pela segunda vez e, agora, com a família.

Um shuttle levou-nos, por 960 coroas, ao Hotel Yasmin, na Politickych Veznu, muito perto da Praça Venceslau.

E começámos a andar.

Descemos a Praça Venceslau (Vaclavské Namesti), que estava muito animada í s 4 da tarde, cheia de adolescentes estridentes.

A Praça, que mais parece uma larga avenida, é dominada pelo edifício do Museu Nacional. Este edifício neo-renascentista, foi bombardeado por engano pelas tropas soviéticas, durante a invasão de 1968. Pensavam que era ali que ficava o Parlamento.

Logo a seguir, a estátua de S. Venceslau e, depois, por ali abaixo, os edifícios vão-se sucedendo, com destaque para o Hotel Europa e o Palác Koruna.

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Mesmo ao fundo, um palco montado, onde um sexagenário cantava “I’ve got you under my skin”. Percebemos que aterrámos no meio de uma campanha eleitoral. Mas pouco mais percebemos. A língua checa tem muitas consoantes e mais acentos que o português. No scrabble checo, a letra “a” deve ser tão difícil de jogar como, para nós, o “xis”.

Deambulámos por ali, percorremos a Celetná, que tem mais uma série de edifícios belíssimos, e chegámos í  Praça da Cidade Velha (Staromestské Námesti) perto das 6 da tarde.

Esta Praça é o coração de Praga e, a qualquer hora, está sempre cheia de gente, admirando a lindíssima fachada da igreja de Nossa Senhora de Tyn e a torre do relógio astronómico. De hora a hora, uma multidão concentra-se em frente ao relógio, para ver as figurinhas aparecerem í s janelas e o esqueleto tocar o sino. A malta chega a ficar ali, de pé, quase meia hora, para assistir ao espectáculo fugaz, inventado pelos relojoeiros em 1572.

Seguimos, depois, para a Ponte Carlos (Karluv Most), através da sinuosa Karlova, pejada de gente e ladeada de inúmeras lojas de souvenirs (matrioskas, ovos de madeira pintados, gorros de pele com a foice e o martelo, objectos em vidro, marionetas, etc)

Quando chegámos í  ponte, já o sol se tinha posto.


“Longe do Abrigo”, de David Lodge

longedoabrigo.jpgPublicado pela primeira vez em 1970, “Out of the Shelter” foi o quarto romance de David Lodge e o mais autobiográfico.

Conta-nos a aventura de Timothy, um jovem britânico, de 16 anos, na sua viagem a Heidelberg, para visitar a irmã, Kate, que trabalhava para a força de ocupação norte-americana, logo a seguir ao final da Segunda Guerra Mundial.

Foram três semanas de férias que mudaram a vida do rapaz, marcando a sua passagem para a idade adulta. Como é habitual, nos livros de Lodge, que é católico, os dilemas morais e religiosos dominam as angústias de Timothy.

Ao mesmo tempo, o livro dá-nos uma ideia de como viviam, naqueles tempos, os alemães, derrotados na guerra, os britânicos, vencedores, mas mantendo restrições e racionamentos, e os americanos, já com os seus tiques de donos do mundo.

A escrita é escorreita, como habitualmente, sem grandes floreados, muito coloquial; a história tem princípio, meio e fim e não há lugar para grandes devaneios.

Lodge corrigiu o livro em 1985 e a edição portuguesa é de 2003, com tradução de Ana Maria Chaves.

“Lady in the Water”, de M. Night Shyamalan

senhoradaagua.jpgQuando vi que as classificações dos críticos, no Diário Notícias, iam de “excepcional” (João Lopes), a “de fugir” (Pedro Mexia), passando por “com interesse” (Eurico de Barros) e “bom” (Nuno Carvalho), fiquei logo com vontade de ver este filme.

Por isso – e só por isso – a melhor cena, para mim, é aquela em que o crítico de cinema é devorado pelo monstro.

De qualquer modo, eu iria sempre ver um filme de Shyamalan que, até agora, ainda não me desiludiu.

Não é, de facto, o melhor dos seus filmes que, para mim, ainda é “Signs”, mas é uma história de fadas bem contada e com alguns pormenores insólitos, que a tornam especial: o inquilino que só faz musculação aos membros do lado direito, a inquilina asiática, que não fala inglês e que, através da tradução fornecida pela filha, vai fornecendo pistas ao responsável pelo condomínio, o sul-americano e as suas cinco filhas, o veterano de guerra, sempre fechado na sua casa, mas de porta aberta, vendo documentários militares.

Pelos vistos, a Miramax, que produziu os anteriores filmes de Shyamalan, não gostou muito deste projecto, mas a Disney foi na conversa. E, de facto, o filme integra-se bem no espírito Disney.

Estranho o facto de Shyamalan deixar passar tantos “erros”, nomeadamente, o microfone que, por três ou quatro vezes, se vê perfeitamente, no topo do écran.

Paul Giamatti faz um excelente porteiro, gago, tímido e conservador, ex-médico, que muda de vida depois de lhe terem morto a mulher e os filhos. No final, será ele o curandeiro, que devolve a vida í  “sereia”.

E não vale a pena fazer interpretações selvagens. A história é bonita e sabe bem ver um filme destes, de vez em quando.

“L’Adversaire”, de Nicole Garcia

adversario.jpgJá se sabe que, quando se adapta um livro ao cinema, muito se perde e, raramente, algo se ganha.

“O Adversário” é um excelente livro de Emmanuel Carrí¨re, publicado em 1999. A partir da história real de um falso médico, que assassinou a mulher e os filhos, o escritor criou uma história de mentira e solidão, perturbadora, que nos deixa inquietos.

O filme não consegue dar-nos a dimensão da mentira de Jean-Marc, que nunca passou do 2º ano de Medicina e, no enanto, se fazia passar por médico da OMS (sem nunca lá ter postos os pés), constituiu família e era uma figura respeitada na pequena localidade onde vivia. Quem não tenha lido o livro, não percebe muito bem, como é que Jean-Marc conseguia levar uma vida de média burguesia, com uma boa casa e bons carros. De facto, embora se perceba que ele se encarrega de sacar grandes somas de dinheiro ao sogro e a reforma dos pais, dizendo que investe esse dinheiro, com bons juros, algures, na Suíça, a coisa não está suficientemente sublinhada.

Por outro lado, no livro, Jean-Marc (que se chama Jean-Claude), é um homem que inspira confiança, admirado por todos, ponderado, calmo e tranquilo – um verdadeiro psicopata, capaz de, quando é descoberto, assassinar a mulher e os filhos, tentando dar í  coisa o ar de acidente.

Pelo contrário, no filme, Jean-Marc mostra-se angustiado, nervoso, metido consigo próprio e provocando, até, alguma antipatia.

Em conclusão: mais vale ler o livro. O filme é dispensável.

Um Iraque mais seguro

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O jornal médico britânico Lancet, publicou um estudo norte-americano da Universidade de John Hopkins, segundo o qual, desde Março de 2003, teriam morrido, no Iraque, cerca de 600 mil pessoas, uma média de 500 pessoas por dia.

Trata-se de um estudo epidemiológico, baseado numa amostra relativamente pequena, mas que, segundo os autores, estará muito próximo da realidade.

Segundo o mesmo estudo, a possibilidade de civis iraquianos serem vítimas de morte violenta é, agora, 58 vezes maior do que antes da invasão norte-americana.

Claro que Bush não está de acordo. O general George Casey, chefe das tropas americanas no Iraque, também não está de acordo. Afirmou que lhe tinham dito que os mortos não ultrapassariam os 50 mil, mas não foi capaz de explicar como tinham chegado a este número, nem tão pouco soube dizer quem lhe tinha sugerido este número.

Deve ter sido assim:

Casey (virando-se para um tipo qualquer) – quantos iraquianos é que já terão morrido, desde que a malta invadiu esta coisa?

Tipo qualquer – Sei lá! Para aí 50 mil! 

Se calhar, o estudo do Lancet peca por excesso – ou por defeito. Estes estudos são apenas uma aproximação da realidade. No entanto…

No entanto, mais de meio milhão de civis já foram para o maneta.

São menos 600 mil muçulmanos a chatearem os americanos.

A continuar assim, Bush conseguirá dizimar a população iraquiana.

Depois, quando todos estiveram mortos, então sim, o Iraque será um país seguro!

Provocações de Cesariny

De cigarrinho na mão e olhar atrevido, Mário Cesariny concedeu uma entrevista ao Sol.

Já passou dos 80, mas continua o mesmo provocador.

Apenas algumas citações:

Sobre os ingleses e os americanos:

“Estava farto de latinos e fiquei a gostar dos anglo-saxónicos. Chamam-lhes hipócritas, mas eles não são. São actores. Estão sempre a representar Shakespeare. Um vagabundo chega í  tabacaria e pede “May I have a box of matches, please?” Isto é linguagem de príncipe. “may I have”… “poderei eu ter… uma caixa de fósforos”. Um vagabundo. Já os americanos são uma espécie de ingleses a quem tiraram a inquietação, a metafísica. De maneira que eles andam muito contentes, “How are you?”, “Fine thank you”. Com imensas dores de estí´mago porque a comida é muito má.”

Sobre Vieira da Silva:

“Escrevi um artigo a falar nela, porque ela era desconhecida por cá. Aconselhava-a a não se demorar muito, porque ainda ficava estragada.”

Sobre os surrealistas, os neo-realistas e o Estado Novo:

“Também não era tempo de andar a falar alto. Íamos para a choça, o que não nos agradava muito. Os neo-realistas ficavam muito honrados quando iam presos. Nós não achávamos graça nenhuma.”

Sobre os homossexuais e a Marinha:

“Portugal era o país mais homossexual do mundo. E não era só a Marinha. O 25 de Abril, com a libertação dos homossexuais, também libertou a Marinha desse hábito. Passaram a considerar-se uns homenzinhos que não fazem essas coisas. Agora fazem entre eles ou com um tenente qualquer.”

Sobre as manifestações de orgulho gay:

“Acho feio, porque em vez de aparecerem como pessoas normais, põem umas mamas, pintam-se, ficam uns verdadeiros abortos. Eu, que sou homossexual, se encontrasse aquilo na rua, passava para o outro passeio, porque em vez de angariarem simpatia, ofendem.”

Sobre a pintura e a poesia:

“A poesia morde mais o fígado: se odeia, odeia, se não odeia, não odeia. A pintura parece uma coisa mais objectiva, fora de nós. Suja as mãos, limpa-se o pincel, há o cavalete e a tela. A poesia não. É apenas entre a nossa cabeça e o papel.”

Sobre a morte:

“Não (penso) muito (na morte). Penso mais nas doenças.”

Vale a pena ler.

“Brokeback Mountain”, de Ang Lee

brokeback.jpgPercebe-se a polémica: o cowboy machão salta para a cueca do cowboy mariquinhas. Tirando isso, o filme vale pelas paisagens soberbas das Big Horn Mountains (já lá estive!).

E sinceramente, “homofobia” í  parte, o filme é um bocado seca. Já vi de tudo, no que respeita a amores impossíveis: a prostituta e o senhor rico, a negra e o branco, o coxo e a sádica, a bela e o monstro, a rica e o pobre.

Para que um filme de amor impossível resulte, é preciso algo mais que uma paisagem bonita. “Brokeback Mountain” não tem muito mais: o cowboy introvertido vai trabalhar para a montanha com o cowboy extrovertido, apaixonam-se, sabendo que a sua paixão nunca poderá ser revelada, porque ambos pertencem ao mesmo sexo e vivem numa sociedade conservadora e fechada; portanto, cada um constitui família, casando cada um com a sua moçoila, mas vão-se encontrando, três ou quatro vezes por ano, lá na solidão das Big Horn. Basicamente, o filme é isto.

Repito: as paisagens são lindas!

“The Interpreter”, de Sydney Pollack

interprete.jpgPollack é um clássico (“They Shoot Horses, Don’t They?”, 1969, “The Way We Were”, 1973, “Three Days of The Condor”, 1975, “Absence of Malice”, 1971, “Tootsie”, 1982, “Out of Africa”, 1985, “Havana”, 1990, “The Firm”, 1993, “Sabrina”, 1995, por exemplo).

Sendo um clássico, não consegue realizar filmes maus. Claro que uns são melhores que outros e este “The Interpreter” não é dos melhores, embora nos consiga prender a atenção, sobretudo, pelas excelentes interpretações de Nicole Kidman e Sean Penn.

Kidman é Sílvia Broome, uma intérprete das Nações Unidas, especialista em dialectos africanos, nomeadamente o Ku, falado num país inventado, cuja história se parece com a do Zimbabwe e do seu ditador, Mugabe. Por mero acaso, Sílvia descobre uma intentona para assassinar o ditador africano, no momento em que ele estiver a discursar perante a Assembleia da ONU.

Sean Penn é o agente secreto Tobin Keller, encarregado de investigar o caso e de coordenar a segurança ao ditador. Só que Sílvia é mais do que uma simples intérprete, tendo estado envolvida na resistência contra o ditador.

Desenvolve-se, assim, um thriller político, com alguns bons momentos de suspense e que só peca por a história ser um pouco inverosímil: uma loiraça como a Nicole, envolvida na resistência armada contra um ditador africano, é um pouco difícil de engolir. Mas enfim, papa-se…

“Munich”, de Steven Spielberg

munique.jpgDesta vez, os judeus estão ao ataque. Depois de “Schindler’s List”, em que os judeus eram as vítimas, Spielberg decidiu fazer um filme em que os judeus passam a carrascos.

A história passa-se depois do chamado massacre de Munique, em que onze atletas olímpicos israelitas foram mortos por um comando árabe, sob as ordens do Setembro Negro, uma espécie de Al-Qaeda em ponto pequeno.

O governo israelita decidiu vingar-se e contratou um pequeno grupo de homens, sem qualquer ligação com as instituições oficiais, com a missão de executar onze árabes que estariam ligados ao massacre de Munique.

O líder desse grupo, Avner (Eric Bana), í  medida que vai executando os árabes, começa a interrogar-se sobre a “bondade” deste método que, afinal, aproximava os israelitas aos chamados terroristas.

O filme é sobretudo interessante por nos mostrar que, afinal, os métodos usados por uns e por outros, não são assim tão diferentes, e por nos mostrar como funcionava a contra-informação, nos anos 70, por entre os diversos grupos armados (IRA, OLP, ANC, ETA, Baader-Meinhoff, etc).

Peca por excessivamente longo.

A última imagem do filme, com um plano de Manhattan, visto de Brooklyn, com as Twin Towers ao fundo, é premonitório.