Apelidos – 1

Em 1980, trabalhei cerca de um ano no Alentejo, mais precisamente em Mourão e na defunta aldeia da Luz, quando prestei o chamado Serviço Médico í  Periferia.

Foi aí que entrei em contacto com os apelidos típicos dos alentejanos, muitos deles derivados de alcunhas. Durante algum tempo, fui coleccionando num caderninho alguns desses apelidos, que acabei por perder algures.

Mas ficou o gosto por apelidos invulgares.

Aqui vão cinco impagáveis:

– Galhofa Zabumba

– Baioneta Chotas

– Ova Maranhão Rações

– Janeiro Bagina

– Besugo Algarvio

Prometo que vou voltar a coleccioná-los.

Tenham medo, tenham muito medo!

Um colega meu, lá do norte, fez uma gracinha semelhante a muitas outras que eu tenho feito: fez uma fotocópia da notícia em que o ministro da Saúde, Sua Excelência Professor Doutor (por extenso) Correia de Campos dizia que nunca tinha entrado num SAP, nem tinha intenção de entrar, e colocou-a num placard lá do SAP onde ele faz serviço, com um comentário do género: “fujam! Que isto é um SAP!”

A Directora do Centro de Saúde onde esse colega trabalha foi exonerada, por ter quebrado o “dever de lealdade” para com o ministro, ao não retirar, imediatamente, a tal fotocópia do placard.

Parece que a ex-Directora é casada com o vice-presidente da Câmara, que é do PSD e o meu colega é vereador da CDU, e ambos talvez conheçam a prima de um tipo que já foi da ETA e se tenham cruzado com a namorada do porteiro da discoteca frequentada por um tipo que já foi do PCP, embora seja irmão de uma fulana do CDS.

Por isso, quando vi esta foto, apeteceu-me logo escrever uma legenda apropriada, mas confesso que tenho medo. É que eu não sou casado com ninguém que pertença a nenhum partido, nem conheço ninguém que milite sequer no Partido da Terra. Quem me ajudará, então, se, sobre mim, descer a ira dos Távoras?

Livra!

socrates_medo.jpg

“A Estrada”, de Cormac McCarthy

estrada.jpgSem hesitação: o melhor livro que li nos últimos anos.

Um homem e o seu filho percorrem a estrada, em direcção í  costa, num mundo post-apocalíptico. Não sabemos o que aconteceu antes, não sabemos qual o seu objectivo. Sabemos apenas que aquele homem e aquela criança têm que sobreviver numa terra queimada, destruída, coberta de cinzas, enfrentando o frio e a chuva e a falta de alimentos, de abrigos, de ajuda. Sabemos, também, que não há aves, nem peixes, nem qualquer outro tipo de animais e que as árvores estão mortas, queimadas, que as cidades estão desertas, apenas habitadas por cadáveres ressequidos. Sabemos, ainda, que há outros homens e outras mulheres, sujos e andrajosos como eles, famintos e desesperados como eles, mas o homem e a criança têm que os evitar.

De vez em quando, ao longo da estrada, surge uma casa abandonada, com uma despensa repleta de conservas fora de prazo, de barras de chocolate com bolor, de bidões com água e de botijas de gás e que o homem e a criança fazem um festim e tomam banho e são felizes por dois dias. E depois, voltam í  estrada.

O instinto de sobrevivência, em estado puro. O engenho do homem, para conseguir proteger o seu filho e fazer, de pequenos objectos, as armas da sobrevivência.

Ao ler a descrição desta caminhada, penso nas intermináveis estradas dos EUA, mas a acção poderia decorrer em qualquer outro lugar do mundo. McCarthy deixa muitas coisas em aberto. Nada sabemos da aparência, quer do homem, quer da criança. Ficamos com o campo aberto para imaginarmos as suas feições, assim como depende de nós a explicação para o que aconteceu ao mundo, para que ficasse daquela maneira e por que razão o homem quer, desesperadamente, chegar í  costa.

Fiquei irremediavelmente agarrado í  escrita de McCarthy, que, ainda por cima, nos conta a história de um modo original, sem divisão em capítulos, com os diálogos entranhados no texto, mas sem necessitar de deitar fora as vírgulas e os pontos finais.

Tenho que ler os anteriores livros de Cormac McCarthy rapidamente.

Ratzinger ao volante

Que alívio! Deus Nosso Senhor, através do Vaticano, revelou-nos, finalmente, os Dez Mandamentos da Condução!

A partir de agora, todos ficamos a saber o que é pecado, a bordo de um automóvel.

Obrigado, Ratzinger!

Não resisto a transcrever os 10 Mandamentos da Condução porque, sinceramente, já não me ria assim há muito tempo.

Ora, tomem lá:

1º – “Não matarás”- (até aqui, nada de novo…)

2º – “Que a estrada seja para ti um instrumento de comunhão entre as pessoas e não de dano mortal”(vamos passar a distribuir hóstias entre o maralhal, na fila da Ponte sobre o Tejo)

3º – “Cortesia, correcção e prudência ajudam a superar os imprevistos” – (Afinal, queres virar para a esquerda ou para a direita, meu herege de merda, que nem o pisca ligas!)

4º – “Seja caridoso e ajude o próximo na necessidade, especialmente se for vítima de um acidente” – (Aleijaste-te? Coitadinho! Para a próxima não tentes ultrapassar-me, meu huguenote dum cabrão!)

5º – “Que o automóvel não seja para ti expressão de poder e domínio e ocasião de pecado” – (Querida, não queres saltar para o banco de trás? É pecado? Então, dou-te uma trancada mesmo aqui… cuidado com a manete das mudanças, filha…)

6º – “Convença com caridade os jovens e os que já não o são para que não dirijam sem condições de fazê-lo” – (í“ minha besta! Então não vês que já nem te aguentas em pé? Deixa estar, que eu conduzo! Afinal, só bebi duas grades de mines!)

7º – “Preste apoio í s famílias das vítimas dos acidentes” – (Coitadinha… então o seu marido ficou decapitado num acidente? Salta para o banco de trás, que eu já te consolo… Ah! É pecado! Então é mesmo aqui… cuidado com a manete de mudanças, não vá ela enfiar-se onde não deve…)

8º – “Reúna a vítima com um motorista agressor em um momento oportuno para que possam viver a experiência libertadora do perdão” – (Ajoelha-te, motorista dum cabrão! Agora, compensa a vítima, coitadinha… e toda a sua família!)

9º – “Na estrada, guie o mais fraco” – (Que o mais forte está ocupado, no banco de trás…)

10º – “Sinta-se responsável pelos demais” – (Eu sei que não tenho a culpa destes tipos não saberem conduzir, mas deixe-me compensá-la pelos erros dos outros… que tal no banco de trás?…)

Enfim, mais de 100 anos depois de ter sido inventado o automóvel, o Vaticano define os 10 Mandamentos para uma Condução Católica e Apostólica.

Resta-nos aguardar os 10 Mandamentos para o Bom Uso dos Vibradores, que foram inventados, mais ou menos, na mesma altura.

(Os comentários não são da responsabilidade do Ratzinger.

“The Secret Life of Words”, de Isabel Coixet

vidasecretadaspalavras.jpgQue boa surpresa, este pequeno grande filme, produzido por Almodovar.

Sarah Polley interpreta o papel de uma operária surda (Hannah), com traços obsessivos, que é instada pelo patrão a tirar umas férias; há quatro anos que não o fazia e os seus colegas já a olhavam de lado.

Contrariada, Hanna acaba por aceder e, logo no início das férias, propõe-se como enfermeira de um queimado que, numa plataforma petrolífera, no mar do Norte, aguarda evacuação.

Grande parte do filme desenrola-se, assim, no espaço confinado da plataforma e é aí que Hanna acaba por desenvolver uma relação, dia a dia mais estreita, com Josef, o doente queimado, transitoriamente cego (Tim Robbins).

O facto de Hanna ser surda e Josef estar cego pela exposição ao fogo, faz com que a enfermeira acabe por se aventurar a contar a sua história, relacionada com os horrores da guerra na ex-Jugoslávia.

Um filme sussurrado, triste e belo.

Aconselho vivamente.

“O Pianista”, de Roman Polanski

pianista.jpgTodo o realizador de cinema judeu que se preze, faz o seu filme sobre o holocausto. O de Polanski ganhou 3 óscares em 2002, incluindo o de melhor actor e melhor realizador, e ainda a palma de ouro de Cannes.

A grande diferença entre mais este filme passado no gueto de Varsóvia, durante a ocupação nazi, e muitos outros, com o mesmo tema e o mesmo cenário, reside na interpretação de Adrien Brody, que é, de facto, notável. O homem vai mirrando, ao longo do filme, ficando cada vez mais magro, com olhar mais louco e vazio, degradando-se física e psicologicamente.

O filme conta-nos a história do pianista Wladyslaw Szpilman, de como ele conseguiu sobreviver í  humilhação, í  fome, ao arbítrio nazi, quer no interior do gueto de Varsóvia, quer, depois, com a ajuda de alguns gentios anti-nazis, fechado em apartamentos da capital polaca, praticamente sem comida e sem contacto com mais nenhum ser humano.

É difícil acrescentar seja o que for a este tema, já tão estafado. Daí a importância do trabalho do actor. Só por ele vale a pena ver este filme.

Jacinto Leite Capelo Rego

Caso “Portucale”: suspeitas de tráfico de influências na aprovação de um empreendimento turístico do Grupo Espírito Santo, em Benavente, no tempo do governo do Sr. Lopes.

Simplificando: em troca da aprovação do empreendimento, algum dinheirinho entraria nos cofres do CDS-PP, de Paulo Portas. O então ministro da Agricultura, Costa Neves, já está constituído arguido mas, como é costume nestas coisas, diz estar de consciência tranquila. Os laboratórios de benzodiazepinas não fazem negócio com os arguidos portugueses. Todos de consciência tranquila, nunca precisam de um alprazolam para dormir melhor.

A PJ foi í  sede do CDS e sacou recibos dos donativos que, então, foram entregues ao partido de Portas, todos no valor de um milhão de euros.

Dos vários recibos apanhados pela PJ, havia um, no valor de 300 euros que despertou a curiosidade dos agentes. Ao que pareceu, um tal Jacinto Leite Capelo Rego (leia-se: já sinto leite cá pelo rego) doou 300 euros ao CDS-PP. Revelador…

Talvez por pudor, a PJ não divulgou os nomes de outros dadores generosos: Maria Gustava dos Prazeres e Morais, Ir Aoku Saykaro, Marie Bate Mápunhete e Táta Ky Tate Apoulos.

Como é que Paulo Portas consegue continuar a ter aquela cara de senhor respeitável quando é líder de um partido, cujos militantes ainda devem cantar, nas reuniões de angariação de fundos: “Minha tia Teodora/ cu para dentro, cu para fora/ com as tetas a abanar!”?

Sport Berardo e Benfica

berardo1.jpgE, de repente, Joe Berardo é o salvador da pátria.

Dos confins da ífrica do Sul e dos jardins da Madeira, ei-lo que surge a emprestar a sua colecção de arte moderna ao CCB, a troco de uns trocos, ei-lo que é abraçado pelos trabalhadores da PT, ao contribuir para lixar a OPA do Belmiro, ei-lo a sair exultante da assembleia do BCP, depois de ter travado Jardim Gonçalves, ei-lo a contribuir para o estudo que confirma Alcochete como alternativa í  Ota, para a localização do novo aeroporto.

E ei-lo, agora, a lançar uma OTA, perdão, uma OPA sobre o Benfica.

O que o move, não é o dinheiro – é a cultura, diz ele.

Quer ver o Benfica no topo do mundo – diz ele.

Não deixa de ser revelador o facto de o glorioso, semanas após estar cotado na bolsa, ser alvo de uma OPA, enquanto o Porto e o Sporting, há anos cotados, continuam ignorados.

O que fará correr Berardo pelo Benfica?

Amor í  camisola?

Nesse caso, teremos que mudar o equipamento do glorioso, porque o homem veste-se sempre de preto.

Uma coisa tem Berardo em comum com os jogadores do Benfica: mal sabe falar português.

Lost – 2ª série

lost2.jpgHá duas maneiras de ver Lost.

Primeira: aceitar as regras do jogo que os criadores da série nos propõe, não questionar a Dharma Iniciative, não pí´r em causa a teoria da centralidade e de que todos estamos ligados de algum modo, adoptar o lema “here we are, entertain us”

Se assim for, Lost é uma excelente série, viciante, com um bom ritmo, bons actores, voltas e reviravoltas suficientes para nos fazerem ansiar sempre pelo episódio seguinte.

Segunda: estar í  espera de que Lost seja uma série racional, que nos dê explicações aceitáveis para o que acontece na ilha e que essas explicações sejam, também elas, racionais.

Neste caso, Lost é uma aldrabice pegada e já não há pachorra para tantas alucinações que, se calhar, não são, porque a Virgem Maria existe mesmo, bem como o cavalinho no meio da selva e mais o avião cheio de droga que, afinal, era o mesmo que levava, a bordo, o maninho do Mr. Eko e não me lixem mais essas coincidências todas que, se calhar, não são coincidências, são o destino, etc, etc.

Decidi adoptar a primeira maneira de ver Lost e, por enquanto, estou a gostar.

“Casa das Mulheres”, de ílvaro Pombo

casadasmulheres.jpgFoi o primeiro livro que li deste escritor espanhol (n. 1939) e gostei bastante. Editado em 1996, “Donde las Mujeres” conta-nos a história de uma família peculiar, na qual os homens estão aparentemente ausentes.

A narradora é a filha mais velha, que começa o livro com cerca de 8 anos; há uma irmã, dois anos mais nova, e um irmão mais pequeno; há também a mãe e a irmã da mãe. Vivem em duas casas isoladas, numa espécie de península e formam um clã, com laços muito fortes entre eles. Os outros, os que vivem na aldeia próxima, os colegas da escola, todos os que pertencem ao mundo exterior, não lhes dizem grande coisa. Este núcleo familiar cria uma espécie de mundo í  parte, com as suas regras e as suas fidelidades. Há um pai destas três crianças, mas está ausente.

No entanto, toda esta harmonia se vai esboroar quando o pai resolve regressar e a narradora descobre o segredo da família. Porque todas as famílias têm os seus segredos.

Gostei, sobretudo, da escrita de Pombo e do modo como ele consegue dar voz a uma rapariga de um modo que, pelo menos a mim, me convenceu.