Vasco Pulido Valente, hoje, no Público: «Não sei como a minha geração, que viveu em permanente perigo de morte, conseguiu chegar í idade adulta. (…) Quando, em 1940 ou 50, comecei a ir í praia, comia bolas-de-berlim, com a criminosa colaboração da minha família. Aparecia a D. Aida com a sua lata e, em dez minutos, lá iam duas bolas a escorrer de creme, sem qualquer investigação ou autorização do Estado. O estado, nessa altura, não se interessava pela minha saúde».
Escreve ele isto, a propósito de mais uma intervenção da ASAE, desta vez atacando os vendedores de bolas-de-berlim, nas praias. Agora, as ditas bolas têm que estar acondicionadas em malas térmicas, í temperatura de 7 graus, têm que ser servidas com pinças e os vendedores têm que ter um curso de manuseamento.
O Estado vela por nós. Cada vez mais.
Também eu gostava muito de bolas-de-berlim com creme, com muito creme. Também eu não sei como sobrevivi, embora me recorde, perfeitamente, de estar, de pé, agarrado a um varão, junto í saída de um daqueles autocarros de dois andares da Carris, enjoadíssimo, aproveitando os solavancos do veículo, para vomitar, para a estrada, uma bola-de-berlim com creme, comida, horas antes, na praia.
Mas o Estado vela por nós. Cada vez mais.
Cientistas britânicos entregaram-se, recentemente, a um estudo verdadeiramente arrepiante. Arranjaram um programa informático qualquer, capaz de calcular o número de pessoas que não morreriam, se determinados produtos alimentares tivessem impostos mais altos. Já não me lembro dos números, mas era qualquer coisa do género: se aumentassem os impostos sobre o sal, poupavam-se xis mortes; se também se taxasse o açúcar, poupavam-se mais xis mortes; se se juntassem as gorduras, poupavam-se mais não sei quantas mortes. E assim sucessivamente.
Cheira-me a George Orwell.
O Estado preocupa-se, cada vez mais com a nossa saúde, não acham?
Peço desculpa, mas eu acho isto assustador.
O facto de existir, algures em Bruxelas, ou em Lisboa, um grupo de burocratas que decide o que é bom ou é mau, para mim, deixa-me incomodado.
Sobretudo, porque esses tipos não têm coragem para serem o que, no fundo, são – isto é, ditadores. E dizerem, por exemplo: as bolas-de-berlim passam a ser proibidas. Acabou-se a brincadeira! Se querem comer bolas-de-berlim, comprem-nas no mercado negro e comam-nas í s escondidas!
A mim, já nem me faz diferença. Há muitos anos que deixei, naturalmente, de comer bolas-de-berlim.
Não precisei que o Estado me educasse…