A caminho da Chapada dos Guimarães

São cerca de 400 km de estrada, entre a Amazónia Matogrossense e a Pousada do Parque, na Chapada dos Guimarães, grande parte dela em estrada de chão, sendo que alguns troços estão bem estragados.

E começou o festival de animais, sobretudo pássaros: quero-quero, urubu, carcará, coruja, seriema, picapau, saracura, etc. E mais lagartos e cobras e vacas, e mais pássaros.

Esta seriema, estava aos guinchos, em cima de uma cerca.

—

Perto de Nobres, possibilidade de fazer flutuação. A nascente está mesmo ali, a água é transparente e os peixes dão-nos dentadas nas pernas.

—

A viagem continua, sertão dentro; mais pássaros, a ponte de madeira sobre o Rio Cuiabazinho, a represa do Rio Manso. Chega-se, finalmente, í  Chapada dos Guimarães.

Para chegar í  Pousada do Parque, ainda há que percorrer cerca de 4,5 km de estrada de chão, em muito mau estado.

A Pousada é de uma tranquilidade do outro mundo, daquele que é melhor que este.

Amazónia – ao longo do Rio Claro

Trilha de 7 km na floresta, com as habituais curiosidades.

Diversos tipos de formigueiros, as variadíssimas árvores de grande e pequeno porte, pegadas de onça, borboletas várias, pássaros muito bonitos (um pica-pau de cabeça vermelha, muito parecido com o Woody Woodpecker), as palmeiras, a árvore que deita uma seiva que parece e sabe a leite, outra que tem uma resina que, quando queimada, cheira a incenso, e mais e mais…

São 7 km de National Geographic ao vivo.

—

Comer pacu grelhado com arroz e feijão, descansar na rede, vendo as enormes morpheus azuis.

Embarcar num barco a motor e subir o Rio Claro, mirando as margens, em busca de pássaros: um martim- pescador e um urubu rei. Mais acima, um local onde, batendo com o remo no fundo do rio, se desprende, debaixo das folhas acumuladas, gás metano, que se pode incendiar com um isqueiro.

Depois, descer o rio de canoa. Tranquilamente, rio abaixo, remando, ao sabor da corrente.

—

A caminho da Amazónia Matogrossense

Avião da TAM, de Brasília a Cuiabá, capital de Mato Grosso. São 1200 km. Hora e meia de voo.

Depois, 300 km de estrada, atéí  Pousada Jardim da Amazónia.

São de 4h30 de estrada muito esburacada e com um trânsito louco de camiões e bimeões (camiões com atrelado), carregados com soja, milho, algodão ou cana do açúcar. De um lado e do outro da estrada, a perder de vista, campos imensos, com essas culturas, que substituíram a vegetação do cerrado.

Apesar de longa, a viagem não é monótona, porque os motivos de interesse vão-se sucedendo: uma família de emas, comendo insectos, no meio de um campo de soja, dois urubus a debicar um tatu, morto na estrada, uma fila interminável de camiões, mais uma família de emas, um campo de girassóis…

Finalmente, a vegetação do cerrado começa a dar lugar a uma vegetação mais luxuriante, deixamos o asfalto e percorremos um pouco de estrada de chão, até í  Pousada Jardim da Amazónia, que é uma delícia – pequenos chalés, espalhados por uma clareira, uma nascente água mineral e a densa vegetação amazónica a toda a volta.

—

Chapada dos Veadeiros – Rio dos Couros

As quatro cachoeiras dos Couros, são as mais espectaculares da Chapada.

Depois de um troço de estrada alcatroada, hora e meia de estrada de terra batida, ou estrada de chão, como aqui dizem.

Depois, o mais longo e mais aventureiro percurso destes dias. São 5,4 km de grandes emoções. Descidas e subidas í  beira do precipício. Apenas as mãos como apoio. Lá ao fundo, sempre o ruído das águas caindo no vale.

A primeira cachoeira é chamada de muralha.

—

Mais í  frente, a segunda cachoeira, conhecida como franja.

—

No fim da trilha, mesmo junto a um precipício, vêem-se as outras duas cachoeiras, praticamente inacessíveis.

Atravessando o Rio dos Couros, é possível tomar banho na franja. A força das águas proporciona uma verdadeira hidromassagem natural.

—

Os nossos agradecimentos ao guia Paulo Alexandre, que fez com que dois cinquentões se sentissem jovens montanhistas!

“Mr. Vertigo”, de Paul Auster

—Livro editado em 1994, foi agora reeditado em Portugal. Auster está na moda e ainda bem, para que todos os seus livros esgotados fiquem disponíveis.

Como é habitual “Mr. Vertigo” é mais uma história bem contada. O livro é escrito na primeira pessoa. Mr. Vertigo conta a sua própria história, desde os 9 anos, altura em que foi acolhido (quase raptado) por um judeu húngaro, o Mestre Yehudin, que o ensinou a voar.

Claro que a história é uma alegoria da vida e da América. Qualquer um de nós «pode voar», desde que tenha força de vontade e que trabalhe para isso e, na América, todos os sonhos são possíveis.

Ao mesmo tempo que vai contando as peripécias de Walter Rawley, o Rapaz Prodígio, como aprendeu ele a voar, como, mais tarde, teve que abandonar essa arte para não ser castrado, como se virou no mundo dos negócios escuros de Chicago, como se reformou e viveu feliz para sempre, cuidando de uma espécie de mãe adoptiva, que acabou por ser, também, sua amante, Auster conta, também, um pouco da história da América, a Recessão, a Segunda Guerra Mundial, os anos 70 e 80.

O livro está cheio de frases feitas, de expressões idiomáticas e, embora não conheça o texto original, parece-me competente, a tradução de José Vieira de Lima.

Chapada dos Veadeiros – Vale da Lua e Canyon Raizama

Depois de cerca de 20 km de estrada asfaltada, terra batida até perto da Vila de S. Jorge.

A seguir, o percurso até ao Vale da Lua é de cerca de 900 metros.

O Vale da Lua é um conjunto de rochas sedimentares que ladeiam o rio S. Miguel e a paisagem poderia fazer lembrar o solo lunar, não fossem as águas tumultuosas do rio, que vêm por ali abaixo, aos trambolhões, arrastando troncos e árvore e alguns daqueles pedregulhos.

O percurso que leva até ao Vale da Lua também é muito interessante, com uma flora muito diversificada. Parece que estamos noutro ecossistema e, afinal, tudo isto pertence, também, ao cerrado.

Mais í  frente do Vale da Lua, o rio tem um momento de descanso, formando uma pequena lagoa, com águas calmas, onde se pode tomar banho.

—

Depois, o canyon Raizama.

Foi um percurso de 3 600 metros, mais uma vez, completamente diferente de todos os outros. Depois de alguns metros a direito, desce-se até atingir um Canyon razoavelmente profundo. Nesse Canyon despenha-se o rio Raizama, com grande fragor, juntando-se, lá em baixo, ao rio S. Miguel. Os dois juntos vêm por aí fora, entroncam no rio Tocantins que, por sua vez, desagua no Amazonas.

Desce-se, mesmo í  beira do precipício. Parte do percurso é feita num espaço bem estreito, entre a rocha escarpada e o precipício.

—

Admirar a beleza rude das rochas e das águas revoltas, amenizadas pela vegetação luxuriante.

Almoçar na Vila de S. Jorge, uma pequena aldeola com 600 habitantes e que deve ter mais restaurantes que Almada. Pelos vistos, nos feriados e fins de semana, este lugarejo fica cheio de malta, que vai passar o dia no Vale da Lua ou no Raizama.

Chapada dos Veadeiros – Cristal e Almácegas

Cachoeiras Cristal, com a queda de água do véu da noiva (pelos vistos, há um véu da noiva em tudo o que é queda de água). A água brota do chão e desce, cristalina e transparente.

Para chegar a essa queda de água, é preciso percorrer cerca de 1 200 metros, por vezes a pique, numa trilha escavada na rocha do cerrado. Tão difícil descer como subir. Um calor de ananases. No fim do percurso, sua-se em bica.

—

Cachoeiras do córrego Almácegas; ficam numa propriedade privada, a fazenda de S.Bento.

O trajecto para a primeira cachoeira é mais longo e acidentado, terminando de forma abrupta.

Aqui, a cascata já é mais imponente e a água cai com fragor num poço, onde também se pode tomar banho.

—

Mais do que as quedas de água, que são bonitas, o que espanta mais é a vegetação luxuriante. Chuveirinhos, iemas e outras plantas, com nomes tipicamente brasucas, tipo turu, piritambo, tiroliro, maracara, pirolito e coisas assim.

—

Chapada dos Veadeiros – Portal da Chapada

De Brasília í  Chapada dos Veadeiros são 240 km, cerca de 2h 40 de estrada, quase sempre a direito. A primeira parte do trajecto faz-se numa estrada com duas vias em cada sentido, tipo via rápida, mas com muitas entradas e saídas, o que não permite grandes velocidades. Depois, entramos num longo troço com apenas uma via em cada sentido e um piso muito irregular. Atravessamos campos verdejantes, a perder de vista. Soja, algodão, milho. Estão desmatando a savana do centro-oeste brasileiro…

Depois de quase de 200 km de campos verdejantes, atravessámos uma pequena cidade, chamada S. João d’ Aliança. í€ entrada e í  saída, grandes cartazes com a figura de Cristo, saúda-nos.

Aliás, ao longo da estrada, é frequente encontrar cartazes a dizer “Leia a Bíblia” ou “Jesus te Ama”.

O motorista tem que conhecer esta estrada muito bem, tal é a perícia com que evita os buracos, alguns, verdadeiras crateras (chamam-lhes “panelas”). Aliás, os buracos na estrada notam-se bem, porque a terra, aqui, é bem vermelha, o que contrasta com o negro do alcatrão.

A Pousada Recanto da Grande Paz é um conjunto de pequenas habitações, compostas por um quarto e casa de banho, tudo muito simples e básico. Os chalés mal se vêem pois estão quase submersos pela vegetação luxuriante, uma parte da qual recebeu o nome de Jardim Zen, só algum deus saberá porquê. Na mesa de cabeceira, uma revista chamada Terceiro Milénio, cheia de anúncios de mestres de yoga, meditação, massagens especiais, aromoterapia, colonterapia e todas as terapias alternativas conhecidas e desconhecidas.

Na capa, um Jesus emerge das águas de um lago, lado a lado com um golfinho. Tudo azul.

Para se chegar ao Portal da Chapada, percorre-se uma trilha de madeira com cerca de 4 km.

No final da trilha, a primeira cachoeira da Chapada: a de S. Bento que, quando for grande, gostaria de ser como as de Iguaçu.

—

Segundo a definição da Wikipédia, “Chapada é uma formação rochosa, acima de 600 metros, que possui uma porção plana na parte superior.

No Brasil existem chapadas na região Centro-Oeste e no Nordeste. As chapadas do Centro-Oeste, como a dos Veadeiros em Goiás e a dos Guimarães no Mato Grosso, são divisores de águas entre as Bacias Amazónicas, Platina, do rio São Francisco e do Tocantins.”

A Chapada dos Veadeiros tem cerca de 200 cachoeiras registadas.

A cidade de Alto do Paraíso é assim uma espécie de El Calafate dos pobrezinhos. Esta zona do Brasil é mesmo nos confins e ainda está tudo muito primário, virado, sobretudo, para o turismo interno.

A escola está cheia de mulatinhos aos gritos, pendurados das árvores. A Prefeitura parece um edifício do Taveira, quando ele ainda andava na escola primária. As lojas são básicas e para consumo interno. Muitas pousadas, básicas mas honestas, com nomes místicos: Alfa e í“mega, Jardim do Éden, Aquarius, etc.

Nos anos 80 do século passado, os esotéricos invadiram a região. Seria aqui, na Chapada, que se daria o encontro definitivo com seres de outros planetas. E que lindo seria o fim do mundo, visto do alto do morro da baleia!… é que a Chapada fica no mesmo paralelo que Machu Pichu…

Nada disso aconteceu, mas ficaram os místicos…

Brasília – uma cidade invulgar

Uma cidade inventada. Construída de raiz. Com lugar próprio para tudo: sector dos hotéis, sector das embaixadas, sector para os habitantes, com uma rua para lojas e dois templos em cada sector, um católico e outro de outra religião.

Tudo organizado. Tudo planeado. Cheira a Big Brother. Cidade planeada por Lúcio Costa, com monumentos do comunista centenário Niemeyer. Uma falha: os transportes públicos não resistem í s distâncias.

Mas os edifícios de Niemeyer valem tudo.

O Museu.

—

A Catedral.

—

O Parlamento e o Senado.

—

Todos estes edifícios vêem a sua beleza arquitectónica sublinhada pelo espaço que têm í  sua volta, que permite que sejam vistos de todos os ângulos e pelo céu lindíssimo deste Planalto Central.

Brasília está cerca de mil metros acima do nível do mar e tudo é a direito; não há uma colina, um monte, uma pequena elevação que seja que esconda o céu.

A ponte Jocelino Kubitschek (Jota Ká) – o presidente que idealizou esta cidade.

—

Niemeyer é um comunista empedernido. Resolveu homenagiar Jota Ká com uma pequena malandrice: um monumento que faz lembrar a foice e o martelo.

—

Mais uma malandrice de Niemeyer: o palanque onde nenhum militar da ditadura nunca conseguiu discursar í s massas – a cobertura cí´ncava produz um eco que multiplica por 12 todos os sons.

—

Brasília – cidade inventada. Vale a pena conhecê-la.

25 de Abril sempre!

“Não se ignora que Dostoievsky, apesar do seu misticismo e fervor religioso, foi um dos deformadores da consciência do povo russo na preparação para o bolchevismo. O romance e o autor são bastante conhecidos entre as classes mais cultas do nosso país para ser necessária a sua tradução. As classes menos cultas, julgo não tirarem qualquer vantagem da sua leitura. Como a tradução deste romance (“Os Irmãos Karamazov”) implica a sua divulgação, entendo ser o mesmo de proibir”.

Esta foi a justificação para a proibição da edição, em Portugal, do famoso romance de Dostoievsky, no tempo de Salazar (citação extraída do livro “Proibido”, de António Costa Santos).

Viva o 25 de Abril!