Fernando Santos e o Benfica triste

  • Texto escrito em agosto de 2007

Sou do Benfica desde o tempo em que brincava com barquinhos de papel nas poças de água que os funcionários da Junta de Freguesia faziam, em redor dos grandes troncos das árvores da avenida Gomes Pereira. Ainda alguém se lembra do tempo em que funcionários públicos regavam as árvores das ruas da cidade? Claro que quase ninguém se lembra disso. Nesse caso, já estão a ver há quanto tempo sou do Benfica.

Vi jogar o í‚ngelo, o Cávem, o Costa Pereira, o Germano, o Coluna, o José íguas, o José Augusto, o Simões, o Eusébio, o Torres.

E muitos outros, depois deles.

E nunca vi o Benfica tão triste como agora, treinado pelo Fernando Santos.

Triste, deprimido, sem garra, sem chama.

Ontem, o Rui Costa ganhou 2-1 ao Copenhaga e Fernando Santos disse: «entrámos bem, com personalidade e a trocar bem a bola. Controlámos o jogo e depois a incapacidade de Luisão marcou a partida, porque sentimos que a equipa se desorientou. Ao intervalo, reorganizei a equipa e na segunda parte controlámos mais.»

De que jogo falava Fernando Santos?

Não, certamente do de ontem.

O homem é triste e está a transformar o Benfica numa equipa triste.

Prefiro um Benfica a perder, mas com alegria, do que este Benfica cinzento.

Não há por aí alguém com paciência para iniciar uma petição para despedir mais este engenheiro?

Estou farto de engenheiros, caramba!

O desenhador

Nas suas horas de lazer, gostava de se sentar na esplanada do pequeno café e desenhar.

Com o lápis bem afiado e o bloco de papel cavalinho, desenhava casas, autocarros, transeuntes.

Certo dia (estas coisas acontecem sempre certo dia), uma jovem acercou-se dele. Era perturbadoramente bela e o lápis logo lhe tremeu.

“…Quer desenhar-me?” ““ perguntou ela e a sua voz era música.

Ele fez que sim com a cabeça, com a garganta demasiado seca para falar.

“…Então eu vou posar ali…” ““ disse ela, apontando para o passeio em frente da esplanada.

E com uma elegância celestial, atravessou a rua, subiu ao primeiro andar do prédio em frente e atirou-se da janela. Infelizmente não conseguiu pousar e esborrachou-se no passeio.

Foi muito mais difícil desenhá-la naquele estado…

in Pão com Manteiga, 3ª temporada, 9/7/1988

“Divórcio”, de Susan Taubes (1969)

Livro inovador, este.

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Susan Traubes (1928-1969), nasceu em Budapeste, na Hungria, no seio de uma família judaica, filha de um psicanalista e neta de um rabino. Emigrou para os Estados Unidos, furtando-se í  perseguição nazi; estudou Religião e Filosofia, foi professora, casou-se com o filósofo e académico Jacob Taubes. Mulher cosmopolita, foi amiga íntima de Susan Sontag. Publicou o seu único romance, Divórcio, em 1969 e pouco depois suicidou-se por afogamento, com 41 anos.

Este romance ““ que não é bem um romance, misturando biografia, sonhos, memórias ““ é, de facto, inovador, considerando que foi publicado no final dos anos 60 ““ inovador não só ao nível da estrutura, mas também na linguagem, considerando que foi escrito por uma mulher.

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A protagonista do livro, Sophie, será um alter ego da autora e toda a sua história de vida está relacionada com o judaísmo e com a psicanálise.

“…Na escola de medicina onde ele estudava histologia cerebral, a teoria de Freud era comentada jocosamente como sendo a «técnica que os homens adultos usam para falar com jovens raparigas acerca de coisas obscenas»”.

A linguagem. Também a linguagem deste livro é diferente…

“…Uma noite, quando ela estava a realizar o ofício sgarado da felação, ordenei-lhe que dissesse o Pai Nosso ao meu olho do cu. Ou uma Ave Maria, ao menos. Em vez disso, ela começou a berrar o Shemá Israel pelas minhas tripas acima. Não a deixei continuar. «Devias ter vergonha», disse ela, «a praticar sacrilégio com a religião das outras pessoas. A tua não é suficientemente sagrada?» ela era uma grande mulher. Sophie Blind continua a ser minha mulher até í  vinda do Messias.”

História de Uma Maria dos Prazeres

Maria dos Prazeres não os tinha.

Sedenta de prazer, Maria dos Prazeres procurava-os todos os dias da sua vida. Em vão.

Não sentia o prazer da mesa, não sentia prazer com uma excelente bebida gelada, o sono não lhe dava prazer, o sol lambendo-lhe a pela era-lhe indiferente. També não era no amor que Maria dos Prazeres os encontrava. Saltitou de amante em amante, sempre sem prazer. Experimentou tudo o que havia para experimentar e, de prazer, nada.

Desesperada, Maria dos Prazeres foi ao médico.

O clínico escutou-lhe a hitória e, interessado, pediu-lhe que se deitasse sobre a marquesa.

“…Relaxe-se” ““ disse o médico.

Maria dos Prazeres relaxou-se.

“…Relaxe-se ainda mais” ““ pediu o médico.

Maira dos Prazeres relaxou-se ainda mais.

O médico aproximou-se e colocou o estetoscópio sobre o tórax de Maria dos Prazeres.

Foi o êxtase.

Hoje vivem felizes, Maria dos Prazeres e o estetoscópio.

  • in Pão Com Manteiga, 3ª temporada, 9.7.1988 e A Capital, 21.7.1988

“Oh William!”, de Elizabeth Strout (2021)

De Elizabeth Strout, tinha lido o excelente “…Olivia Kitteridge“, livro com o qual venceu o Pullitzer.

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Neste “…Oh William”, Strout retoma uma sua personagem, a escritora Lucy Barton que, num tom coloquial, nos conta alguns episódios da sua vida e do seu relacionamento com um dos seus ex-maridos, William, que descobre que, afinal, tem uma meia irmã, de quem a sua mãe nunca lhe falou.

O livro tem uma estrutura narrativa contínua, isto é, não está dividido em capítulos, mas em pequenos textos em que a narradora, Lucy, nos vai contando o que se passa, como se estivesse sentada na nossa sala.

Fiquei com muita curiosidade em conhecer os restantes livros desta escritora.

Como combater a insónia

E há também aquela história do homem que sofria de insónias.

Experimentou contar carneiros: Mário de Sá Carneiro, Carneiro Jacinto, Roberto Carneiro, Sá Carneiro, Soares Carneiro…

Não resultou.

Foi então que descobriu um sistema infalível.

Naquela noite deitou-se, semicerrou os olhos e começou a contar Antónios: António Vitorino de Almeida, António José Saraiva, António Calvário, António Salazar, Francisco António Sá Carneiro, António Spínola, António Costa Gomes, António Ramalho Eanes, António Lopes Ribeiro, António Lobo Antunes, Marco António, António Guterres, António Costa…

  • in Pão com Manteiga, 3ª temporada, 21.5.1988

God bury the queen!

Não há meio de enterrarem a senhora, caramba!

Desde que a rainha morreu, já lá vão cinco dias, que as televisões não largam o osso! Longas e intermináveis reportagens sobre o protocolo London Bridge preenchem os telejornais e os repórteres, de vestido negro, elas, de gravata preta, eles, com ar compungido, descrevem-nos, ao pormenor, o dito protocolo.

Ficamos a saber a que horas o corpo da rainha sai de um lado e vai para outro, a que horas o novo rei calça os sapatos e aperta o nó da gravata, quantos dias vai ficar o féretro ““ sim, o féretro, porque a realiza vai num féretro, enquanto a malta vai num caixão ““ quantos dias o féretro vai ficar exposto para que os súbditos possam ir prestar a sua vassalagem, e mais uma série de pintelhices, como se eu precisasse de saber essas coisas, como se eu fosse alguma vez olhar para um caixão, ainda por cima de uma rainha, ainda por cima estrangeira!

Claro que eu posso sempre desligar a televisão, mas o hábito é antigo; desde pequenino que vejo telejornais…

A saloiice das televisões tem sido manifesta, o espanto dos repórteres é evidente, os apresentadores salivam-se e ainda faltam mais cinco dias para isto tudo terminar.

Será a altura de alterar um pouco o hino e gritar God bury the queen!

Please!

A vulva

Que confusões que para aí vão por causa da vulva!… Cada pessoa tem a sua opinião, a sua concepção da vulva. E, no entanto, na maioria dos casos. Estão enganados. Um breve inquérito realizado pelo telefone revelou as respostas mais surpreendentes.  Para além dos habituais impropérios e de temos sido convidados a visitar locais pouco recomendados, alguns inquiridos disseram que vulva era vagina, púbis, um órgão dos sentidos, nome de um conjunto rock português, a capital do Laos, título de um romance de Harold Robbins e até uma marca de caramelos.

Por isso, e para que não se estabeleçam mais confusões com a vulva, vamos descrevê-la anatomicamente, com o rigor habitual.

Para começar, é bom esclarecer que a vulva é o nome dado ao conjunto dos órgãos genitais externos da mulher. é de facto um conjunto, mas não de rock português, como afirmava um dos inquiridos.

Todas as descrições anatómicas se tornam fastidiosas se não foram acompanhadas por uma observação directa. Não há nada como juntar a teoria í  prática. E isto é dos livros.

Portanto, observe-a enquanto escuta a descrição.

A vulva é ocupada, na sua parte média, por uma depressão (o vestíbulo), no fundo da qual se abrem a uretra e a vagina ““ o que quer dizer que esta não pertence í  vulva, embora lá vá dar. Ponto assente.

O vestíbulo é limitado, lateralmente, pelos pequenos e grandes lábios. Enquanto os grandes se juntam para formar o monte de Vénus, os pequenos juntam-se ao clitóris, seguindo a regra de que muitos poucos fazem muito. O clitóris (cuja pronúncia continua em dúvida) é formado por dois órgãos erécteis: os corpos cavernosos. Mas existem ainda outros dois órgãos erécteis: os bulbos vestibulares, colocados um de cada lado do orifício vaginal.

Finalmente, a vulva possui ainda duas glândulas de Bartholin ““ também uma de cada lado do orifício vaginal, com a importante missão de lubrificar todo o conjunto.

Esperamos que a descrição não tenha sido demasiado rápida e que tenha conseguido acompanhá-la.

Mas para o caso de se ter perdido a meio da vulva, vamos resumir rapidamente: a vulva é o conjuntos dos órgãos genitais externos da mulher, a saber (e vá conferindo): vestíbulo, grandes lábios, pequenos lábios, monte de Vénus, clitóris, corpos cavernosos, bulbos vestibulares e glândulas de Bartholin. Estão todos?

Pronto ““ isto é a vulva… o resto é paisagem… desfrute-a…

  • in “Uma Vez por Semana”, Rádio Comercial,17.5.1986

Quando a esmola é muita…

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia e ainda a política de covid zero na China, levou a uma inflação na Europa de 9%, a maior nos últimos 30 e tal anos.

Os governos têm desenvolvido medidas para tentar minimizar os efeitos da inflação.

Há dois dias, foi a vez do governo português.

Entre outras coisas, vai dar, a cada português que ganhe menos de 2700 euros por mês, um cheque de 125 euros e mais 50 euros por cada filho.

Quanto aos pensionistas, dá-lhes metade da pensão já no próximo mês e, em janeiro, aumenta-lhes a pensão em 4 e picos %.

Os pobres desconfiaram logo…

Para que é que querem 125 euros? Serve para quê?

Ao preço a que está o gasóleo, nem dá para ir ao Porto ver o sítio onde estava o coração do D. Pedro!

E só 50 euros por cada filho? Nem dá para comprar uma mochila como deve ser para o novo ano escolar!

E os pensionistas? Deviam ser aumentados, em janeiro, cerca de 8%, segundo a fórmula inventada pelo Vieira da Silva. Assim, recebem meia pensão agora em outubro, gastam-na toda em raspadinhas e, em janeiro, só são aumentados 4%.

Que roubalheira!

A descida do iva da electricidade para 6% também é outra medida pequenina. Quem tem a electricidade a 6%? Só a malta que usa petromax!

O nosso segundo ministro, Rebelo de Sousa, disse que as medidas anunciadas pelo primeiro-ministro Costa, eram equilibradas e pirou-se para o Brasil para contar a vida de D. Pedro ao Bolsonaro em vinte minutos.

Que saudades do Passos Coelho!

Acabava com esta polémica de uma vez por todas: cortava já o subsídio de Natal a toda a gente e acabava com as reformas principescas de 800 euros para cima!

Pesquisa lingual

Foi quando os seus lábios se encontraram que ela reparou na complexidade da língua. Que órgão maravilhoso aquele!…

Lentamente, minuciosamente, notou que a língua ocupava a parte média da cavidade bucal, sendo mais ou menos ovalar, com uma grande extremidade posterior e terminando por uma ponta, í  frente.

Paulatinamente, com o rigor dos cientistas, percorreu a sua face dorsal, os seus bordos, a sua ponta, e percebeu que todos eram revestidos por uma mucosa. Mais ao fundo, na base, notou que a língua se ligava através de numerosos músculos ao oso hioide, ao maxilar inferior, í  abóbada palatina e í  apófise estiloide.

Já sabia ““ até porque não era nenhuma ignorante ““ que a língua era a sede dos órgãos do gosto, mas só então reparou que, graças a tantos músculos, ela possuía uma mobilidade verdadeiramente fantástica ““ o que explicava a sua participação na deglutição, na mastigação, na fonação e também naquele beijo prolongado e científico.

Cada vez mais interessada, ainda notou que a face superior ou dorsal da língua estava dividida em duas partes por um sulco em forma de vê, aberto í  frente. Mas o seu estudo ficou por aí. Ligeiramente roxo, ele empurrou-a ofegante, abriu a janela de par em par e aspirou uma boa dose de oxigénio, jurando para si próprio que nunca mais beijaria uma estudante de Anatomia…

  • in “Uma Vez por Semana – o seu programa sexual”, Rádio Comercial, 8/2/1986