
“Orbital”, de Samantha Harvey (2023)
Samantha Harvey (Kent, UK, 1975) venceu o Booker Prize de 2024 com este livro.
Penso que o júri valorizou a originalidade deste pequeno livro, cuja acção se desenrola numa estação orbital durante apenas 24 horas.
Lá dentro, seis astronautas de diversas nacionalidades entregam-se às suas actividades rotineiras enquanto a escritora vai descrevendo as diversas órbitas, são 16 ao todo, e o que se vai vendo em cada uma delas, os oceanos, os continentes, um tufão que se está a formar, os acidentes geográficos. Achei o livro monótono e tive alguma dificuldade em lê-lo até ao fim. Com efeito, embora sejam curiosos alguns pormenores relacionados com a vida a bordo de uma estação orbital, a descrição acaba por ser um pouco entediante
Grupo Excursionista “Os Montenegros”
Foi um sucesso a nossa excursão ao Mercado do Bolhão, no Porto. Visitámos demoradamente as bancas dos legumes e das frutas, as diversas bancas de peixe, os talhos e tudo e tudo.
Fomos muito bem recebidos pelas vendedoras com quem trocámos muitos beijinhos e abraços.
No fim, tirámos esta linda foto.
Estamos já a organizar excursões aos mercados de Benfica e de Arroios!

Consultório de Beleza – o buço
Rubrica da responsabilidade da nossa colaboradora Lizete Rimel, especializada em excrescências da cútis, com dois cursos tirados em Paris a uma pessoa que ia a passar distraída.
Vamos então ao nosso assunto de hoje, que é o buço.
O buço é uma espécie de bigode modesto que algumas senhoras possuem ou, para ser mais científico, um conjunto de pêlos situado entre a parte inferior do nariz e o lábio superior.
As senhoras detestam ter buço e fazem as coisas mais incríveis para o ocultar: disfarçam-no com água oxigenada, lixívia ou ácido bórico, rapam-no, arrancam-no e outras coisas piores. Quando os buços são mesmo muito abundantes, as senhoras, em vez de os disfarçarem, disfarçam-se elas próprias. Chega até nós a notícia de que, nos Estados Unidos, foram postas à venda umas pálas especiais, fabricadas em Singapura, que servem exactamente para tapar o buço, aplicando-as sobre aquela região, presas às orelhas por uns atilhos. Vendem-se em várias cores e com aromas delicados.
E, no entanto, o buço é tão simples de extrair, bastando um pouco de paciência e a confecção de um creme, cuja invenção data de há uma data de anos. É a famosa Pomada Buçal, que já as egípcias usavam para tirar o buço. Diz-se mesmo que a própria Cleópatra usava essa pomada, embora alguns historiadores de cosmética garantam que isso é uma mentira enorme, já que o nariz da Cleópatra era suficientemente extenso para tapar o buço.
Ora bem, a receita é simples: arranje 500 gramas de farinha de trigo e misture com 250 gramas de algodão em rama, um dente de alho, duas cebolas picadas com um alfinete, uma lata de graxa castanha, um pouco de noz mosca e derreta tudo em banho-maria ou Manuel, conforme. A mistura obtida é passada depois pelo picador e novamente se amassa até formar uma pasta de consistência duvidosa, assim entre a argamassa e o granito. Em seguida, aplica-se sobre o buço, tendo o cuidado de evitar o nariz. Há casos de senhoras que ficaram sem o nariz ao retirar a pomada…
Depois de bem aplicada, deixa-se ficar durante 22 horas e 52 minutos, findos os quais se puxa por aquilo como se fosse fita-cola. Em princípio, os pelinhos saem com um gritinho de dor. No entanto, pode acontecer que não saiam e, nesse caso, não sei.
Bom dia e paciência para todas são os desejos de Lizete Rimel, cujo buço faria inveja ao próprio Bismark.
- in Programa da Manhã da Rácio Comercial com Júlio Isidro, 13/12/1983
“As Coisas”, de Georges Perec (1965)
Segundo a badana, “As Coisas”, romance de estreia de Georges Perec (1936-1982), tornou-se um “clássico da literatura contemporânea.”
Pode ser que sim, mas é um romance demasiado datado e muito localizado em França e numa certa juventude francesa dos anos 60 – que nada terá a ver com a portuguesa dessa época, por exemplo.
Os protagonistas são Sylvie e Jerôme, dois jovens que desistem dos estudos e se dedicam a fazer inquéritos para empresas de publicidade, actividade muito em voga naquela época (em Portugal, um pouco mais tarde, penso).
Apesar de viveram com pouco dinheiro, o grande objectivo da sua vida era tornarem-se ricos e adquirir coisas – daí o título do livro.
Incapazes de conseguirem os seus objectivos em Paris, decidem partir para a Tunísia, que foi um protectorado francês até 1956. Aí, numa cidade triste, Sylvie foi professora e Jerôme não fez nada. Acabaram por regressar a Paris, sem terem conseguido enriquecer.
Apenas interessante.
“Os Enamoramentos”, de Javier Marías (2011)
Javier Marias (1951-2022) tem um estilo inconfundível. A história pode ser muito simples, mas ele envolve-a em considerações filosóficas que a tornam muito longa e complexa, usando parágrafos longos e usando e abusando da conjunção coordenativa “ou”.
Neste romance, Marías conta-nos, mais uma vez, uma história muito simples, embora um pouco tétrica, mas usou um truque narrativo que não sei muito bem se resultou: a história é narrada por uma mulher. confesso que, ao ler certas passagens de enamoramento, digamos assim, essas passagens me soaram um pouco a falso porque, mesmo que não quisesse, sei que o autor é um homem.
Exceptuando estas minudências, é sempre um prazer ler um livro deste autor que desapareceu precocemente.
Mentirolário – vocabulário da mentira
* Quando um fémur se encontra num braço, estamos na presença de um mentirosso
* A mentira nas horas de lazer recebe o nome de mentirócio
* Aqueles répteis cinzentos e repelentes que se fazem passar por simpáticas lagartixas, são as mentirosgas
* Quando um norueguês afirma que a capital do seu país é Nouatchock, deve-se chamar-lhe mentiroslo
* Um herpes simplex que se faz passar por herpes zooster, recebe o nome de mentirzona
* Uma fila em que as pessoas passam à frente umas das outras, inventando as desculpas mais incríveis, chama-se aldrabicha
* Quando aquele nosso amigo muito mentiroso nos convida a dar um passeio no seu iate novo, estamos perante um aldrabote
* Um cão que mia é um grande aldracão
* Se tem pé de atleta na mão, não passa de um aldramão
* Uma rapariga muito feiinha que vence um concurso de beleza é certamente uma aldramiss
* Um daqueles gangster manhosos que não consegue impor respeito aos seus capangas é, sem dúvida, um aldraboss
- Pão com Manteiga – abril de 1988
Spinum viva!
Era uma vez um primeiro-ministro que tinha um espinho na garganta. Ele não o sentia, mas ele estava lá. E como era advogado e percebia de latim básico, chamava-lhe spinum.
Desculpava-se, dizendo que o espinho era antigo e nada tinha a ver com a sua governação como primeiro-ministro, mas o que era certo é que a Oposição questionava a transparência do primeiro-ministro.
A qualidade da transparência tem destas coisas: a gente via o espinho, à transparência e o primeiro-ministro, perante essa evidência, tentou passar o espinho para a mulher e, depois, para os filhos, mas o sacana do espinho não se desprendia da sua garganta. O sacana do spinum viva!
Ter um espinho atravessado na garganta pressiona qualquer primeiro-ministro, por mais honesto que seja. Foi então que o primeiro-ministro desta história decidiu levar o caso ao Parlamento, pedindo uma moção de confiança.
Se os partidos votassem a favor da sua moção de confiança, o primeiro-ministro engolia em seco e deixava o espinho lá enfiado no pescoço, mas se os partidos votassem contra, que novas eleições fossem convocadas – que fosse o povo a decidir se o espinho tinha alguma importância nacional ou não.
E tudo isto por causa de um simples spinum!
Viva?…
Fertilidade
Fertilidade é sempre muita coisa, toneladas, aos montes, à brava, em abundância, para dar e vender, de sobra, em excesso, catadupas.
Fertilidade é um beijo hoje e gémeos nove meses depois.
Fertilidade é abrir, com uma única chave, todas as portas.
Fertilidade é Mozart.
Fertilidade é cuspir na terra e fazer nascer um faval.
As origens da fertilidade perdem-se nos tempos sem idade do nevoeiro da História.
Tudo começou com duas irmãs, provavelmente gregas: Ester e Ferter.
Ester e Ferter deitaram-se com o mesmo homem, Alfredo de Seu Nome.
Alfredo de Seu Nome era o reprodutor por excelência. Setenta por cento dos habitantes de Penopoulos era filho de Alfredo de Seu Nome.
Por isso, Ester e Ferter com ele se deitaram, uma de cada vez, noite sim, noite não, durante 31 dias.
Três meses depois, Alfredo de Seu Nome olhou para o ventre de Ester e apenas viu o umbigo. Olhou então para o ventre de Ferter e viu-o globoso, com a pele esticada, lustrosa, sob tensão.
Os meses passaram e enquanto o ventre de Ester permanecia liso e chato, o de Ferter crescia de uma maneira preocupante.
Nove meses passaram e o corpo de Ester não deitou ao mundo nada que não tivesse deitado antes.
Pelo contrário, Ferter deu à luz sete filhos – mais tarde conhecidos como os sete magníficos: Yul Breyner, Charles Bronson, Steve McQueen, Eli Wallach, Robert Vaughn e mais dois.
Foi assim que, de Ester veio a esterilidade e de Ferter, o filme de John Sturges, com a duração aproximada de 127 minutos, já disponível em vídeo.