“Paradaise”, de Fernanda Melchor (2021)

Depois de “Temporada de Furacões”, em 2017, esta escritora mexicana publicou, em 2021, “Paradaise”. O estilo é o mesmo, a enxurrada de obscenidades, também. Neste livro, de pouco mais de cem páginas, Polo, um adolescente sem eira nem beira, é empregado de um condomínio fechado chamado Paradise (pronunciar Paradaise). A sua vida é uma merda e só pensa em embebedar-se para se esquecer do que tem de enfrentar na sua casa, uma mãe que pouco lhe liga e uma prima, que talvez tenha engravidado. Estabelece amizade com um gordo, Franco, que está obcecado por uma das habitantes do condomínio. É uma mulher atraente, com formas generosas, casada e mãe de filhos, o que não impede o gordo de ter sonhos eróticos com ela.

Esta ligação entre Polo e o gordo vai correr mal, está-se mesmo a ver.

“A verga de Franco palpitava e da ponta brotava uma tira de leite que se enredava entre os seus dedos adormecidos, dedos que de repente já não eram a cona apertada da senhora Marián ou o seu cu franzido mas só os seus dedos de gordo, sujos de gordura e de queijo em pó.”

Fernanda Melchor não tem problema em usar linguagem o mais gráfica possível, bem traduzida, na minha opinião, pela dupla de tradutores, Cristina Rodrigues e Artur Guerra.

“Era óbvio que o tipo nunca tinha estado com uma mulher, que nunca tinha metido a sua pichazinha punheteira numa cona, e por isso é que estava obcecado em meter a tranca na única gaja que lhe sorria e falava com ele com boa vontade, sem mostrar desprezo perante a visão das suas banhas e das suas borbulhas de púbere.”

Para quem, como eu, já tinha lido a anterior novela de Melchor, esta já não foi grande novidade.

“Tempo de Furacões”, de Fernanda Melchor (2017)

Quando comecei a ler este livro lembrei-me logo de outro: O Outono do Patriarca, de Gabriel Garcia Marquez, livro publicado em 1975 e que eu li em 1978.

Lembrei-me desse livro porque, também este, é sempre a andar, sem parágrafos, com uma oralidade muito bem conseguida, como se estivéssemos a ouvir alguém a contar-nos uma história sem pausas, sem sequer respirar. Marquez, no entanto, não facilitou a vida ao leitor porque não colocou pontuação no seu texto, enquanto Fernanda Melchor deu-nos uma grande ajuda, usando vírgulas e pontos finais – mas não parágrafos.

Fernanda Melchor é uma escritora mexicana (Vera Cruz, 1982) e com este livro foi finalista do Booker Internacional de 2020.

A história – que não é o mais importante, penso eu – gira em redor de uma Bruxa, numa localidade perdida do México e de um grupo de pessoas desgraçadas, pobres, drogadas, sem trabalho, que se prostituem, se drogam, se matam, se amedrontam com feitiços, acumulam más decisões e não têm futuro.

A linguagem que a escritora usa é dura.

Página 34:

“ (…) para que a velha finalmente se apercebesse do género de menino que era o seu neto, maricas de merda e cobarde, devasso de merda que nunca agradeceu tudo o que a avó fez por ele, tudo o que teve de lhe suportar, porque se não tivesse sido a avó, o raio do rapaz teria morrido, porque a puta que o pariu tinha-o completamente abandonado e cheio de parasitas, maltratado e cheio de fome numa choça enquanto ela andava na maior a fazer vida de puta na estrada.”

A linguagem é mesmo muito dura.

Páginas 134/135:

“porque Maurílio trazia-me pelo beicinho com a sua lábia, com as suas cantiguinhas, mas sobretudo com a sua verga; porque eu tinha catorze anos quando o conheci, acabada de chegar a Villa, farta até aos cabelos de cortar limões lá no rancho e de o meu pai arrecadar o dinheiro todo e a gastá-lo a emborrachar-se e a apostá-lo nos galos; até ao dia em que eu soube que andavam por aqui a construir uma estrada nova, para ligar os poços a Puerto, e que diziam que era uma mina de ouro e que havia muito trabalho e eu não sabia fazer nada, só cortar limões, mas vim na mesma para cá sozinha, e qual foi a minha surpresa quando vi que esta terra era ainda mais fodida que Matadepitas, puta que pariu, e o único lugar onde me deram trabalho foi la na fonda da dona Tina, maldita puta velha e cara de caralho, avarenta como só ela. Eu quase tinha de lhe pedir por favor que me pagasse, negra de merda, e dizia que eu ficava com as gorjetas – mas quais? -, se naquela barraca de merda não paravam nem as moscas.”

E dou só mais um exemplo, caso contrário, começo a transcrever o livro todo.

Página 156:

“Eh pá, o Nelson, o que será feito desse paneleiro? Dizem que foi para Matacocuite e que montou um salão de beleza e que já ninguém o trata por Nelson, agora chama-se Evelyn Kristal. Ganda paneleiro, as nalgotas que ele tinha, lembras-te, mano? E de como ele passava à nossa frente a dar ao cu e a fingir que não percebia que nós o estávamos a ver? Ainda era bem novo quando lhe tirámos os três, mas também já estávamos fartos de andar a ver-lhe as nalgas, cheios de tesão, e um dia levámo-lo ali para os lados da via-férrea e entre demos demos-lhe a foda da vida dele, lembras-te mano? O paneleirote até chorava de alegria, não sabia nem o que fazer com tanto caralho!”

Claro que tenho de falar nos tradutores – diria adaptadores, porque a autora não terá escrito termos como “paneleirote” ou “panisgas”, ou “cheio de nove horas” e muitos outros. Os tradutores são Cristina Rodrigues e Artur Guerra que, segundo informação da editora Elsinore, traduziram já centenas de livros desde a década de 1990 e usam, como método de trabalho, lerem tudo em voz alta.

Também este livro merece ser lido em voz alta.

Aconselho vivamente…