“Escritos Pornográficos”, de Boris Vian

—O que não terá feito Boris Vian, na sua curta vida de 39 anos? Um livro com receitas de cozinha? Ou como podar arbustos? Ou mezinhas caseiras para curar a gripe?

Se o tivesse feito, alguém o teria publicado, certamente.

Este pequeno livro, de capa muito dura, para enformar, contém um Prólogo de sete páginas, da autoria de Noel Arnaud, Notas sobre os textos (mais 6 páginas), referências Bio-Bibliográficas (mais 4 páginas), ilustrações de Pedro Vieira (mais 7 páginas) e, propriamente da autoria de Boris Vian, 48 páginas, 26 das quais pertencendo a uma espécie de conferência, intitulada “Utilidade de uma literatura pornográfica”, e que é um texto com muito pouco interesse e que poderia ter continuado na gaveta.

Os restantes textos de Vian incluídos nesta colectânea, têm, também eles muito pouco interesse e Vian tê-los-á inscrito porque sim. São eles: “Liberdade”, “Durante o Congresso”, “As Fufas”, “A Marcha do Pepino”, “A Missa em João Menor” e “Drencula, excertos do diário de David Benson”, o único texto que poderá ser considerado “pornográfico” e que tem alguma graça.

Gosto muito do Boris Vian, mas senti-me enganado ao dar 17 euros por este livrinho da Guerra e Paz, que poderia surgir como “extra” numa qualquer reedição do “Outono em Pequim”.

“O Complexo de Portnoy”, de Philip Roth

—Como preâmbulo, Roth explica que o “complexo de Portnoy é uma perturbação na qual profundos impulsos éticos e altruístas entram em perpétuo conflito com desejos sexuais descomedidos, muitas vezes de natureza perversa”.

Está lançado o mote para este romance de 1969, em que Roth, por trás da personagem de Alexander Portnoy, dá largas í  culpa judaica (e eu acrescentaria, judaico-cristã) – í  culpa em sentido lato, embora, nesta história, a culpa esteja mais direccionada para o sexo.

O judeu Portnoy tem uma mãe castradora e um pai ausente – história habitual. E cedo vai descobrir os prazeres do sexo, mas sempre com uma culpabilidade que o vai levar a uma hipocondria paranóide.

Roth conseguiu fazer-me escangalhar a rir, graças ao uso do vernáculo puro e duro, em rajadas de parágrafos:

«Cada rapariga que vê (agarrem-se bem!) traz, afinal, entre as pernas, uma cona de verdade. Extraordinário! Assombroso! Ainda hoje ele (Portnoy) não se refez da ideia fantástica de que, quando olha para uma rapariga, está a olhar para alguém que é garantidamente portador – de uma cona! Todas elas têm cona! Logo ali, por baixo dos vestidos! Conas – para foder!» (pág. 103)

Numa espécie de discurso de ódio, Roth, através de Portnoy, invectiva a hipocrisia da religião judaica, mas também não é simpático para os cristãos:

«Só mesmo uns pobres trouxas sem nada dentro da cabeça é que podem adorar alguém que, primeiro, nunca existiu, e segundo, se existiu, com o aspecto que tem naquela imagem, era com certeza o maior maricas da Palestina. Com o cabelo cortado í  pajem e uma pele de anúncio do Palmolive – e uma vestimenta que hoje me pareceria saída do Fredericks de Hollywood! Basta de Deus e de todas essas tretas! Abaixo a religião e o aviltamento do homem! Viva o socialismo e a dignidade humana!» (pág. 65)

A história de Portnoy é contada pelo próprio a alguém, a quem ele se dirige, e que parece ser um psicanalista, um médico, um juiz. Este truque permite a Roth escrever um longo monólogo de 260 páginas em tom panfletário, que se lê quase de um fí´lego.

Com este, já li onze livros do Roth e não me canso.

“An Education”, de Lone Scherfig (2009)

—Mais um daquele filmezinhos ingleses, simples e sem grande orçamento, que são agradáveis de ver e que, sem serem obras de arte inesquecíveis, são escorreitos e proporcionam um bom entretenimento.

Escrito por Lynn Barber e adaptado ao cinema por Nick Hornby (o mesmo de “High Fidelity” e “About a Boy”), o filme passa-se na Londres de 1961 e conta-nos a história de uma miúda de 16 anos (Carey Mulligan), filha de um casal da pequena burguesia, de onde se destaca o pai (Alfred Molina), boa aluna e muito prendada, que conhece um homem mais velho (Peter Sarsgaard), que lhe vai mostrar as coisas boas da vida, acabando por pedi-la em casamento, afastando-a dos estudos e da eventual entrada em Oxford, sonho da família.

Só que esse homem tem vários segredos e a rapariga vai passar um mau bocado.

Parece uma história já conhecida e acaba por ser, mas está bem contada e não incomoda a inteligência.

O que eu aprendi com a negociação do Orçamento

Que Sócrates e Passos Coelho querem fazer de conta que pouco têm a ver com a discussão em torno do Orçamento.

Que aquilo é lá uma coisa entre aqueles dois ursos brancos.

Que, afinal, a aprovação do Orçamento só é importante para o PS e o PSD – para o Bloco, os comunistas, o Paulo Portas e o Alberto João, o melhor era chumbar o documento e… e…

Que todo este teatro só serviu para nós dizermos: «ufa! até que enfim que há acordo! que contente que eu estou pelo facto de o iva ter subido para os 23% e me irem sacar 10% do meu ordenado! Estava a ver que não conseguiam chegar a acordo! Assim, quando me forem ao bolso, sei que é por acordo entre os dois maiores partidos de Portugal!»

Que Paulo Portas já explicou que ele teria solução para todos os problemas orçamentais mas, como ficou de fora da negociação, junta-se ao problema, em vez de ajudar a uma solução.

Que Jerónimo de Sousa já teria resolvido isto há muito tempo, tomando as mesmas medidas que Vasco Gonçalves (quem?) tomou em 1976.

Que Louçã, apesar de tudo, anda muito arredado porque, no fundo, ele poderia propor sair da União Europeia, mas continua a gostar das camisas Gant.

Que, ao fim e ao cabo, como eu já disse, tudo se resumiu, afinal, ao IVA do leitinho com chocolate.

O PS, partido de esquerda, acha que leite com chocolate é para a burguesia endinheirada.

PSD, partido de direita liberal, acha que leite com chocolate é um direito adquirido da classe média.

Vitória da direita: o leitinho com chocolate ficou a 6%!

O que eu aprendi com o discurso de Cavaco

Com o Cavaco nunca se aprende nada. Um fulano que foi primeiro-ministro durante 10 anos e que se vangloriou de ter feito todas as reformas estruturais e que, afinal, não fez nenhuma , não pode ter nada a ensinar a ninguém.

Mas quer ficar mais cinco anos em Belém. Porquê?

Porque pode. Porque está mesmo convencido que é bom e providencial.

No anúncio da sua recandidatura, disse:

«Dei indicações para que a minha campanha não ultrapasse metade do valor que é permitido (…), não colocarei um único carta exterior».

Não estava í  espera que Cavaco andasse a colocar “outdoor”. De certeza que alguém os colocará por ele e o preço desses cartazes acabará por ser pago pelos contribuintes.

E disse ainda:

«Em que situação se encontraria o país sem a acção intensa e ponderada, muitas vezes discreta, que desenvolvi ao longo do meu mandato?»

Quer dizer: o país está í  beira da bancarrota, os dois principais partidos fazem figura de parvos para conseguirem um acordo pré-nupcial que salve o Orçamento deste ano e Cavaco pergunta onde é que estaríamos, se não fosse ele?

Por outras palavras: estamos na merda mas, se não fosse o Cavaco estaríamos na…merda!

Ora, abóbora, Aníbal!

E o homem disse ainda:

«A minha magistratura de influência produziu resultados positivos»

Onde? Em que sector da sociedade? Em que estrato profissional? Onde é que se sente a influência de Cavaco Silva?

E ainda disse:

«Portugal precisa de um Presidente que contribua para a dignificação das Forças Armadas».

Porquê?!

Estamos em guerra? Tememos a invasão dos castelhanos? Precisamos de mais submarinos, bombas de neutrões, mísseis terra-ar? Precisamos, sequer, de Forças Armadas? Olha, a Costa Rica não tem Forças Armadas e tem costas em dois mares!

Por que carga de água Cavaco, com 71 anos, não se reforma e volta para Boliqueime, de onde nunca deveria ter saído?

O país não precisa de homens destes!

Do queijo limiano ao leite com chocolate

Aqui há uns anos, Guterres conseguiu que o Orçamento fosse aprovado graças í  “traição” do democrata-cristão Campelo, de Ponte de Lima que, a troco de um benefício qualquer para o queijo limiano, votou ao lado do PS.

Agora, Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga dialogam, em busca de um acordo que permita a passagem do Orçamento deste ano e tudo se pode resumir ao leite com chocolate.

Os portugueses consomem, segundo o DN, 75 milhões de litros de leite com chocolate por ano, ou seja, 375 milhões de pacotes!

Com o aumento do IVA de 6% para 23%, o Estado irá arrecadar, só em leite com chocolate, 16 milhões de euros!

Mas que raio de povo é este que bebe 75 milhões de litros de leite com chocolate por ano?!

A mesma notícia apresta-se a esclarecer que, aqui ao lado, em Espanha, a taxa de IVA sobre o leite com chocolate subiu apenas de 3 para 4%. Por estes motivo, é natural que comecemos a ver, aos fins de semana, portugas a correr para Espanha para encher os depósitos com gasolina e os porta-bagagens com pacotes de leite com chocolate!

Vem FMI!

Esta malta não merece nem este nem nenhum outro Orçamento!

Um procurador que faz rimas

A notícia do Expresso é quase incrível.

Saiu ontem e diz assim: «O magistrado chegou vinte minutos atrasado ao julgamento de um caso banal, ouviu um reparo da juíza e justificou-se com o despertador do telemóvel, que não tocou. Depois, mandou o funcionário judicial ir ao casaco buscar umas folhas e disse dez quadras que escreveu durante a viagem de metro até ao tribunal cível de Lisboa».

Tudo isto já parece impossível, mas o jornalista Rui Gustavo (rgustavo@expresso.impresa.pt) faz questão de desenvolver a notícia e de nos presentear com quatro das dez quadras que o procurador José Vaz Correia escreveu.

A qualidade das quadras fica logo atestada por esta:

“Os comboios já vão cheios / muitos se levantam cedo
nas mulheres aprecio os seios / mas têm outro enredo”

Pausa para podermos reler a quadra e imaginar o procurador a lê-la, em voz alta, para a juíza – ou melhor ainda, para imaginarmos este membro de um órgão de soberania, sentado no metro, a escrever esta quadra.

As outras duas quadras têm, também, fino recorte literário, mas a minha preferida é esta:

“São sete e pouco da manhã/ viajo de Metro para o trabalho
fi-lo ontem, farei-o amanhã /só sou aquilo que valho”

“Farei-o”?!

Do verbo farar?!

A notícia continua dizendo que «o procurador pí´s baixa médica e não tem estado no tribunal».

Deve estar a aprender a escrever português…

País de poetas…

País de patetas…