“Gravidade Zero”, de Woody Allen (2002)

Por que raio Woody Allen decidiu publicar mais este livro?

Porque pode.

É um livro chato, sem grande graça, cheio de referências demasiado nova-iorquinas para poderem ser totalmente compreendidas por lisboetas, mesmo que esses lisboetas, como é o meu caso, já tenham ido a Nova Iorque e vejam muitas séries norte-americanas.

Penso que me sorri duas vezes. Na página 119, quando conta que “os meus pais esperavam gémeos. Ficaram devastados quando viram que vinha só eu. Não souberam lidar com o facto. Nos meus primeiros anos, vestiram-me de gémeos. Dois chapéus, quatro sapatos.” E na página 164, quando escreve que “A mãe, Ruth, era uma mulher habitualmente zangada que elevava o queixume à condição de arte”.

O resto do livro, é mesmo chato.

Depois de várias histórias curtas, sem pilhéria nenhuma, o livro termina com uma história mais longa, de cerca de cinquenta páginas, que começa muito bem, com a descrição de uma família, onde se incluiu a tal Ruth, mas depois descamba para um rol de lugares-comuns, terminando com um final pífio.

Não recomendo.

“Golpe de Sorte”, de Woody Allen (2023)

Quem sabe, não esquece (às vezes…) e Woody Allen, apesar dos seus 87 anos parece ainda não ter esquecido.

“Coup de Chance” é uma história simples, mas bem narrada, com algum suspense pelo meio. Contada com limpeza e num tom irónico, vai desvendando um crime, que leva a outro e ainda a outro, que acaba por não se consumar devido a um golpe de sorte.

Li algures que Allen tem tido dificuldade em contratar actores americanos para as suas películas, devido às acusações que impendem sobre ele desde há alguns anos. resolveu muito bem o problema desta vez. O filme é todo falado em francês e os actores são, também eles franceses.

Fanny (Lou de Laâge) é casada com um homem de negócios bem-sucedido, Jean Fournier (Melvil Poupaud) – tão bem-sucedido que se suspeita que tenha feito desaparecer o seu sócio. Certo dia, Fanny encontra na rua um antigo colega da escola, Alain (Niels Schneider) e, a pouco e pouco, a sua relação via-se tornando mais íntima. O resto vem daí.

Uma maneira bem agradável de passar hora e meia no cinema. Pena as pipocas! Apesar de, na sala, só estarem espectadores acima dos 50 anos, havia um que se batia com um balde de pipocas digna de um puto de 14! O mastigar do velhadas confundia-se com os érres carregados dos actores franceses.

“A Propósito de Nada”, de Woody Allen (2020)

Sou um admirador de Woody Allen e não podia deixar de ler esta sua autobiografia, que não me decepcionou.

Claro que Allen aproveita a oportunidade para fazer a sua defesa, no que respeita às acusações de Mia Farrow, de que terá abusado sexualmente de Dylan, a filha adoptada por ambos. Gasta várias páginas descrevendo pormenores das investigações levadas a cabo por equipas independentes e que chegaram à conclusão de que não teria havido nenhuma violação; mostra-se triste e revoltado por continuar a ser considerado culpado, embora nunca o tenha sido em tribunal e, com esse facto, ter sido prejudicado na sua carreira como realizador. Fala, também, dos muitos actores que, temendo não conseguir trabalho, renegaram os filmes que com ele fizeram. Fala também dos que o apoiaram e continuam a apoiar.

Mas deixando este triste episódio para trás, o livro é divertido, como não podia deixar de ser.

Allen conta algumas coisas da sua família, fala-nos de como começou a sua carreira como inventor de piadas para outros, depois, como passou a ser ele a interpretar o seu próprio material e, finalmente, como deu o salto para o cinema.

Descreve, com algum pormenor, todos os seus filmes, desde o horrível What’s New Pussycat, que ele abomina, até ao mais recente A Rainy Day in New York.

Ficamos a saber que do que ele mais gosta é de escrever, porque, no que respeita a cinematografia, parece não perceber nada de fotografia, enquadramentos, luz, etc, limitando-se a saber que é preciso tirar a tampa da objectiva e depois, filmar. Detesta ensaios, repetições de cenas e gosta de acabar as filmagens cedo, para poder regressar a casa, que é onde ele gosta de estar.

Ao longo das quase 450 páginas, Allen desvaloriza-se; não é nenhum intelectual, muito menos um génio, e não se considera um bom realizador.

Fala longamente das suas mulheres, desde a jovem Harlene, passando pela instável e divertida Louise Lasser, Diane Keaton e Mia Farrow e, finalmente, Soon-Yi, filha adoptiva de Mia e com quem está casado há mais de 20 anos. Allen tinha 58 anos e Soon-Yi tinha 21 quando casaram, e o realizador dedica-lhe o livro e enche muitas páginas elogiando-a.

A melhor piada do livro, na minha opinião: quando morrer, Allen quer que as suas cinzas sejam espalhadas junto a uma farmácia.

“A Rainy Day in New York”, de Woody Allen (2019)

Woody Allen nunca desilude. Os seus filmes são todos iguais, e todos diferentes. Claro que já não há aquela surpresa que causaram “Annie Hall” ou “Manhattan”, mas há sempre uma história bem contada, com diálogos inteligentes, algumas boas piadas e muito romantismo, sem ser piegas.

Desta vez, Allen escolheu novamente New York como cenário de fundo, embora o filme se passe, quase todo, em interiores. Imagino que fazer cenas tendo, como pano de fundo, a Brooklyn Bridge, o Empire State, o East River, a Broadway, deveria sair muito caro – portanto, temos a cena final no Central Park e já vamos com sorte.

Gatsby (Timothée Chalamet) é um jovem universitário que gosta muito de Manhattan e leva a sua namorada, Ashleigh (Elle Fanning) para um fim de semana em que lhe deveria mostrar a cidade. Ela vai fazer uma entrevista de uma hora a um realizador de cinema famoso, para ser publicada no jornal da Faculdade.

Só que, além da entrevista, ela se vê envolvida em diversas peripécias relacionadas com a fauna do cinema, acabando no apartamento de um actor mais ou menos famoso, e ele deambula pela cidade, sempre debaixo de uma chuva copiosa e, como vê todos os seus planos falhados, acaba por contratar uma prostituta para se fazer passar pela sua namorada numa festa organizada pela mãe dele.

E há, ainda, a irmã mais nova de uma antiga namorada de Gatsby.

Gostei de ver estes actores muito jovens; Timothée Chalamet tem todos os tiques de Woody Allen (por que será?).

Hora e meia de entretenimento garantido.

“Blue Jasmine”, de Woody Allen

A tradição ainda é o que era: nas minhas férias há sempre um novo filme de Woody Allen para ver.

blue jasmineDepois de um período menos bom (não gostei muito da “fase Barcelona” de Allen), o realizador parece que reencontrou a sua verve e os últimos filmes têm estado à altura do seu status (Midnight in Paris, 2011 e To Rome With Love, 2012).

Este Blue Jasmine também é um bom filme.

Woody Allen mantém-se atrás das câmaras (disse que, se fosse o protagonista, o filme passaria a ser uma comédia) e Cate Blanchett domina todo o filme, fazendo o papel de uma mulher da alta sociedade de Nova Iorque, cujo marido (Alec Baldwin) dirige negócios especulativos, que permitem, ao casal, levar uma vida de fausto.

Entretanto, as fraudes são expostas, o marido é preso e, na prisão, suicida-se e Jasmine vai viver para San Francisco, para casa da sua irmã (Sally Hawkins), uma simples empregada de supermercado.

Jasmine não está habituada a viver numa casa tão modesta, tem que aturar o  bronco do namorado da irmã (Bobby Cannavale), vai ter de arranjar um emprego e tirar um curso de computadores.

Sempre à beira de um ataque de pânico, recorrendo constantemente ao Xanax, Jasmine não consegue deixar de ser quem era.

Hora e meia bem passada.

“Midnight in Paris”, de Woody Allen

E vão 36 filmes do Woody Allen.

Até “Matchpoint” (2005), não falhei nenhum. Desde então, cansei-me um pouco de Woody Allen e só vi “Vicky Cristina Barcelona” (2008) e “Whatever Works” (2009), tendo falhado outros três filmes.

Mas Allen ainda não perdeu o jeito e este “Midnight in Paris” está bem esgalhado.

Ao estilo de “The Purple Rose of Cairo” (1985), o protagonista (Owen Wilson) torna-se personagem da sua própria fantasia.

Em “A Rosa Púrpura do Cairo”, o herói (Jeff Daniels), viu tantas vezes o mesmo filme que acabou por saltar para dentro da tela e contracenar com os personagens.

Em “Midnight in Paris”, o medíocre argumentista Gil Pender (Wilson a fazer de Woody Allen), salta no tempo para os anos 20 parisienses, ao entrar num velho Peugeot, à meia-noite.

Nesses saltos no tempo, Pender vai conhecer Picasso, Hemingway, Dali, Gertrudes Stein (Kathy Bates), Luis Buñuel, Man Ray, Cole Porter – enfim, todos os seus heróis e também Adriana (Marion Cotillard), que foi amante de Modgiliani e de Braque e que vive agora com Picasso.

Esta nova realidade, que Pender passa a viver, todas as noites, depois da meia-noite, afasta-o cada vez mais da sua realidade, isto é, da sua fútil noiva e dos seus futuros e execráveis sogros.

Mas Allen leva este “regresso ao passado” mais longe, já que Adriana gostaria de ter vivido na bélle époque e ambos acabam por fazer uma visita a essa era, onde encontram Degas e Gaugin, que gostariam de ter vivido no Renascimento. Para já não falar no detective que, a certa altura, começa a seguir Pender…

Woody Allen está em forma. Novamente.

PS – Há muito tempo que não ia ao cinema e já não me lembrava bem porquê. Hoje confirmei: sentámo-nos numa das salas vazias das Amoreiras às 13h e começámos a ver o filme às 13h25, depois de uma chuva de anúncios idiotas, com um som altíssimo!!! Cerca de 50 minutos depois, o filme é cortado à faca para um intervalo de sete minutos! Porquê?!

“Whatever Works”, de Woody Allen

Woody Allen voltou às boas comédias com este “Whatever Works”, traduzido para “Tudo Pode Dar Certo”, que é exactamente o contrário do título original e da filosofia do filme.

“Whatever Works” quer dizer qualquer coisa como “o que for, soará”, ou “seja o que for”, ou “desde que resulte” – nunca “tudo pode dar certo”. Pode e não pode…

O personagem principal é Boris Yelnikoff, um físico reformado que quase ganhou o Nobel e interpretado por Larry David (outro trunfo do filme – já que todos estamos um pouco farto destes personagens interpretados por Allen). Boris está sempre zangado, não suporta os outros seres humanos porque, como tem um QI de 200, todos são imbecis, a seus olhos. Vive sozinho e detesta tudo e todos até que, certo dia, acolhe em sua casa uma jovem sulista (Evan Rachel Wood), ignorante, pouco mais que analfabeta e que, acabada de chegar a Nova Iorque, não tem onde dormir.

A partir daí, a história do Pigmalião, de Bernard Shaw, repete-se, mas com os tiques de Woody Allen. Claro que Boris é um hipocondríaco, tem crises de pânico e, temendo a gripe A, canta o “Happy Birthday” duas vezes, enquanto lava as mãos, tal como a OMS aconselhava.

O filme está cheio de boas piadas e embora seja um déjà vu das comédias de Allen, vale a pena o tempo e Larry David merece 20 valores.

Aconselho.

“Vicky Cristina Barcelona”, de Woody Allen

vickycristinaPor que razão teima Woody Allen em fazer um filme todos os anos?

Porque pode.

Allen está velho e chato, repetindo-se, de filme para filme, não tendo nada de novo para mostrar, penso eu.

O último filme de Woody Allen que valeu a pena ver foi “Match Point” (2005) e a sua carreira faz lembrar, de certo modo, a curva de Gauss: vai crescendo, até atingir o seu climax, com “Annie Hall”, “Manhattan” e “Hannah and Her Sisters” e, depois, começa a descer, suavemente, até este “Vicky Cristina Barcelona”, que não é só mau no título…

Trata-se de mais uma história de encontros e desencontros amorosos, desta vez com o “picante” de uma “ménage à trois”, envolvendo dois espanhóis (Javier Bardem e Penélope Cruz).

Mais uma vez, tudo se passa no seio da classe média alta. A menina Vicky (Patricia Clarkson) está a fazer um doutoramento em “Identidade Catalã”. Ãh?! E vai passar um verão em Barcelona, levando a sua amiga Cristina (Scarlet Johansson), que não faz nada na vida. Ambas conhecem um pintor (Javier Bardem), que, amargurado por ter terminado uma relação conflituosa com a sua mulher (Penélope Cruz), convida ambas as americanas para a sua cama.

Depois, há por ali umas cenas que Almodovar não desdenharia e tudo acaba como começou, isto é, sem que nada de importante tenha, de facto, acontecido.

Um bocejo de um realizador cada vez mais de pantufas calçadas…