É por estas e por outras que os referendos podem ser uma má ideia.
As coisas que por aí se têm dito sobre o aborto – quer os movimentos pelo “sim”, quer os pelo “não” – são tão bárbaras que, por vezes, apetece que as mães dos tipos que as dizem, tivessem abortado.
Já ouvi dizer que, com a aprovação da lei, o aborto passará a ser tão comum como os telemóveis, que as mulheres que abortam incorrem na pena capital, que o aborto é como o enforcamento de Saddam, que as classes trabalhadores não têm outro remédio senão recorrer aos vãos de escada, para abortar, que o Estado vai gastar cerca de 10 milhões de euros com os abortos, etc, etc.
E depois, como é que os movimentos de cidadãos pelo “sim” e pelo “não” já conseguiram cerca de 200 mil assinaturas para se legalizarem? Não me espantaria que muitas assinaturas fossem repetidas. Aliás, a Comissão Eleitoral já disse que só vai verificar as assinaturas por amostragem, portanto, nunca iremos saber se todas aquelas assinaturas são verdadeiras.
Tal como no outro referendo, vou votar afirmativamente, porque me parece ridículo que, em 2007, ainda seja possível condenar uma mulher por interromper a sua gravidez.
No entanto, não sou capaz de fazer afirmações tão definitivas como a maior parte dos tipos dos diversos movimentos.
Eu sei lá se a mulher que decide abortar tinha alternativas, eu sei lá se ela aborta com o mesmo espírito com que deita fora uma camisola velha, eu sei lá se aquela gravidez iria desgraçar-lhe a vida, eu sei lá se a boa opção seria continuar ou interromper a gravidez.
Sendo médico há 30 anos, já contactei de perto com tantas mulheres que fizeram uma ou outra opção e cada caso foi um caso.
Quem sou eu, portanto, para decidir em nome de cada uma dessas mulheres?
E quem é o bispo de Viseu, o Patriarca de Lisboa, o Paulo Portas, o líder da Intersindical, a Maria José Morgado, o José Sócrates, ou quem quer que seja, para darem sentenças sobre um assunto tão íntimo, tão pessoal, como este?
E, no entanto, é vê-los falar de cátedra!
Quando oiço alguns tipos do “sim”, tão afirmativos, a defenderem o aborto, quase que me apetece votar “não”.
Quando oiço alguns tipos do “não”, tão peremptórios, a condenarem o aborto, mais vontade tenho de votar “sim”.
Porque lido com pessoas reais, com problemas reais, votarei “sim” – mas com imensa vontade de me abster…