“Fados”, de Carlos Saura

—Depois de “Tangos”, de 1998, Saura debruçou-se sobre o fado e realizou este documentário formidável, que se vê quase como uma história da música mais genuinamente portuguesa.

“Fados” é isso mesmo, uma sucessão de fados, uns ilustrados com imagens de Lisboa, outros acompanhados de coreografias originais, outro recriando uma casa de fados, outro ainda com a câmara fixa na boca da fadista. Pelo meio, homenagens a Alfredo Marceneiro (com um rap um pouco deslocado, digo eu), a Amália Rodrigues e a Lucília do Carmo.

Momentos brilhantes: a interpretação espantosa de Caetano Veloso, de “Estranha Forma de Vida” (Chico Buarque podia ter feito melhor com o seu “Fado Tropical”, embora Júlio Pereira dê uma ajuda) e  Lila Downs, de quem eu nunca tinha ouvido falar, que canta muito bem uma versão bem esgalhada do clássico “Foi na Travessa da Palha”.

Em geral, todos os momentos são bons, incluindo Argentina Santos, que canta fado como deve ser. Só não gostei de Carlos do Carmo e da Mariza (embora a guitarra de Rui Veloso quase safe a coisa), mas isso são opiniões muito pessoais e que devem ser consideradas quase sacrílegas.

ER – 12ª série

—Se o ER sem o Dr. Greene já não era a mesma coisa, sem o Carter, ainda é menos.

Em desaceleração, em direcção ao fim da série (parece que acaba na 15ª época), este ER, ao querer competir com os seus congéneres, tipo Grey’s Anatomy, dá menos importância ao que se passa nas urgências do County e mais ao que se passa nas vidas privadas dos actuais heróis.

Nesta 12ª série, temos mais dois episódios fora do County, passados num campo de refugiados, em Darfour. Se, por um lado, para o público norte-americano, estes episódios podem ser um modo dar publicidade a uma situação de calamidade, por outro lado, os médicos americanos transformam-se em super-heróis muito bonzinhos, ajudando os pretinhos coitadinhos, o que me parece uma visão um bocado neo-imperialista da coisa.

Apesar disso, ainda há um ou outro episódio que se safa, sobretudo quando as urgências se enchem de vítimas de algum acidente e tudo começa a correr mal. Nesses episódios, o ritmo ainda é alucinante e os 40 minutos passam num instante.

Um kick no Flores

Senhores, estou farto!

Levar 5-1 do Olimpyakos doeu, mas os gregos vivem lá longe.

Agora, perder 2-0 com o Trofense?!

Será que o Flores não via que o Bynia estava ali, estava a ser expulso?

Será que não viu que o Carlos Martins estava vesgo?

Será que não percebeu que o Jorge Ribeiro estava bem era no Boavista?

Trocar o Di Maria pelo Cardozo?!

Insistir no Ruben Amorim pela direita?

Sou só eu é que vejo estas coisas?

Então e tu, ó castelhano de má pinta? Onde tiraste o curso de treinador? Saiu-te em alguma embalagem de bolachas Cuétara?

Que tipo de palestra proferiste, durante o intervalo, que os gajos ainda jogaram pior na segunda parte?

Quatro remates í  baliza em todo o jogo?

í“ Flores, do que tu precisas mesmo é de um kick num sítio que eu cá sei.

Para a próxima, peço o despedimento com justa causa para esse espanholito de patilhas grandes que, depois de ser afastado da Uefa, da Taça de Portugal e do primeiro lugar da Liga, ainda só tem uma coisa a seu favor: os 6-0 ao Marítimo.

É pouco…

Ai Flores, Flores, que ainda levas com o regador!…

“O Cisne Negro”, de Nassim Nicholas Taleb

—“Antes da descoberta da Austrália, as pessoas do Velho Mundo estavam convencidas de que todos os cisnes eram brancos.”

Assim começa este livro que não podia ser mais actual, agora que estamos a sofrer as consequências de um acontecimento “inesperado”: a crise no mercado imobiliário norte-americano, os empréstimos não pagos, o tal sub-prime ou coisa que o valha.

Os economistas não previram esta crise, assim como não previram crise nenhuma porque, segundo a opinião de Taleb, só têm curvas de Gausse na cabeça e a realidade nada tem a ver com a curva em forma de sino.

Confesso que a leitura deste livro nem sempre foi fácil. Taleb navega em águas que não são as minhas. Mas captei o essencial: o inesperado, a incerteza, fazem parte da vida e não podemos prever nada se basearmos as nossas previsões apenas nas certezas – há que contar, também, com a incerteza.

Algumas ideias interessantes:

“A distinção entre escritor e padeiro, especulador e médico, burlão e prostituta, constitui uma forma útil de analisar o mundo das actividades, separando as profissões em que se podem adicionar zeros í  remuneração sem grande trabalho, daquelas em que é necessário aumentar o trabalho e despender mais tempo”.

Esta, então, faz-me lembrar qualquer coisa recente:

“O banco da Reserva Federal protegeu-os í  nossa custa, com o dinheiro dos nossos impostos: quando os banqueiros «conservadores» têm lucro, ficam eles com os benefícios; quando têm prejuízo, pagamos nós.”

Citando John Stuart Mill:

“Nunca foi minha intenção dizer que os conservadores são, de um modo geral, estúpidos. O que quis dizer foi que os estúpidos geralmente são conservadores”.

Sobre os especialistas:

“O problema dos especialisas, é que não sabem o que não sabem”.

Taleb não gosta de economistas em geral, de estatísticos e, sobretudo, de jornalistas, os fazedores de médias. E diz:

“Preocupo-me menos com os riscos propagandeados e sensacionalistas, mais com os riscos ocultos que representam um maior perigo. Preocupo-me menos com o terrorismo do que com a diabetes”.

A maior parte do livro passa-o Taleb a zurzir na curva de Gausse que, segundo ele, infectou todas as áreas. A da saúde, por exemplo. Veja-se o que se passa com a famosa “epidemia da gripe” actual, cujo pico já deveria ter ocorrido na véspera do Ano Novo, segundo a tal curva de Gausse e que – digo eu – nem sequer existe. Ou então, a existir, terá vários picos, uma vez que a difusão do vírus tem a ver com o contacto entre as pessoas, que será maior nos dias de trabalho, nos transportes públicos, nos escritórios, nas escolas, do que nos fins-de-semana, em que muita gente fica em casa. Ou não. O modo como se comporta o vírus da gripe não pode ser mostrado por uma curva de Gausse.

Restam, portanto, os fractais e, por isso, Taleb dedica o livro a Benoit Mandelbrot. Confesso que não percebi muito bem o que são fractais e penso que isso também não é muito importante para o meu dia-a-dia. Percebi, no entanto, que existe uma alternativa ao pensamento “gaussiano” e que essa alternativa é capaz de prever “melhor” a incerteza.

Mistérios portugueses

Primeiro: a crise está aí. Ataca em todas as frentes. Os comerciantes, por exemplo, queixam-se. Muito.

O Expresso diz que, durante 2008 fecharam, pelo menos, 11 mil estabelecimentos comerciais. E o negócio vai mal. Muito mal. Apesar do Natal.

Então, pergunto: para onde foram os 4,3 milhões de euros que os portugueses movimentaram com os seus cartões multibanco, entre 1 e 25 de Dezembro?

Segundo: a Direcção-Geral da Saúde diz que, na passada quarta-feira, foram registadas 20.863 consultas de urgência, das quais 11.899 nos centros de saúde e 8.964 nos hospitais. No dia 1 de Janeiro, esse número aumentou para 22.761 (11.063 nos hospitais e 11.698 nos centros de saúde).

E eu pergunto: o que tem isto a ver com a “epidemia” de gripe?

Será que todos os doentes que recorrem as urgências têm gripe?

E por que razão, no centro de saúde onde trabalho, o número de consultas diminuiu consideravelmente nos ultimos dias?

Será que os nossos utentes são menos doentes do que os de outras regiões do país?

A crise e a gripe – eis mais dois grandes mistérios portugueses…

2009 – Um ano cheio de dias

Os meus desejos para 2009 são formidáveis e muito oriundos, como dizia o outro, que já cá não está.

Poder levantar-me e dizer, poder movimentar-me e crescer, poder poder.

Saber calar-me e poupar afirmações, guardar as pérolas, afastar-me dos porcos.

Avançar sem me mexer, manter-me atento e ponderado e não demasiado. Em nada.

Escutar, mais do que falar.

Observar, mais do que ser observado.

Decidir, não adiar.

Fruir e ser fruído.

E não acreditar em nada disto.

Aldragripe

Não é meu hábito comentar assuntos relacionados com a minha área profissional.

Penso que estou demasiado envolvido para ter uma opinião isenta.

Mas esta história do surto da gripe, merece algumas palavras e muita reflexão.

Ontem, prolonguei o meu horário. Estive no Centro de Saúde das 8 da manhã í s 22 horas. Fiz as minhas consultas programadas até í s 16 horas e, depois, fiz a consulta aberta a todos os utentes que solicitam consulta no próprio dia, pertençam, ou não, í  minha lista de utentes. Esta consulta – direccionada para os utentes que não puderam ser consultados pelo seu médico de família ou para situações agudas que surgem em horário post-laboral, funciona das 16 í s 20 horas, com dois médicos.

No dia 16 de Dezembro – ainda a gripe não existia… – eu a e a minha colega Emília, atendemos 82 pessoas, nesse período de 4 horas.

Ontem, por determinação superior, prolongámos o horário até í s 22 horas, devido ao surto de gripe.

Consultámos 56 utentes. Nenhum, entre as 20 e as 22 horas!

Dois médicos, duas enfermeiras, uma administrativa e um segurança, cobraram mais 2 horas extraordinárias ao SNS para satisfazer as paranóias dos jornalistas, que inventaram uma epidemia de gripe.

Dizia-me, ontem um dos doentes que consultei: “É pá! Isto hoje ainda está melhor do que é costume! O doutor chamou-me tão depressa que nem tive tempo para me sentar! Gripe?! Os gajos querem é vender as vacinas que ainda estão em stock! Dizem que ainda há 96 mil vacinas nas farmácias – deviam eram dá-las í quele tipo com risco ao meio, da Direcção-Geral. Todas!”

Quanto a mim, enquanto bocejava í  espera dos doentes que nunca apareceram, pensei por que razão os jornalistas foram, a correr, ao Amadora-Sintra, na sexta-feira passada, para filmar a sala de espera cheia de doentes e nenhum apareceu ontem, no meu Centro de Saúde, para filmar a sala cheia… de moscas…

“Canção ao lado”, dos Deolinda

—Agradavelmente surpreendido.

Gosto dos Deolinda porque: a) misturam fado com marchinhas populares, valsinhas com samba e tudo com tudo; b) têm um som diferente, fruto da combinação de duas guitarras acústicas (Pedro Silva Martins e Luis José Martins) e um contrabaixo (Zé Pedro Leitão); c) a voz da Ana Bacalhau tem um timbre agradável e alegre; d) as letras das canções são bem esgalhadas, fazendo lembrar o Sérgio Godinho, quando estava em forma.

São muitos pontos a favor dos Deolinda.

Gosto, sobretudo, do “Fado Toninho”, quando ela canta “se não me seguram/ dou-lhe forte  efeio/ beijinhos na boca/ arrepios no peito”.

“Movimento Perpétuo Associativo” é quase um Hino Nacional: “Agora sim, temos a força toda/ agora sim, há fé neste querer/ agora sim, só vejo gente boa/ vamos em frente e havemos de vencer/ agora não, que me dói a barriga/ agora não, dizem que vai chover/ agora não que joga o Benfica/ E eu tenho mais que fazer”.

Gosto menos das “baladas” e das canções mais “sérias”.

Não se perde tempo ao ouvir os Deolinda.