Os gregos são como a pescada

Numa altura em que era preciso uma atitude firme e decidida, os gregos pulverizaram as suas opções eleitorais: 110 deputados da Nova Democracia, 50 do Syriza (extrema-esquerda), 42 do Pasok (socialistas), 32 dos Gregos Independentes (seja lá o que isso for), 26 do KKE (juro que não sei o que é) , 21 da Aurora Dourada (nome lindo para um partido nazi) e 19 da Esquerda Democrática.

Há que assinalar o bom gosto de alguns partidos gregos: é mais elegante dizer Syriza do que Bloco de Esquerda; é mais bonito (e mais enganador), dizer Aurora Dourada do que Partido Nacional-Socialista.

A pescada, antes de o ser, já o era.

Pescada.

Os gregos antes de se verem, já se viram.

Gregos.

O povo, o povo e o povo

O povo andou í  porrada nas lojas do Pingo Doce.

Diz Pacheco Pereira, no seu texto “Humilhação”, publicado hoje no Público:

«Procedeu-se como se no meio de um ajuntamento qualquer, de “manifestação”, seja ela pelo que for, atirasse um molho de moedas para mostrar que era fácil levar as pessoas a andar pelo chão a apanhá-las, quebrando o ajuntamento. As pessoas ficam melhor com o dinheiro que apanharam, mas sabem muito bem que isso significou andar de gatas pelo chão e isto humilha-as. O modo como se escolheu o 1º de maio, o mais politizado dos feriados portugueses, também o mais “social” dos feriados portugueses, o único que está associado a uma simbologia de luta e de reivindicação dos trabalhadores, para fazer isto, tem um significado que não pode ser ignorado. O modo como as coisas correram não foi muito diferente de abrir promoções de 50% na carne na sexta-feira santa, o que naturalmente seria visto como uma provocação desnecessária aos crentes que aceitam as obrigações dietéticas da sua religião.»

E diz Miguel Sousa Tavares, na sua crónica de hoje, no Expresso:

«A direita acredita na caridade, a esquerda acredita na justiça social. (…) Terça-feira passada, o que a Jerónimo Martins fez foi um gesto de pura arrogância empresarial, uma operação reveladora de profundo desprezo e desrespeito pelos seus clientes, disfarçada de caridadezinha social. E não apenas por o fazer sem aviso num primeiro de maio – o que, já de si e para mais na situação actual, revela uma profunda ignorância histórica e uma atitude de ‘vale tudo’. Mas atirar descontos de 50% aos pobres, como outrora os senhores ricos atiravam moedas aos pedintes í  porta das igrejas e ficar a gozar o espectáculo da multidão a disputar a esmola, é a direita novecentista no seu pior, é juntar o insulto í  pobreza.»

Pacheco e Sousa Tavares estão enganados.

Aquela maltósia que andou í  chapada para comprar 250 rolos de papel higiénico a metade do preço, não era o povo.

O povo estava a descer a Avenida da Liberdade, com o Proença da UGT í  frente, dando vivas ao 1º de Maio.

Ou talvez eu esteja enganado e o povo estivesse, isso sim, em frente í  Fonte Luminosa, de punho erguido, gritando palavras de ordem ensinadas pelo Arménio da CGTP.

E daí, se formos a ver bem, o povo, aquilo a que se chama povo, estava em casa, calmamente a ver um daqueles programas televisivos idiotas.

Porque essa do “povo unido”, aconteceu uma vez, ali para o Largo do Carmo – e correu bem porque o Jerónimo Martins, o verdadeiro, não se lembrou de, nesse dia, vender tudo com 50% de desconto.

Os sapatos mais castanhos do Sr. Lopes

Lembram-se de Santana Lopes?

Foi primeiro-ministro durante alguns meses – quem diria?

Agora, está na Santa Casa da Misericórdia, o que está mais de acordo com a sua religiosidade.

E escreve uma crónica semanal no Sol.

Nunca leio.

Mas hoje, o título da crónica chamou-me a atenção.

O título é: “No Porto, as pessoas vestem-se melhor”.

Fui ler.

E li, entre outras coisas, esta pérola: «E qual será a razão de ser desta diferença? A maior proximidade do Norte da Europa? A influência inglesa? Não creio. Mas nota-se até na maneira de vestir de alguns com mais recursos e mais preocupados com as respectivas imagens. Quem não reparou já nos sapatos mais castanhos, nas camisas mais í s riscas largas azuis e brancas, de boas marcas? Entra-se em casas particulares, em escritórios, e sente-se que estão mais í  frente.»

Um tipo lê e não acredita!

As pessoas do Porto (as que têm mais recursos…) estão mais í  frente porque usam sapatos mais castanhos e camisas mais í s riscas largas azuis e brancas, de boas marcas?!

í“ Lopes – e já foste tu primeiro-ministro deste pindérico país!

Emigra, pá!

De vez!

E o que é que eu tenho a ver com isso?

O Diário de Notícias começou hoje a publicar uma série de artigos sobre o grande abcesso nacional que é o BPN.

Na edição de hoje, são 18 páginas onde se concentram muitas coisas que nós já sabíamos mas, assim, colocadas ao pé umas das outras, tornam a coisa ainda mais incompreensível.

Como foi possível isto atingir esta dimensão?

Sob o título “Um banco que dava milhões a quem pedia”, o DN lista uma série de indivíduos e empresas a quem o BPN emprestou dinheiro, sem pedir quase nada em troca.

Por exemplo: Dias Loureiro (10 a 30 milhões), Duarte Lima (6 milhões), Pousa Flores, empresa de Arlindo Carvalho (75 milhões), Arlindo Carvalho (4,8 milhões), José Neto, sócio de Arlindo Carvalho (4,8 milhões), Emídio Catum e Fernando Fantasia, este vendeu o terreno onde Cavaco tem a sua casa de verão (53 milhões).

Mais í  frente, sob o título “Caras do BPN deram 130 mil euros para campanha do Presidente”, o DN faz uma infografia em que relaciona personagens que doaram dinheiro para a campanha de Cavaco, em 2006, com o próprio Cavaco e com o PSD: José Oliveira de Costa, presidente do BPN (15 mil euros), Alberto de Figueiredo, accionista do BPN (20 mil), Joaquim Coimbra, accionista do BPN (22 mil euros), Emídio Catum, sócio da SLN (22 mil), Abdool Vakil, presidente do Banco Efisa, do grupo BPN (5 mil), Fernando Fantasia (6 mil). E ainda: Jorge Neto, secretário de Estado de Santana Lopes, Rui Machete, vice-primeiro ministro de um governo PSD, Amilcar Theias, ministro do Ambiente de Durão Barroso, Daniel Sanches, ministro da Administração Interna de Santa Lopes, Miguel Cadilhe, ministro das Finanças de Cavaco, Arlindo de Carvalho, ministro da Saúde de Cavaco e, claro, Dias Loureiro e Duarte Lima.

O DN recorda, também , o negócio legal, que Cavaco e a filha Patrícia fizeram com o banco que nos está a lixar os subsídios de férias e natal (segundo o jornal, a fraude do BPN daria para pagar três anos de subsídios aos funcionários do Estado!).

Aníbal e Patrícia compraram, em 2001, acções do BPN, ao preço de um euro cada uma. Esse preço era especial. Segundo a Assembleia Geral da SLN, só o presidente, Oliveira e Costa, poderia comprar acções a esse preço.

Aníbal, na altura um simples e proletário professor universitário, cuja reforma, segundo diz o próprio, mal chega para as despesas, comprou 105 378 acções, enquanto a filha, que deve ter uma profissão mais lucrativa, comprou 149 640.

Dois anos depois, quer o Aníbal, quer a filha, decidiram vender essas mesmas acções e Oliveira e Costa, que devia nadar em dinheiro, aceitou comprá-las a 2,40 euros cada uma! Quer dizer que, em dois anitos, sem mexerem uma palha, pai e filha ganharam 147,5 mil e 209,4 mil euros, respectivamente.

O jornal fala com economistas que criticam o facto de Teixeira dos Santos e Sócrates terem decidido nacionalizar o banco. O efeito sistémico que eles temiam, provavelmente, não teria acontecido se, pura e simplesmente, tivessem deixado cair o banco.

É curioso como, a propósito do BPN, ouvimos críticas ferozes a Teixeira dos Santos, Sócrates e Vitor Constância, enquanto que quase se esquecem os nomes dos prevaricadores.

A Senhora Dona Filomena Mónica, que está na moda, diz numa entrevista ao I, que Sócrates é um delinquente político e que está, agora, descansadinho, em Paris, a viver í  grande e í  francesa. Senti alguma inveja nestas declarações da companheira do íntónio Barreto, o qual arranjou um grande tacho, í  conta da Fundação do dono Pingo Doce que, ironicamente, também é um dos donos do BIC, que acabou de comprar o BPN em saldo.

Pronto: o Sócrates foi delinquente porque nacionalizou o BPN. Mas perdeu as eleições e emigrou para França, enquanto Cavaco Silva foi reeleito presidente e continua em Belém.

Mas, como diria o nosso Presidente: ainda há-de nascer alguém mais honesto do que eu!

E, quanto ao BPN, o que é que eu tenho a ver com isso?

O PEC,o DEO e a PORRA

Foi por causa de um PEC, o Quarto, que Sócrates foi í  vida.

Toda a Oposição, da esquerda í  direita, achou que bastava de Peques e que era preferível levar com a troika.

Imagino que alguns já devem estar arrependidos…

Mas, enfim… os mercados é quem mais ordena e os liberais do PSD ganharam as eleições.

Foi o que se tem visto.

E agora, afinal, parece que o governo do Passos vai levar um novo PEC a Bruxelas, já na próxima segunda-feira.

O cinzentão do Seguro indignou-se, embora morigeradamente e, no debate quinzenal do Parlamento, disse «O senhor escolheu o caminho, desejo-lhe boa viagem, mas vai sozinho, porque o PS não assina de cruz nenhum documento para ser entregue em Bruxelas sem ser discutido com o PS».

Seguro até parecia um líder da Oposição a sério!…

Mas Passos trocou as voltas a Seguro e argumentou: «o governo, estando o país sob assistência financeira, está dispensado de apresentar o Programa de Estabilidade e Crescimento».

O que o governo vai apresentar a Bruxelas é o Documento de Estratégia Orçamental (DEO), com o cenário macroeconómico e o programa plurianual das despesas do Estado até 2016.

Esclarecidos?

Talvez.

Mas então, por que raio o Vitor Gaspar disse, na véspera, que o PEC e o DEO iriam ser enviados ao Parlamento, para actualização, acrescentando que «os documentos serão submetidos í  Assembleia da República na próxima segunda-feira, e esses documentos serão enviados imediatamente a seguir, como documentos de trabalho, para a Comissão Europeia e restantes instituições integrantes da troika”.

Afinal, em que ficamos?

Há ou não há PEC – ou estaremos perante mais um lapso do Gaspar, como aquele em que disse que não haveria subsídios de natal e de férias durante dois anos quando, afinal, é para sempre?

Perante isto, o que apetece?

O barrigudo do Proença da UGT diz hoje, no Expresso, que, afinal, nós, portugueses, não somos assim tão mansos – até já matámos um rei!

Não sei do que estamos í  espera, porra!

25 de Abril sempre!

* 25/111973 – «Poderá ser recusada a matrícula ou inscrição aos alunos dos estabelecimentos de ensino dependentes do Ministério da Educação Nacional que, pelo procedimento anterior, sejam justificadamente considerados como prejudiciais í  disciplina dos estabelecimentos – estabelece um decreto-lei publicado hoje do Diário do Governo»

* 4/12/1973 – «Como havíamos noticiado, o Instituto Superior Técnico reabriu ontem as suas portas após ter sido encerrado pelo seu director, prof. Sales Luís, por um período de duas semanas. (…) Ainda, e na prossecução do processo em causa, cerca de mais de cem alunos receberão “um primeiro aviso” a fim de “reconsiderarem e passarem a participar na vida do Instituto como reais alunos, num clima de confiança e de respeito mútuo”, como consta ainda da mesma circular».

* 5/12/1973 – «Cerca de trinta alunos do sexto ano da Faculdade de Medicina de Lisboa, aos quais falta apenas uma cadeira para terminarem o curso, foram impossibilitados de frequentar o estágio, por decisão do Conselho Escolar da referida Faculdade».

* 12/12/1973 – «A direcção da Faculdade de Letras de Lisboa suspendeu dez alunos das secções de Filologia Germânica, Filosofia e História. (…) Foram presos dois estudantes do Instituto Superior Técnico que participavam numa reunião geral de alunos a decorrer nas instalações daquele estabelecimento de ensino superior.»

* 8/2/1974 – «Na sequência dos acontecimentos que ali (no ISPA) se têm verificado ultimamente, a direcção daquele estabelecimento de ensino fez sair um comunicado (…). Ontem, os estudantes que ali compareceram (no ISPA) encontraram as portas encerradas e um comunicado no qual se anunciava o encerramento temporário daquele estabelecimento de ensino.

– Recortes do jornal República

O que mudou com o 25 de Abril?

Tudo!

Ataques de Asma

A mulher do líder sírio chama-se Asma. Como a doença.

É jovem e bonita e muito ocidentalizada.

Sarkozy, cuja mulher, Carla Bruni, tem a mesma idade que Asma, dizia que, se Assad tinha uma mulher assim, não podia ser completamente mau.

E afinal, Assad bombardeia os seus próprios concidadãos, mata indiscriminadamente, tortura, está-se borrifando para os direitos humanos e não olha a meios para manter a sua ditadura.

E Asma, o que faz?

Nada.

E era suposto fazer alguma coisa, só porque é gira e usa maquilhagem e veste bem?

E acredito que se Asma tivesse, digamos, um ataque e se indignasse publicamente, o marido tratar-lhe-ia da saúde…

Otelo e as suas duas mulheres

No próximo dia 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho vai lançar uma biografia.

De acordo com a Visão, nessa biografia, Otelo confessa viver com duas mulheres. E elas sabem.

De sexta-feira a domingo, o estratega do 25 de Abril vive com Dina, com quem se casou em 1960.

De segunda a quinta-feira, Otelo vive com Filomena, que conheceu em 1984.

Só assim se percebe por que razão Otelo não tem tempo para fazer outro 25 de Abril.

Vontade não lhe falta…

“Life” – de Keiht Richards, com James Fox

Diz-se que, quando o mundo acabar, restarão as baratas e Keith Richards. Ao ler esta autobiografia percebe-se porquê.

Numa linguagem adequadamente coloquial, o guitarrista e co-fundador dos Rolling Stones conta-nos as histórias da sua vida – e muitas histórias tem ele para contar!

Começamos pela infância de Keith, na Inglaterra do post-guerra, e ficamos a saber que os pais viviam com dificuldades. Filho único da Doris e do Bert, Keith cedo se destacou pelo mau comportamento:

Na página 62 conta-nos a perseguição que ele e outros moviam a um miúdo que se «julgava um generalzinho, só por ser capitão da equipa desportiva, o melhor da turma, e o representante de todos os delegados. Andava sempre de peito inchado e era muito arrogante com os miúdos mais novos. Decidimos pagar-lhe da mesma moeda. Lembro-me bem dele, chama-se Swanton. Chovia e fazia frio. Primeiro, despimo-lo, depois perseguimo-lo até ele trepar a uma árvore. Só lhe deixámos o boné com as fitinhas douradas. Muito depois de ele descer da árvore, o Swanton viria a tornar-se professor de estudos medievais na Universidade de Exeter.»

A memória de Richards é prodigiosa, lembrando-se de como e quando e com quem tocou o quê – ou então, foi capaz de manter uma espécie de diário, estes anos todos, o que pareceria improvável para um tipo que, como ele, foi heroinómano muitos anos, para além de ter experimentado todo o tipo de drogas, lícitas e, sobretudo, ilícitas.

—Richards conta-nos como nasceram os Rolling Stones, uma banda despretensiosa, que apenas queria tocar blues de Chicago mas que, quase por acaso, começou a fabricar grandes êxitos. Um dos primeiros foi As Tears Go By, que valeram a Richards, as primeiras libras a sério.

Diz ele, na página 181: «Ainda me lembro do primeiro dinheiro a sério que recebi. (…) Punha-me a olhar para as notas. Contava-as, voltava a admirá-las. Tocava-as, cheirava-as. Não fiz nada com elas! Só as guardei numa caixa, enquanto pensava: “Foda-se! A massa que eu tenho!” Não queria comprar nada em particular e também não a queria estoirar. Pela primeira vez na vida, tinha dinheiro… “Talvez compre uma camisa nova, cordas novas para a guitarra”. Mas era, sobretudo: “Nem acredito nesta merda!” Com as fuças da rainha bem impressas, assinadas pelo tipo certo. Nunca tinha tido tanto dinheiro nas mãos., mais do que o meu pai ganhava num ano, ele que se matava a bulir.»

Richards era mesmo um pobretanas e, graças í  música, tornou-se num milionário, proprietário de Bentleys e de várias mansões em, pelo menos, três continentes.

Autor de muitas das músicas dos Stones (Mick Jagger, embora também componha, dedica-se mais í s letras), Richards vai-nos contando os altos e baixos da banda, a morte de Brian Jones, a saída de Bill Wyman, a entrada e a saída de Mick Taylor, a entrada de Ronnie Wood e, por vezes, não é nada meigo para com os seus companheiros.

Critica muito Brian, pelo seu gosto pelo vedetismo e por andar sempre tão drogado que pouco contribuía para a banda, fala, amargamente, dos desentendimentos com Jagger, nos últimos 20 anos, mais coisa menos coisa, o que não os impediu de continuar a compor e fazer mega-digressões. De Charlie Watts, o baterista, só diz bem…

Fala-nos, também, das suas namoradas e esposas e, claro, da sua dependência da heroína.

Na página 329, a propósito de uma das muitas curas a que se submeteu: «Não sei bem qual é a ideia que as pessoas em geral fazem de uma verdadeira crise de privação. (…) O corpo revira-se todo de dentro para fora; rejeita-se a si mesmo durante três dias. Sabes que depois disso há-de acalmar, mas serão os três dias mais longos da tua vida. É então que te perguntas: “Por que raio me sujeito eu a isto, quando podia estar a viver uma puta de uma vida perfeitamente normal de estrela de rock cheia de pasta?” Em vez disso, estás ali aos vómitos e a trepar pelas paredes. Por que é que te sujeitas a isso? Não sei, continuo sem saber. Com a pele arrepiada e as tripas num remoinho, braços e pernas aos safanões incontroláveis, vomitas-te e cagas-te ao mesmo tempo, tens merda a sair-te do nariz e dos olhos. í€ primeira vez que acontece a sério, um homem sensato diz: “Estou agarrado”. Mas nem isso impede um homem sensato de voltar í  carga.»

Uma boa parte do livro é dedicada í s digressões dos Stones, começando pelas primeiras, em ambiente familiar, com um ou dois autocarros, até í s mais recentes, que envolvem centenas de pessoas e de veículos. Os acompanhantes dessas digressões podem ser, por vezes, bem curiosos, como um tal Dr. Bill (nome fictício), que acompanhou a banda na digressão de 1972.

Richards conta, na página 333: «Mas o Dr. Bill estava ali, sobretudo, para caçar pachachas. Sendo ele um médico jovem e atraente, foi coisa que não lhe faltou. Mandou fazer cartões de visita: “Dr. Bill”, digamos assim, “Médico dos Rolling Stones”. Antes do concerto começar, ele escrutinava cuidadosamente o público e entregava vinte ou trinta cartões í s gajas mais boas que encontrasse, mesmo que estivessem com namorado. No verso do cartão, o nome do hotel e o número da suite. E mesmo as tipas com namorado apareciam, mais tarde, para o visitar. Mostravam o cartão na recepção e o Dr. Bill sabia que de entre seis ou sete miúdas, pelo menos uma ou duas havia de comer, só por lhes prometer que as apresentaria aos Stones.  Queca garantida todas as noites. Além disso, tinha uma mala cheia das mais variadas substâncias, Demerol ou qualquer merda que lhe pedisses.»

Problemas com as autoridades teve Richards de sobra, tendo estado detido várias vezes, a maior parte delas por posse de droga. Mas, certa vez, na Austrália, a razão foi outra.

Conta ele, na página 355: «E ainda houve a pequena temporada que eu e o Bobby passámos com duas gajas que engatámos em Adelaide. (…) Tinham ácido, que nem é uma das minhas drogas preferidas, mas tínhamos dois ou três dias de folga em Adelaide, as tipas eram jeitosas e viviam num pequeno bungalow hippie no cimo de uma colina, muitas velas e incenso e candeeiros a petróleo cheios de fuligem. (…) E quando tivemos que partir para Perth, na outra ponta da porra do continente, , dissemos-lhes: “Por que é que não vêm connosco?” Vieram mesmo. Estávamos todos mais pedrados que o Grand Canyon quando entrámos no avião. A meio caminho entre Adelaide e Perth, saíram de repente as duas da casa de banho, seminuas. Tinham-se estado a comer lá dentro e saíram aos saltos e aos risinhos, as destrambelhadas das tipas. (…) E, de facto, detiveram-nos aos quatro por algum tempo, depois de aterrarmos.»

Quase no final do calhamaço, Keith Richards conta o episódio recente, em que caiu de uma árvore, tendo feito uma fractura do crânio e respectivo hematoma subdural. E diz, na página 562: «Receitaram-me um medicamento chamado Dilantin, que torna o sangue mais espesso. Por causa disso, não voltei a snifar coca, que o torna mais liquefeito, tal como a Aspirina. Foi o Andrew quem mo explicou, na Nova Zelândia. “Faça o que fizer, acabou-se a cocaína!” Tudo bem, pá. A bem dizer, já tinha dado í  narina quanto chegasse para uma vida inteira; não sinto a falta da coca nem um bocadinho. Acho que foi ela que se fartou de mim.»

De facto, com tantos excessos cometidos ao longo de quase 70 anos, chegamos í  conclusão que foram as drogas e o álcool que se fartaram deste Rolling Stone genuíno.

“Life” é um livro que se lê com agrado, como um conjunto de histórias mais ou menos divertidas e, ainda, como um testemunho de um dos protagonistas da revolução que a música pop-rock causou nos usos e costumes do mundo ocidental, nos finais da década de 60.

Como bónus, Richards explica-nos como afina as suas mais de cem guitarras, com 5 cordas e em open tunning.