Grandes verdades das reportagens de rua

Após visionar centenas de reportagens de rua, transmitidas pelos jornais televisivos, cheguei às seguintes conclusões:

– Os entrevistados apresentados como testemunhas, regra geral, não testemunharam nada. Geralmente, ouviram o estrondo e, quando chegaram à janela, já não viram nada

– Três em cada quatro entrevistados usam polares da Quechua.

– Geralmente, o terceiro entrevistado de uma reportagem, é brasileiro

– Cerca de 95% dos entrevistados tem dentes podres e não se importa de os mostrar

– Em caso de incêndios, cheias, acidentes de automóvel, derrocadas e tragédias em geral, todos os entrevistados afirmam nunca terem visto nada assim, mesmo que seja algo que aconteça todos os anos

– Todos os entrevistados apanhados em bombas de gasolina não sabem onde isto vai parar e conhecem pessoas que fazem cem quilómetros até Espanha para encher o depósito

– Os populares entrevistados junto aos Tribunais gostavam de apanhar o réu cá fora e espancá-lo até à morte, excepto se forem familiares do dito; nesse caso, acham que só há justiça para os ricos

Continuarei vigilante

Dez anos depois

Dez anos depois, os acontecimentos do 11 de Setembro, em Nova Iorque, transformaram-se em mais um fait-divers.

As televisões nacionais mudaram-se para Manhattan e transformaram tudo em “motivo de reportagem”.

E vemos o primo da amiga que era namorada do bombeiro que faleceu na queda das Twin Towers a ser entrevistado, mais o português emigrado que assenta tijolos na nova torre, mais o outro que esteve numa das torres horas antes do primeiro avião ter atravessado a estrutura.

O significado do ataque ao coração do capitalismo acaba por ser relegado para enésimo plano, enquanto diversas equipas de reportagem aproveitam para se passear pela Times Square, pela 5th Avenue, pelo Central Park, reportando insignificâncias.

A RTP, que tem não-sei-quantos milhões de prejuízo, enviou para Manhattan, pelo menos três equipas de reportagem e hoje, à hora do almoço (e à noite também, certamente) os telejornais foram transmitidos directamente de Nova Iorque!

Mas que merda é esta?!

Então não estamos em crise?

Afinal ainda há dinheiro para enviar todas esta maltósia para a terra do Uncle Sam?

Mas o que é que aconteceu de novo, que mereça tamanha cobertura jornalística por parte de um país periférico, a braços com uma crise económica do caraças?

Cambada de saloios novos ricos!

P.S. – E ontem no Congresso do PS, aquela cena do jornalista da Sic a mostrar os bastidores jornalísticos ao António José Seguro? Orgulhoso, dizia-lhe que ali trabalhavam 53 profissionais! 53 profissionais para cobrir o congresso do PS? Só da Sic? Se a RTP e a TVI, o DN e o Público, a TSF e a Antena Um, etc e tal, enviaram o mesmo número de pessoas, serão mais os profissionais da informação que os congressistas!

De Balocas até Valpaços

O telejornal da Sic está a transformar-se, a pouco e pouco, num excelente programa humorístico.

Depois da história do roubo do Pilinhas, hoje tivemos direito a uma excelente reportagem sobre dois padres.

O primeiro padre é de Balocas, uma localidade do concelho de Seia.

Pois o senhor prior recusou-se a dizer missa durante as festas da aldeia, porque as mesmas eram abrilhantadas por um artista pimba, chamado Gabriel (?), acompanhado por duas bailarinas, “duas putas”, na opinião do pároco.

O segundo padre é o de Valpaços, que se recusou a dar a hóstia a uma menina, porque ela usava um decote que ele considerou indecoroso.

A repórter entrevista a menina à porta da igreja. A moça, com ar cândido, responde com os olhos postos no chão e exibe o tal decote, que deixa entrever dois milímetros dos seus seios púberes.

E, com os ésses sibilantes da beira, explica:

“O xenhor prior levantou a hóstia ainda maij alta e eu, como não chegava lá, voltei para o banco!”.

Coitadinha!…

Com a hóstia tão alta, como podia ela abocanhá-la?!

Xenhor! Por que obrigaich ach môchas a tão durach provachões?…

E a moça acrescentou que, depois, ao ver que ela olhava para ele, o eclesiástico exclamou, alto e bom som:

“Não me olhech com eches olhoch!”

Impagável!

Estas reportagens da Sic fazem mais mal à nossa dívida soberana do que o governo de Passos Coelho!

O revólver e o pilinhas

De palito na mão, franze o sobrolho, com ar entendido e explica que o homem estava sentado na esplanada quando o outro apareceu e deu-lhe um tiro de raspão na cabeça. E não lhe deu logo outro tiro porque a arma se encravou.

“Não sei se era uma pistola ou era um revólver, mas parece-me que era uma pistola, porque um revólver não encrava!” concluiu, triunfante.

Tudo se passou em Mação. Um agente da GNR, de folga, estava sentado numa esplanada, com amigos, quando outro homem, com cerca de 80 anos, ex-agente da autoridade, surgiu e disparou três tiros, atingindo o GNR.

O corajoso repórter, explicou-nos que os dois homens tinham problemas antigos por resolver e que o baleado, depois do segundo tiro, fugiu e, quando levou o terceiro tiro, caiu num descampado (a imagem mostra-nos um baldio com tranquilas ovelhas pastando…). Foi aí que foi assistido.

Claro que este acontecimento em Mação, não se compara com a catástrofe ocorrida em Oliveira de Azeméis: roubaram o Pilinhas!

O Pilinhas é uma estátua de bronze, de 1930, representando uma criança, de pilinha alçada, no cimo de um paralelepípedo, que é uma fonte. Estava há 80 anos num jardim de Oliveira de Azeméis. Estava, mas já não está, por alguém roubou o Pilinhas.

Como disse o Presidente da Câmara, as autoridades têm que fazer alguma coisa, caso contrário, começará a desaparecer o nosso património.

Hoje, o Pilinhas de Oliveira de Azeméis, amanhã, o Mosteiro dos Jerónimos!

Estas foram duas intrépidas reportagens que passaram no telejornal da Sic de hoje.

I rest my case!

Roubaram uma mala de senhora!

Foi numa praia, em Albufeira e a RTP enviou para lá uma equipa de reportagem!

A repórter entrevistou um herói de bigode que explicou como conseguiu, com a ajuda do nadador-salvador, deter um homem, que chegou à praia com as mãos a abanar e que se preparava para ir embora com uma mala de senhora.

O de bigode interpelou-o e o ladrão ainda tentou ludibriá-lo, dizendo que a mala era da esposa. Claro que não era – a mala pertencia a uma senhora que o sevandija tinha assaltado há pouco tempo.

Logo a seguir, a repórter ouviu um veraneante que, muito espantado, revelou que costumava frequentar aquela praia há cerca de trinta anos e que nunca tinha ouvido falar de assaltos.

Confesso que já não recordo como acabou esta coisa, mas fiquei com a impressão de que estava a ver uma espécie de reportagem de amadores, como se fosse um trabalho de grupo, de alunos do 11º ano.

Então, roubaram uma mala de senhora numa praia de Albufeira?

Que escândalo!

Este mundo está perdido!

Hoje, uma mala de senhora, amanhã – quem sabe? – um computador portátil ou mesmo um telemóvel!