“Em Casa – Breve História da Vida Privada” (2010), de Bill Bryson

Se Bill Bryson não existisse, tinha que ser inventado. Não conheço nenhum outro autor como ele. Para além dos livros de viagens, Bryson consegue escrever sobre coisas que mais ninguém se dá ao “incómodo” de escrever. São trivialidades, curiosidades históricas, pormenores que talvez tenham mudado a história e o mundo; por exemplo, foi graças à leitura deste livro que me apercebi da importância do desenvolvimento da anestesia na história da humanidade.

Bryson aproveita qualquer coisa para falar de uma coisa qualquer e aplica esta técnica em todos os seus livros. Pode aproveitar um passeio pelas montanhas norte-americanas para nos falar de botas de sola de borracha ou contar episódios da sua infância e, a propósito, falar de quem inventou o abre-cápsulas.

Dele, já li, sempre com muito gosto, Made in America (1994), onde aprendi, por exemplo, que foi na América que foi “inventado” o chop suey, as french fries e muita da comida “italiana”, Crónicas de Uma Pequena Ilha (1995), uma colecção de crónicas sobre o Reino Unido, Por Aqui e Por Ali (1997), a descrição bem humorada de uma caminhada de mais de três mil quilómetros pelos Apalaches norte-americanos, Notas sobre um País Grande (1998), uma série de crónicas sobre os States, Breve História de Quase Tudo (2003), cujo título diz tudo sobre quase nada e A Vida e as Aventuras do Rapaz Relâmpago (2006), onde, a propósito da sua infância, nos fala da invenção do frigorífico e da televisão, da banda desenhada e dos gelados, da Grande Guerra e do algodão doce.

Neste At Home – A Short History of Private Life, a propósito da casa onde vive, em Inglaterra, Bryson vai-nos contando, divisão a divisão, como surgiram as várias dependências de uma habitação, como se desenvolveram as lareiras, as roupas, a iluminação, os estuques, os revestimentos, os jardins, a relação entre os senhores e os criados, a alimentação, as pragas, os animais domésticos e muitos etc.

O que mais me impressiona nos livros de Bryson é a quantidade de pormenores “insignificantes” que não encontraríamos em mais lado nenhum, fruto, certamente, de uma pesquisa incessante e, diria, obsessiva.

Os exemplos sucedem-se. O que serão, por exemplo, os rotten boroughs?

“Os rotten boroughs eram aqueles (círculos eleitorais) em que um membro do Parlamento podia ser eleito por um pequeno número de pessoas, como acontecia em Bute, na Escócia, onde apenas um residente em catorze mil tinha o direito de votar, pelo que, obviamente, poderia eleger-se a si próprio.”

E de onde vem o nome da banda rock Jethro Tull, cujo primeiro êxito foi “Living in the Past?”

Bryson revela: “Os agricultores também beneficiaram de um novo aparelho com rodas inventado, por volta de 1700, por Jethro Tull, um agricultor e pensador agrícola de Berkshire”.

A curiosidade de Bryson leva-o a coscuvilhar estatísticas, em busca de informações de que mais nenhum autor se lembraria. A propósito das escadas e dos acidentes e elas podem provocar, escreve: “Não surpreende que descer uma escada seja muito mais arriscado que subir. Quase 90% de todas as lesões ocorrem durante a descida. A probabilidade de sofrer uma queda grave é de 57 % em lanços direitos de escadas, mas apenas de 37% em escadas com algum desvio. Os patamares também de obedecer a uma determinada dimensão – o comprimento de um degrau mais o comprimento de um passo é considerado o correcto – para não quebrarem o ritmo do utilizador da escada. O ritmo interrompido é considerado o prelúdio para uma queda”.

A pouca importância que a Medicina tinha na vida das pessoas dos séculos passados, devido ao pouco que tinha para oferecer às pessoas, está bem patente neste exemplo, que Bryson nos conta:

“Sem grande surpresa, por vezes as pessoas, levadas pela dor e por uma cautela natural em relação aos médicos, experimentavam remédios extremos em casa. Gouverneur Morris, um dos signatários da Declaração de Independência, matou-se ao forçar uma barba de baleia pelo pénis acima, para tentar limpar um bloqueio urinário.”

A propósito dos hábitos de higiene, Bryson explica que, até há bem pouco tempo, a lavagem de todo o corpo não era uma técnica muito apreciada:

“Lavar as mãos muito, os pés pouco e a cabeça nunca, era um provérbio inglês comum. A rainha Isabel, numa citação  muito referida, tomava banho sempre uma vez por mês, ‘quer ela precise ou não’. Em 1653, John Evelyn, o cronista, registou a decisão hesitante de lavar o cabelo anualmente. Robert Hooke, o cientista, lavava os pés com frequência (porque o tranquilizava), mas parece não ter passado muito tempo húmido acima dos tornozelos. No diário que manteve durante nove anos e meio, Samuel Pepys só refere uma vez que a esposa tenha tomado banho. Em França, o rei Luis XIII ficou sem tomar banho quase até ao sétimo aniversário, em 1608.”

E chega de citações. Bryson enche-nos destas pequenas informações e mantem-nos agarrados à leitura de mais este livro, ao longo das suas mais de 500 páginas.

 

5 thoughts on ““Em Casa – Breve História da Vida Privada” (2010), de Bill Bryson

  1. Extremamente interessante! Não conheço o autor, mas vou procurá-lo e parece-me que vou gostar mesmo muito de o ler. Obrigada por esta sugestão e pelo seu texto tão bem redigido.

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