“Um Certo Lucas”, de Julio Cortázar (1979)

Nos anos 70 do século passado, Julio Cortázar (1914-1984) foi um dos meus escritores de culto. Nesses anos, andava a descobrir os escritores sul-americanos e, de certo modo, a escrita mais ou menos surrealista. Cortázar foi um deles e devorei livros como “…Blow-up e Outras Histórias” (Edição Europa-América, lido em janeiro de 1978), “…Bestiário” (Publicações Dom Quixote, lido em novembro de 1978) e “…Todos os Fogos o Fogo” (Estampa, lido em junho de 1975).

Depois, Cortázar esfumou-se das edições portuguesas, ou assim me pareceu. Mais recentemente, a Cavalo de Ferro decidiu, e bem, publicar Cortázar, nomeadamente, “…A Volta ao Dia em 80 Mundos” e “…O Jogo do Mundo (Rayuela)” ““ e agora, este “…Um Certo Lucas”.

Trata-se de um pequeno livro com textos curtos; não se pode dizer que são contos, mas alguns são isso mesmo; outros são pequenas reflexões sobre tudo e sobre nada.

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Na página 29, Lucas está numa sala de concertos, enquanto um pianista toca muito mal Katchaturian. Lucas

“…í  procura de qualquer coisa no chão entre as cadeiras da plateia e apalpando tudo em seu redor.

– O senhor perdeu alguma coisa? ““ perguntou a senhoras entre cujos tornozelos proliferavam os dedos de Lucas.

– A música, minha senhora.”

Mais í  frente, Lucas medita sobre a ecologia e diz:

“…Nesta época de regresso descontrolado e turístico í  natureza, em que os cidadãos olham para a vida no campo como Rousseau olhava para o bom selvagem, solidarizo-me mais do que nunca com: a) Max Jacob que, em resposta a um convite para passar um fim-de-semana no campo, disse meio estupefacto meio assustado «No campo, nesse lugar onde os frangos passeiam crus?»”

Lucas sente pudor sempre que, numa qualquer reunião com amigos, tem vontade de ir í  casa de banho.

“…É inútil a multiplicação de silenciadores, como envolver a zona das coxas em todas as toalhas ao seu alcance e até mesmo as toalhas de banho dos donos da casa; praticamente sempre, depois daquilo que poderia ter sido uma agradável transferência, o peido final irrompe tumultuoso.

(…) isto é muito diferente, pensa Lucas, da simplicidade das crianças que interrompem a melhor das reuniões anunciando: Mamã, quero fazer cocó. Abençoado, pensa Lucas sem seguida, o peta anónimo que compí´s aquela quadra na qual se proclama que não há prazer mais requintado/do que um cagar vagaroso/ nem prazer mais delicado/ que depois de ter cagado.”

Aconselho.

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