“Viagens”, de Olga Tokarczuk (2007)

Olga Tokarczuk é uma escritora polaca nascida em 1962 e que, no ano passado, venceu o Man Booker Internacional com este curioso livro.

Psicóloga de formação e activista de esquerda, Tokarczuk tem sido acusado pelos líderes polacos de direita de denegrir a imagem da Polónia. Só se for por ganhar tantos prémios literários, digo eu, porque, além do importante Man Booker, a escritora tem também sido distinguida com outros prémios, nomeadamente na Alemanha.

Este Viagens é um livro muito curioso porque é formado por pequenas “entradas”, digamos, assim, pequenos textos, a propósito de viagens. Tem, no entanto, um tema a que a escritora volta obsessivamente: as exposições e os museus que mostram plastinação de corpos e partes do corpo humano, ou as colecções de bizarrias encerradas em frascos com formaldeído, como fetos com duas cabeças ou colunas deformadas, etc.

Parece um pouco tétrico, mas não é nada disso. Ao fim e ao cabo, Olga T. fala sobre o corpo humano, sobre a vida e sobre a morte, sobre a viagem que pode ser a da vida, até à morte.

Três histórias sobressaem: a do coração de Chopin, que é secretamente levado de volta para Varsóvia pela sua irmã; a de uma mulher que regressa à sua terra natal para envenenar o seu antigo namorado, moribundo, a pedido deste; e a do homem que está à beira da loucura, depois da mulher e do filho terem desaparecido durante uma viagem à Croácia, para aparecerem dias depois, sem qualquer explicação.

Aconselho.

“Yoga Para Pessoas Que Não Estão Para Fazer Yoga”, de Geoff Dyer (2013)

Geoff Dyer (n. 1958) é um escritor e jornalista inglês que, entre muitas outras coisas, escreve sobre viagens… e drogas – se bem que as drogas que ele usa (ou usou), lhe permitem algumas viagens, mesmo sem sair do mesmo sítio.

yogaEste livro junta onze textos que, embora sejam sobre diversos locais do mundo, não são especificamente sobre esses locais – e daí o título, até porque o escritor nunca fala de yoga.

Os textos falam-nos do Camboja e de outras regiões do sudeste asiático (com muitos cogumelos alucinogénios pelo meio), de Roma, de Black Rock City, Detroit e da Líbia, mas fala-nos, sobretudo, do autor, das suas angústias, das suas dúvidas existenciais, que são muitas.

Dyer já viajou muito e parece uma pessoas cansada; cansada das viagens, cansada de ser quem é, cansada de tudo – ou então, é pose.

Parece que, para ele, as viagens são um grande frete e pergunto-me: por que viaja, então?

Deve ser pose.

No Camboja, num passeio de barco, Dyer salienta a imundice:

«Vagueando pela água, a menos de um metro do barco, estava um enorme cagalhão humano. Parecia uma grande maçaroca de milho. Não queria ver aquilo mas era incapaz de desviar o olhar. Na verdade, num ambiente que conduzia apenas à diarreia e à cólera, a firmeza e o tamanho do cagalhão era um acontecimento colossal – um testamento à capacidade humana de se adaptar ao ambiente.»

Ainda por cima, parece que tudo se vira contra o homem:

«Eu tenho uma maldição meteorológica. A meteorologia altera-se de acordo com a minha presença. As frentes frias avançam. As áreas de baixa pressão acumulam-se. Chego a qualquer lado e começa a chover. Sou sempre informado que, até ao dia anterior, o tempo estava perfeito. Até ao dia anterior à minha chegada não caiu uma gota de chuva durante seis semanas, não havia uma única nuvem no céu desde que existem registos meteorológicos. Mas, se eu chegar, chove.»

É pose, claro.

Muito divertido, o texto sobre a Líbia, ainda no tempo de Khadafi.

Um curioso livro de viagens para quem não está para ler um livro sobre viagens.

“A Arte de Viajar”, de Paul Theroux (2011)

Paul Theroux nasceu no Massachusetts, em 1941 e já viveu no Malawi, onde participou num golpe de Estado, em Itália, no Uganda, onde deu aulas de inglês e conheceu a sua mulher, e em Singapura. Actualmente, vive no Hawai.

É autor de muitos romances, alguns adaptados ao cinema (The Mosquito Coast, Waldo) e, sobretudo, de livros de viagens.

Este The Tao of Travel não é, propriamente, um livro de viagens, mas sim um livro sobre livros de viagens, uma espécie de antologia de escritores que escreveram sobre viagens, reais ou imaginárias.

No capítulo Tudo é comestível algures, escreve: «gostava muito de fufu (puré de inhames) na Nigéria, e de cobra e tartaruga na China; tracei a linha na coruja bebé porque tinha pena daquelas aves de ar atormentado empoleiradas numa gaiola, à espera de serem escolhidas para uma refeição. Uma noite comprei uma num restaurante, por sugestão do chefe. E libertei-a, para grande consternação dele. Tendão de vaca na sopa, parecendo pedaços de Tupperware, não era gostoso. («Se tiver quatro pernas e não for uma cadeira, se tiver asas e não for um avião, ou se nadar e não for um submarino, os Cantoneses comem», disse uma vez o príncipe Filipe, e foi vaiado.) Comi uns pardais na Birmânia e falei neles em O Grande Bazar Ferroviário. Cauda de crocodilo no Zambeze era bastante vulgar, servida guisada ou em bifes. (…) Outros viajantes cantam loas ao balut, embrião de pato, comido nas Filipinas; sopa tailandesa de língua de pato; e finanziera, guisado de crista de galo, do Piemonte italiano. O lutefisk, de que W. H. Auden fez troça nas suas viagens à Islândia, lá é muito apreciado, juntamente com o hakuri, o tubarão putrefacto. Na Sicília e na Sardenha, podem oferecer-lhe «queijo de larvas», conhecido como casu marzu, que se pode confundir com arroz contorcido. A formiga escura de rabo grande na Amazónia colombiana (hormigas culonas de Santander) é apanhada pelo povo indígena Guane e torrada e servida como um «petisco excêntrico». A Coreia está cheia de especialidades culinárias, para além do cão: dalk-bal é mitra de galinhas muito bem frita, e no bar de mariscos saeng nakji são tentáculos de polvo preparados de modo simples: um polvo pequeno, vivo, é desmanchado com uma faca, cada um dos tentáculos é cortado e, ainda a mexer, comido cru, com um molho especial. Testículos de boi (criadillas) são vulgares em Espanha, e pâté de cotovia (pâté d’alouettes) é uma pasta popular em França. Fungo de lagarta (yartsa gunbu), uma larva de dois centímetros e meio de comprimento com um tumor fungóide de cinco centímetros na cabeça, é uma maravilha gustativa com propriedades medicinais que se encontra no Butão, no Tibete e no Nepal. Larvas de formiga preta (escamoles) fazem parte do prato combinado em certas partes do México.»

Ainda sobre a cozinha de algumas regiões, Theroux cita o escritor de viagens Patrick Leigh Fermor que, sobre a cozinha de um hotel da ilha Trindade, terá dito: «a cozinha de hotel na ilha é tão horrenda que é vantajoso encomendar uma maca ao mesmo tempo que o jantar.»

Ao longo das 350 páginas, Theroux fala-nos de lugares que têm nomes sugestivos, mas que são uma decepção (como Samarcanda ou Timbuctu), dos sítios que ele considera terem sido os mais perigosos que já visitou (e inclui a Inglaterra, no dia de jogos de futebol, estando entre as claques adversárias), etc.

Um livro interessante, para ir lendo, ao mesmo tempo que se lê outro livro “de fundo”.

“O Colosso de Maroussi”, de Henry Miller (1941)

Henry Miller (1891-1980) não é um autor consensual.

Eu gosto muito de Henry Miller.

Comecei por ler, em 1972, Pesadelo Climatizado (The Air Conditioned Nightmare, 1945) e, no ano seguinte, O Olho Cosmológico (The Cosmoligical Eye, 1939), ambos em edição Estampa, numa colecção em que foram divulgados grandes autores, praticamente desconhecidos em Portugal.

Em 1977 li Sexo em Clichy (Quiet Days in Clichy, 1956), em edição brasileira e, dois anos depois, Um Diabo no Paraíso (A Devil in Paradise, 1956).

Em 1980 e 81, devorei os grandes clássicos de Miller: Trópico de Câncer (1934), Trópico de Capricórnio (1939), Sexus (1949), Plexus (1952) e Nexus (1960).

Em 1985 li, meio enjoado, o pornográfico Opus Pistorum (escrito em 1941 e descoberto em 1983) e Cartas a Anais Ninn (1965).

Em 1993, foi a vez de Crazy Cock (escrito em 1930 e publicado em 1991) e, finalmente, em 1997, Moloch (escrito em 1927 e publicado em 1992).

E ao longo de todos estes anos, li várias referências a este O Colosso de Maroussi (1941), mas só agora, graças a esta edição da Tinta da China (tradução de Raquel Mouta), consegui lê-lo.

Alguns críticos e o próprio Miller consideram esta como a sua melhor obra literária. Não sei dizer se isso é verdade. Trata-se, de facto, de um livro excessivo, ao bom estilo exagerado de Miller, em que o autor expõe as suas ideias utópicas sobre a Humanidade.

Em 1941, Miller decidiu fazer uma pausa na sua actividade literária e, deixando Paris, onde residia, foi passar seis meses à Grécia. A segunda guerra mundial já tinha começado há dois anos, mas Miller passa-lhe ao lado, tão fascinado que está pela Grécia, que ele elogia até ao infinito.

Página 28: «Os homens podem andar por aí no seu corropio insignificante e inútil, até mesmo na Grécia, mas a magia divina ainda aqui é operante e, por muito que a raça humana faça ou tente fazer, a Grécia continua a ser um local sagrado – e tenho a convicção de que assim continuará a ser até ao fim dos tempos.»

Claro que Miller não podia adivinhar que a Grécia dos nossos dias iria estar de joelhos, humilhada pelos Mercados e que o facto de ter sido o berço da civilização ocidental tem tanto valor como cascas de amendoins.

Fascinado pelos locais históricos gregos, Miller encontra neles a solução para todos os males.

Página 100: «Não precisamos de melhores instrumentos cirúrgicos, precisamos de uma vida melhor. Se todos os cirurgiões, todos os psicanalistas, todos os médicos em geral pudessem ser afastados da sua actividade e reunidos por um breve período no grande anfiteatro de Epidauro, se pudessem discutir em paz e sossego as necessidades urgentes e fundamentais da humanidade em geral, a resposta seria rápida e unânime: REVOLUÇÃO».

Ao longo do livro, Miller vai visitando o Peloponeso, Olímpia, Delfos, algumas ilhas gregas, faz amizade com escritores e artistas gregos, mas o que lhe interessa mais é o comum dos mortais. Glorifica a pobreza. Endeusa a simplicidade e diaboliza a América, como símbolo do capitalismo furioso.

E é excessivo nas palavras. Por exemplo, isto, a propósito de Saturno:

Página 127: «Saturno é um símbolo vivo da tristeza, morbidez, desgraça e fatalidade. A sua tonalidade de um branco leitoso desperta associações inevitáveis com tripas, matéria cinzenta, órgãos vulneráveis e ocultos, doenças repugnantes, tubos de ensaio, espécimes de laboratório, catarro, reuma, ectoplasma, tonalidades melancólicas, fenómenos mórbidos, guerras de íncubus e súcubus, esterilidade, anemia, indecisão, derrotismo, obstipação, antitoxinas, romances fracos, hérnias, meningite, letra-morta, burocracia, condições de vida da classe trabalhadora, fábricas clandestinas, a YMCA, encontros do Esforço Cristão, sessões espíritas, poetas como T. S. Elliot, fanáticos como John Alexander Dowie, curandeiras como Mary Baker Eddy, estadistas com Chamberlain, fatalidades triviais como escorregar numa casca de banana e partir a cabeça, sonhar com dias melhores e ficar entalado entre dois camiões, afogar-se na própria banheira, matar acidentalmente o nosso melhor amigo, morrer de soluços e não no campo de batalha, e assim por diante, ad infinitum».

Miller estava, nesta altura, muito zangado com a América e verdadeiramente apaixonado pela Grécia.

Página 245: «Hoje, como ontem, a Grécia é extremamente importante para quem pretende encontrar-se a si mesmo. A minha experiência não é única. E talvez devesse acrescentar que não há povo no mundo que precise mais daquilo que a Grécia tem para oferecer do que os americanos. a Grécia não é apenas a antítese da América, é mais do que isso, é a solução para os males que nos atormentam. Economicamente, pode parecer insignificante, mas espiritualmente a Grécia ainda é a mãe de todas as nações, a fonte da sabedoria e da inspiração».

Não deixa de ser irónico ler estas palavras num momento em que a Grécia está tão em baixo, dependente da ajuda internacional e, internamente, a braços com uma crise de identidade.

O Colosso de Maroussi é um livro curioso, sobretudo, pelos excessos e pela paixão de Miller e acaba por ser um livro de viagens, datado, é certo, mas vivido.

Eu também só viajo em económica

Cheguei ontem da Noruega e viajei, como sempre, em classe económica.

Sou um homem simples, detesto ostentações.

Por isso, percebo perfeitamente o nosso novo primeiro-ministro, quando decidiu optar pela económica, em vez da classe executiva a que tinha direito.

Também ele é um homem simples…

E, ao fim e ao cabo, daqui a Bruxelas, são pouco mais de duas horas de voo; não dá tempo para que o Pedro fique com as pernas dormentes e, considerando a sua idade, ainda não deve sofrer de espondilose…

Mas penso que deve haver outra razão para Passos Coelho ter escolhido a económica, para as suas viagens de avião. E passo a explicar:

Ontem, antes de embarcar em Oslo, o funcionário do check-in informou-me que o voo estava overbooked, havendo quatro passageiros a mais. Assim, a companhia estava disposta a oferecer-me 400 euros, se eu desistisse daquele voo e optasse por um voo Oslo-Amesterdão e, depois, Amesterdão-Lisboa. E ainda ganharia mais milhas, caso tivesse aderido a algum programa de passageiro frequente.

É este o plano de Passos Coelho: ao escolher a classe económica, quando era suposto viajar em executiva, está a contribuir para o overbooking do voo.

Quando deixar o cargo de primeiro-ministro, terá milhas acumuladas que lhe permitirão viajar até ao fim do mundo.

E, quem sabe, não regressar…

200 post, 200 fotos

Já Lá Estive, o meu blog de viagens, atingiu os 200 post e as 200 fotos, com o nosso passeio por Alcobaça, Nazaré, Batalha e Mira de Aire.

São 200 textos curtos, ilustrados pelas 200 respectivas fotos, de outros tantos sítios por onde já passei, em Portugal, Espanha, França, Itália, Grã-Bretanha, Irlanda, Holanda, Bélgica, Suíça, Áustria, República Checa, Eslováquia, Hungria, Alemanha, Suécia, Finlândia, Estónia, Letónia, Rússia, Grécia, Cabo Verde, Quénia, Marrocos, Egipto, Índia, China, Estados Unidos, Canadá, Chile, Brasil, Argentina, Uruguai, Costa Rica, Peru, Austrália, Polinésia Francesa.

E falta tanto!…