“HIstórias Bizarras”, de Olga Tokarczuk (2008)

A Cavalo de Ferro continua a publicação desta escritora polaca, vencedora do Prémio Nobel em 2019.

Como o nome indica, este livro, editado já há 14 anos, contém um conjunto de histórias estranhas.

Como diz a contracapa: “um médico escocês do século XVII, ao serviço do rei da Polónia, descobre uma estranha raça de crianças verdes. Uma família de quatro mulheres idênticas, que se podem ligar e desligar, vê a sua rotina ser perturbada pelo aparecimento de dois vizinhos. Um mundo onde impera o uso do metal mantém a sua ordem graças ao sacrifício de um misterioso semideus com mais de trezentos anos. Uma mãe deixa uma estranha herança de vários frascos de conserva ao aseu filho preguiçoso”.

São, de facto, histórias bizarras, umas mais bem conseguidas do que outras.

Apesar de serem histórias em que impera o lirismo próprio de Tokarczuck, prefiro os seus romances.

Outros livros de OPlga Tokarczuk: “Casa do Dia, Casa de Noite“; Outrora e Outros Tempos; Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos; Viagens;

O Coiso e a tradutora dos livros de Olga Tokarczuk

Deparei-me com este simpático comentário no Coiso:

“Sou a tradutora de Olga Tokarczuk e queria felicitá-lo pelas publicações que tem feito sobre os livros da escritora polaca. Espero que nunca deixe de o fazer. Saiu no Expresso um artigo meu onde menciono o seu blogue – uma forma de reconhecimento pelo seu trabalho. Parabéns!”

A Revista do Expresso estava ainda à espera de ser lida, mas fui logo buscá-la e encontrei um texto escrito pela tradutora Teresa Fernandes Swiatkiewicz, onde ela refere:

“A boa recepção de Olga Tokarczuk em Portugal pode ser analisada à luz do conceito de fidelidade, porque entre os agentes do processo. editor, tradutor e leitor – se desenvolveu um relacionamento profícuo, manifesto no facto de os livros da escritora nobelizada serem simultaneamente best-sellers e long-sellers, bem como no facto de terem surgido no ciberespaço blogues literários (por exemplo, “Palavras Sublinhadas” e “O Coiso – aqui desde 1999”) que dissertam sobre os seus sucessivos livros, elogiando o carácter inovador da sua estrutura narrativa, a escrita fluida repleta de passagens memoráveis e pensamentos aforísticos, as personagens inesquecíveis e os enredos imaginativos, bem como a imprevisibilidade do desenrolar dos acontecimentos.”

Teresa Fernandes traduz os livros de Tokarczuk do polaco para português e percebe-se, pelo que diz neste texto, que o faz com prazer porque, também ela, deve ser (é certamente) uma fã da escritora polaca.

Quanto ao facto de O Coiso ser um blogue literário, não diria tanto… limito-me a escrever meia dúzia de opiniões sobre os livros que vou lendo.

“Casa de Dia, Casa de Noite”, de Olga Tokarczuk (1999)

Diz-se que há escritores que escrevem sempre o mesmo livro.

Tokarczuck insere-se nessa categoria. Desde que ganhou o Nobel, em 2019, os seus títulos anteriores têm sido publicados em Portugal e verifico que, no fundo, a escritora polaca escreveu sempre o mesmo livro, embora sempre diferente.

Entrei em contacto com esta ex-psicóloga clínica através do excelente Viagens, de 2007. Li, depois, Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos, de 2009, e depois, Outrora e Outros Tempos, de 1992.

Todos estes livros, a que dificilmente poderemos chamar romances, têm estrutura idêntica: são pequenos textos que nos vão contando pequenas histórias, são descrições curtas de lugares e de acontecimentos, como se fossem peças de um puzzle que nós vamos juntando na nossa cabeça. No final, quando terminamos o livro, ficamos com a impressão de que ficámos a conhecer aquele sítio e aquelas pessoas.

Este Casa de Dia, Casa de Noite, não foge à regra. A acção passa-se algures depois do final da segunda Grande Guerra, numa aldeola polaca que foi ocupada pelos alemães. A narradora vai-nos contando pequenas histórias, da sua vizinha Marta, dela própria, de um monge que queria ser rapariga, de um casal que enfrenta a rotina da vida, e de muitos outros.

Veremos se Olga Tokarczuck consegue manter este estilo nos seus próximos escritos.

“Outrora e Outros Tempos”, de Olga Tokarczuk (1992)

Foi o primeiro grande sucesso desta escritora polaca que, no ano passado, foi galardoada com o Nobel.

Depois de ter lido Viagens (2007) e Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos (2009), estava com curiosidade em ler este livro, escrito mais de dez anos antes – e verifiquei que Tokarczuk encontrou mesmo uma nova maneira de escrever romances.

Este Outrora e Outros Tempos podia ser um calhamaço de 600 páginas, já que a acção decorre numa aldeia polaca, e percorre a Grande Guerra, a crise que se lhe seguiu, a Segunda Grande Guerra, a ocupação nazi, a ocupação soviética, o regime comunista, a passagem para a democracia liberal.

No entanto, Tokarczuk resolve este “problema” com textos curtos, cada um deles dedicado a um dos habitantes da aldeia. É o exemplo de Mísia; assistimos ao seu nascimento, à sua infância, ao seu casamento, ao nascimento dos seus filhos, à sua velhice e à sua morte.

E o mesmo se passa com as restantes personagens, nas quais, a escritora inclui objectos, casas, móveis, árvores, porque todas elas fazem parte da aldeia.

Gostei.

“Conduz o teu Arado Sobre os Ossos dos Mortos”, de Olga Tokarczuk (2009)

Depois de ler o excelente Viagens, desta escritora polaca, fiquei com muita vontade de ler este Conduz o teu Arado…

Claro que, entretanto, o livro tinha desaparecido dos escaparates. Felizmente, a escritora ganhou o Nobel da Literatura e o livro foi reeditado.

Acabei de o ler ontem e não há dúvida que esta senhora merece toda a nossa atenção.

Nascida em 1962, Olga T. tem uma escrita aparentemente simples, mas cheia de camadas.

Este romance é narrado por Janina Duszejko, uma professora reformada que vive num ermo, onde, durante o inverno, toma conta de algumas casas de campo.

Janina é astróloga amadora, vegetariana e grande defensora dos animais; uma vez por semana, ainda dá aulas de inglês, numa vila próxima. Também uma vez por semana, ajuda um jovem da vila a traduzir os poemas de William Blake; é desse escritor a frase que dá o nome ao livro.

A certa altura, um dos poucos vizinhos de Janina aparece morto, aparentemente por se ter engasgado com um osso de uma corça que ele caçara. Mais tarde, morre o presidente do clube de caça da vila, o chefe dos bombeiros, até o padre.

E uma história bucólica começa a transformar-se num romance policial macabro.

Duas frases que destaco:

Página 120: “numa antiga tradição, para lutar contra os pesadelos é preciso contá-los em voz alta para a sanita e, depois, puxar o autoclismo!”

Página 179: “a saúde é um estado incerto e não augura nada de bom. Mais vale viver tranquilo com uma doença, porque assim pelo menos já sabemos do que vamos morrer”.

Aconselho vivamente!

(Edição Cavalo de Ferro; tradução do polaco de Teresa Fernandes Swiatkiewicz)

“Viagens”, de Olga Tokarczuk (2007)

Olga Tokarczuk é uma escritora polaca nascida em 1962 e que, no ano passado, venceu o Man Booker Internacional com este curioso livro.

Psicóloga de formação e activista de esquerda, Tokarczuk tem sido acusado pelos líderes polacos de direita de denegrir a imagem da Polónia. Só se for por ganhar tantos prémios literários, digo eu, porque, além do importante Man Booker, a escritora tem também sido distinguida com outros prémios, nomeadamente na Alemanha.

Este Viagens é um livro muito curioso porque é formado por pequenas “entradas”, digamos, assim, pequenos textos, a propósito de viagens. Tem, no entanto, um tema a que a escritora volta obsessivamente: as exposições e os museus que mostram plastinação de corpos e partes do corpo humano, ou as colecções de bizarrias encerradas em frascos com formaldeído, como fetos com duas cabeças ou colunas deformadas, etc.

Parece um pouco tétrico, mas não é nada disso. Ao fim e ao cabo, Olga T. fala sobre o corpo humano, sobre a vida e sobre a morte, sobre a viagem que pode ser a da vida, até à morte.

Três histórias sobressaem: a do coração de Chopin, que é secretamente levado de volta para Varsóvia pela sua irmã; a de uma mulher que regressa à sua terra natal para envenenar o seu antigo namorado, moribundo, a pedido deste; e a do homem que está à beira da loucura, depois da mulher e do filho terem desaparecido durante uma viagem à Croácia, para aparecerem dias depois, sem qualquer explicação.

Aconselho.