Os semáforos de Bissau

O Diário de Notícias publica hoje, na página 25, um texto de Mussá Baldé, jornalista da Lusa, intitulado: «Todos querem ver os primeiros semáforos da capital guineense”.

O texto é tão fantástico, que merece ser transcrito quase na íntegra.

Começa assim:

«Bissau recebeu os seus primeiros semáforos, mas em vez de se tornarem instrumentos para melhorar o trânsito automóvel, na realidade, causam curiosidade e confusão no tráfego.»

Portanto, na principal avenida de Bissau, foram colocados semáforos, a título experimental. Os habitantes da Guiné-Bissau nunca tinham visto semáforos na sua vida. Assim, segundo Baldé:

«O problema é decifrar a informação que é dada por cada cor, pois, í s vezes, acende o vermelho e lá estão alguns condutores a acelerar para passar, justamente na altura em que os peões, que também desconhecem a ordem dada pelas luzes, tentam atravessar a avenida.»

Trata-se de uma situação potencialmente perigosa. Haverá atropelamentos?

Parece que não. Tudo é vivido com a alegria. Voltemos a Baldé:

«As gargalhadas, tanto dos condutores como dos transeuntes, têm sido regra para acalmar essas hilariantes situações frequentes nos cruzamentos onde existem os semáforos».

E parece que nem as autoridades conseguem perceber o que as cores dos semáforos significam.

«Estava a luz vermelha acesa no semáforo e manda-me avançar um agente do trânsito. Não obedeci porque ele estava errado, contou Alfa Djaló, um taxista que trabalha na avenida Combatente da Liberdade da Pátria».

Baldé explica-nos que a confusão dos agentes de autoridade não se limita aos semáforos, «também é notada na sinalização, pois agora, a estrada que liga o mercado do Bandim ao aeroporto da capital guineense, ao longo de uma extensão de oito quilómetros, possui sinais e travessias para os peões. “Noutro dia por pouco não atropelei uma velhota que estava a atravessar a avenida. Dizia ela que os jovens que ali se encontravam nos postes dos semáforos, mandaram-na passar, dizendo que o semáforo, que estava verde, era para os peões atravessarem”, relatou um jornalista da Rádio Nacional.»

E Mussá Baldé termina esta notícia extraordinária com esta frase lapidar:

«Já se fala em Bisssau que algumas pessoas do interior viajam para a capital do país de propósito para verem os primeiros semáforos do país.»

Quinhentos anos de colonialismo português fez da Guiné-Bissau este caso de sucesso!

Dez anos depois

Dez anos depois, os acontecimentos do 11 de Setembro, em Nova Iorque, transformaram-se em mais um fait-divers.

As televisões nacionais mudaram-se para Manhattan e transformaram tudo em “motivo de reportagem”.

E vemos o primo da amiga que era namorada do bombeiro que faleceu na queda das Twin Towers a ser entrevistado, mais o português emigrado que assenta tijolos na nova torre, mais o outro que esteve numa das torres horas antes do primeiro avião ter atravessado a estrutura.

O significado do ataque ao coração do capitalismo acaba por ser relegado para enésimo plano, enquanto diversas equipas de reportagem aproveitam para se passear pela Times Square, pela 5th Avenue, pelo Central Park, reportando insignificâncias.

A RTP, que tem não-sei-quantos milhões de prejuízo, enviou para Manhattan, pelo menos três equipas de reportagem e hoje, í  hora do almoço (e í  noite também, certamente) os telejornais foram transmitidos directamente de Nova Iorque!

Mas que merda é esta?!

Então não estamos em crise?

Afinal ainda há dinheiro para enviar todas esta maltósia para a terra do Uncle Sam?

Mas o que é que aconteceu de novo, que mereça tamanha cobertura jornalística por parte de um país periférico, a braços com uma crise económica do caraças?

Cambada de saloios novos ricos!

P.S. – E ontem no Congresso do PS, aquela cena do jornalista da Sic a mostrar os bastidores jornalísticos ao António José Seguro? Orgulhoso, dizia-lhe que ali trabalhavam 53 profissionais! 53 profissionais para cobrir o congresso do PS? Só da Sic? Se a RTP e a TVI, o DN e o Público, a TSF e a Antena Um, etc e tal, enviaram o mesmo número de pessoas, serão mais os profissionais da informação que os congressistas!

Serviço Nacional de Escutas

O DN trás, hoje, na primeira página, as fotos tipo-passe de 16 “personalidades” que afirmam recear que os seus telefones estejam sob escuta.

“Personalidades” tão diversas como António Capucho, Honório Novo, Mário Cláudio, Marinho e Pinto e António José Seguro.

Todos dizem evitar falar de assuntos sérios ao telemóvel.

Só contam anedotas, pelos vistos…

Vem isto tudo a propósito de os Serviços Secretos portugueses terem andado a escutar o telemóvel de um jornalista do Público.

O simples facto de existirem uns Serviço Secretos portugueses já dá vontade de rir… mas enfim… adiante.

Parece-me normal que, existindo um serviço secreto, os seus membros devam respeitar esse secretismo. Não me parece correcto que venham cá para fora, para os amigos e as namoradas, contar segredos do Cavaco ou do Sócrates, ou do Passos Coelho, por exemplo.

Ora se, de repente, começam a aparecer, escarrapachadas no Público, coisas que supostamente deviam ser secretas, é porque alguém lá de dentro está a bufar cá para fora.

Digam lá se não é obrigação dos Serviços Secretos descobrir o bufo?

Imaginem que estávamos em guerra e que o bufo dos Serviços Secretos passava ao jornalista informações cruciais sobre a Defesa do Estado?

Nesse caso, já seria aceitável montar uma escuta para descobrir o bufo?

Ou será que isto só é aceitável nos filmes do James Bond?

Agora, há por aí um coro de virgens envergonhadas porque os Serviços Secretos violaram a liberdade de imprensa!

Pois claro que violaram!

É para isso que eles servem!

Ou não?

 

O muro

Ontem, a RTP e a SIC proporcionaram-nos reportagens formidáveis, directamente da Líbia (se calhar, a TVI também, mas eu não vejo a TVI por uma questão de princípio)

—Bem, eu não tenho a certeza se aquilo era mesmo na Líbia, mas parece que sim. Os jornalistas estavam mesmo na Líbia, mais precisamente, em Tripoli.

Mais precisamente, num hotel da capital líbia, cheio de jornalistas.

Mais precisamente, atrás de um muro.

E o muro foi a estrela das reportagens.

Na RTP, Paulo Dentinho, deitado no chão, atrás do tal muro, falava para o microfone e tinha um telemóvel na outra mão. Ao fundo, ouviam-se estampidos.

Na SIC, Cândida Pinto, deitada no chão, atrás do mesmo muro, fazia a mesma figura.

Os tais estampidos eram, supostamente, tiros.

Os repórteres, com ar de quem está com cólicas abdominais, iam descrevendo o óbvio: estamos aqui, o hotel é ali, ouvem-se tiros… tudo afirmações definitivas.

Do lado de cá, um José Rodrigues dos Santos, aos gritos, e um Rodrigo Guedes de Carvalho, aos berros, tentavam sacar mais informações dos seus colegas. Mas eles limitavam-se a debitar vulgaridades.

Os repórteres como sujeitos da notícia.

A notícia deixou de ser a guerra civil líbia e passou a ser o repórter, deitado no chão, atrás de um muro…

No mínimo, ridículo.

Mar encrespado

Miguel Relvas não convidou Mário Crespo para correspondente da RTP em Washington.

Aliás, nem podia, porque Crespo é funcionário da Sic e o governo não interfere com a RTP que, aliás, vai ser privatizada e seria demasiado escandaloso Miguel Relvas arranjar um tacho na RTP ao jornalista que mais bateu no Sócrates e que mais fretes fez ao PSD/CDS, um pouco antes da mesma RTP ser privatizada.

Podia dar a ideia de que o governo PSD/CDS estava a pagar um favor ao Crespo, coisa impensável, porque Relvas é puro como a Divina Graça e Crespo nunca seria capaz de fazer o que andou a criticar este tempo todo.

Felizmente, nada disso se passou.

Parece que, afinal, Relvas apenas sondou Crespo – o que é algo de completamente diferente!

E Crespo, embora não tenha aceite o convite que, aliás, nunca existiu, já avisou que até acha que tem muito jeito para correspondente em Washington, até fala bem americano e tudo!

De facto, não há dúvida que as moscas mudaram…

“Os Portugueses”, de Barry Hatton

—Barry Haton nasceu em Inglaterra, em 1963, mudou-se para Portugal em 1986, tornou-se correspondente da United Press Internacional, em Lisboa, em 1992 e é correspondente da Associated Press, desde 1997, cobrindo toda a actualidade portuguesa.

Trata-se, portanto, de um jornalista estrangeiro que decidiu estudar Portugal e os portugueses e relatar as suas conclusões neste livro, que não deixa de ser curioso.

Achei, sobretudo, que Haton conseguiu fazer um resumo muito bem feito da História do nosso país e que poderia ajudar muitos dos meus compatriotas a conhecer e perceber os acontecimentos históricos que nos marcaram.

Pena é que, aqui e ali, a língua portuguesa traia o jornalista britânico. Pena, também, que ninguém da editora tenha reparado nesses pequenos erros.

Só dois exemplos.

Na página 131: «(Antero de Quental) iniciou uma brilhante digressão que permaneceria como um dos mais famosos discursos da história portuguesa» – não será “dissertação”, em vez de “digressão”?

Na página 171: «dezenas de milhar de pessoas (…) saíram para o aclamar (a Humberto Delgado) num electrificante comício de campanha no Porto» – não será “electrizante” em vez de “electrificante”?

Passando por cima dessas minudências, o livro lê-se muito bem e é um retrato certeiro de nós todos, com recurso a abundantes citações, desde Mark Twain a Fernando Pessoa.

O Coelho de férias!

O mundo ocidental está í  beira do abismo.

Para tentar encontrar uma resposta para a crise global provocada por José Sócrates:

a) David Cameron, primeiro-ministro inglês, reuniu-se com o presidente francês, Sarkozy

b) Sarkozy, para além de conversar com Cameron, teve conversas telefónicas com a chanceler alemã, Angela Merkel

c) Por sua vez, Merkel trocou opiniões com  Berlusconi, o primeiro-ministro italiano

d) De sublinhar que Berlusconi, este ano, desistiu de tirar férias

e) O comissário Olli Rehn, aquele que fala inglês com as sílabas arrastadas, interrompeu as férias e regressou a Bruxelas

f) Trichet, o chefe do Banco Eurpeu, convocou uma reunião de emergência

g) O chefe dos americanos, Obama, esteve ao telefone com Merkel e Sarkozy e fez uma comunicação de emergência ao país

e o primeiro-ministro de Portugal, Coelho, entrou de férias e está a banhos, em Manta Rota!

Para se justificar, colocou um texto de ir í s lágrimas, no Facebook, intitulado “uma pequena reflexão de verão“.

De um tipo como este, não seria de esperar outra coisa, se não “uma pequena reflexão”…

E a comunicação social, bajuladora, noticia o medíocre texto, como se fosse uma obra de arte da literatura, citando-o quase na íntegra.

Lembram-se, certamente, do que aconteceu com as férias do Sócrates, o gajo que desencadeou esta crise toda…

Logo no primeiro ano, publicaram uma foto em que o homem punha protector solar nas costas de outro homem. Era o irmão, mas isso pouco importava, na altura.

No ano seguinte, noticiaram, em parangonas, que estava no Quénia, com os filhos, a fazer safaris fotográficos, em vez de estar a poupar dinheiro.

Mas o Coelho pode ir de férias í  vontade.

Coitado, também já é primeiro-ministro há dois longos meses, porra!

Roubaram uma mala de senhora!

Foi numa praia, em Albufeira e a RTP enviou para lá uma equipa de reportagem!

A repórter entrevistou um herói de bigode que explicou como conseguiu, com a ajuda do nadador-salvador, deter um homem, que chegou í  praia com as mãos a abanar e que se preparava para ir embora com uma mala de senhora.

O de bigode interpelou-o e o ladrão ainda tentou ludibriá-lo, dizendo que a mala era da esposa. Claro que não era – a mala pertencia a uma senhora que o sevandija tinha assaltado há pouco tempo.

Logo a seguir, a repórter ouviu um veraneante que, muito espantado, revelou que costumava frequentar aquela praia há cerca de trinta anos e que nunca tinha ouvido falar de assaltos.

Confesso que já não recordo como acabou esta coisa, mas fiquei com a impressão de que estava a ver uma espécie de reportagem de amadores, como se fosse um trabalho de grupo, de alunos do 11º ano.

Então, roubaram uma mala de senhora numa praia de Albufeira?

Que escândalo!

Este mundo está perdido!

Hoje, uma mala de senhora, amanhã – quem sabe? – um computador portátil ou mesmo um telemóvel!

Estado de (des)graça

A Comunicação Social, em peso, está rendida a Passos Coelho ou, melhor dizendo, aos interesses que ele representa.

Tudo o que o homem diz ou faz, tudo o que o seu governo decide, todas os movimentos dos seus ministros – tudo é bem interpretado, tudo é bom, tudo é adequado, tudo é responsável.

Teixeira dos Santos era um cara de pau. O novo ministro das Finanças, aquele com uma camisa dois números acima, é um gajo divertido! Chamou Lopes ao Honório Novo, do PCP e, depois, ripostou “Novo sou eu!”, e logo todos os jornalistas se ajoelharam e o veneraram pelo seu humor. Temos um ministro das Finanças que diz piadas!

O ílvaro da Economia, também continua na senda do humorismo, comparando a economia ao futebol. E pergunta: de que serve ter um bom treinador, se o guarda-redes deixa entrar frangos? E esclarece, logo a seguir, que não é do Benfica. Engraçadinho, não?

As medidas socráticas do PEC IV eram más. As medidas da troika são poucas e ainda é preciso sacar parte do subsídio de natal. Sócrates era aldrabão, Passos Coelho é ponderado.

Sócrates prometeu não aumentar impostos e, assim que subiu ao poder, aumentou o IVA. Era um mentiroso!

Passos Coelho afirmou que, se tivesse que aumentar impostos, seria sempre os de consumo e nunca os do rendimento de trabalho. Assim que subiu ao poder, cria uma taxa extraordinária de IRS. É um político equilibrado…

E até o tom monocórdico e chato do primeiro debate parlamentar deste governo foi louvado na coluna daquele jornalista azougado, Ricardo Costa,  por oposição ao tom conflituoso dos debates em que Sócrates participava.

Conflito é mau, pasmaceira é bom.

Levado ao colo desta maneira, o novo governo só não cumpre o programa do FMI por pura incompetência.

—

Eleições? Para quê?

Segundo a maior parte dos órgãos de comunicação social, o PSD já ganhou as eleições e vai formar governo com o CDS. E é bom que assim seja, porque ninguém percebe (leia-se: os jornalistas não percebem), como foi possível os eleitores terem dado a vitória ao PS em duas eleições sucessivas.

São jornalistas da SIC, da TVI, do Público, do Expresso. Para eles, esta campanha é uma luta do virginal Passos Coelho e do competente Paulo Portas contra o espertalhão, o mentiroso, o tenebroso Sócrates.

As sondagens diárias, que começaram com um empate técnico entre o PS e o PSD, estão, finalmente (!) a mostrar uma ligeira vantagem do PSD, depois da expressiva auscultação de duas mil pessoas!

Os jornalistas respiram de alívio! A estratégia montada há vários anos está, finalmente, a dar frutos. O cabrão do Sócrates está prestes a ir com os porcos!

Mas, pelo sim pelo não, hoje voltaram a aparecer notícias sobre o Freeport. Júlio Castro Caldas garante que Sócrates devia ter sido constituído arguido no caso Freeport. E ficou í  espera todo este tempo, ficou í  espera que faltassem três dias para as eleições para divulgar esta opinião.

Fazer eleições, para quê?

O Cavaco que chame o Passos Coelho e o Portas para formarem governo já amanhã e escusamos de perder tempo, no domingo, a “botar o boto”, como dizia a minha avó.

Confesso: estou tão farto deste jornalismo tendencioso que estou desejoso que o PSD e o CDS subam ao Poder!

Depois, infelizmente, todos os meus receios serão confirmados!