“O Princípio de Tudo”, de D. Graeber e D. Wengrow (2021)

Não foi fácil a leitura deste calhamaço de mais de 700 páginas…

David Graeber (1961-2020), foi um antropólogo norte-americano e Wengrow (1972) é um arqueólogo britânico.

Ambos são autores desta obra que mostra uma nova interpretação para as sociedades humanas mais antigas. Como nasceram civilizações por nós ignoradas, com organizações sociais completamente diferentes das que estamos habituados a ouvir falar? será que todos os povos passaram pela mesma evolução, desde os pequenos clãs ou bandos até aos Estados mais complexos? Ou será que a narrativa a que estamos habituados está desactualizada?

Estes dois autores vão descrevendo inúmeros exemplos de novas descobertas que põem em causa esta narrativa. Houve povos que viveram em anarquia, sem reis nem chefes, que praticaram a agricultura apenas em parte do ano, enquanto noutra parte voltavam à recoleção. Desconhecemos e ignoramos o que se passou na América pré-colombiana e toda a História da humanidade é demasiado eurocêntrica.

Embora esta obra esteja escrita numa linguagem acessível, nem sempre é fácil seguir o raciocínio dos autores, sobretudo para quem nunca estudou estes assuntos.

Vale a pena transcrever algumas passagens.

Esta, na página 155, é dedicada aos liberais:

“A sabedoria convencional também nos transmite que, assim que se verifica um excedente material, há também o surgimento de especialistas de ofícios a tempo inteiro, guerreiros e sacerdotes que o reclamam e vivem às custas de parte dele (ou, no caso dos guerreiros, que passam a maior parte do tempo a tentar descobrir novas formas de o roubar uns aos outros): e, sem demora, começam a aparecer os comerciantes, os advogados e os políticos. Estas novas elites, como Rousseau enfatizou, bão agrupar-se para proteger os seus ativos, pelo que o advento da propriedade privada é seguido, inexoravelmente, pela ascensão do Estado”

Em certas sociedades, ser-se político exigia muito mais do que actualmente, como na Mesoamérica, em Tlaxcala:

“Aqueles que aspiravam um papel no conselho de Tlaxcala, longe de terem de demonstrar carisma pessoal ou a capacidade de superar os rivais, faziam-no num espírito de autodesvalorização – quase vergonha. Era-lhe exigido que se subordinassem ao povo da cidade. Para garantir que esta subordinação não era uma mera encenação, cada um tinha de se sujeitar a provações, começando pela exposição obrigatória à humilhação pública, encarada como a recompensa adequada à ambição, e depois – com o ego em farrapos – a um longo período de reclusão, no qual o aspirante a político sofria os tormentos do jejum, da privação do sono, sangria e de um rigoroso regime de instrução moral. A iniciação terminava com uma «saída» do recém-constituído funcionário público num ambiente festivo de celebração.”

Quanto à definição de Estado:

“Contudo, talvez o primeiro a tentar a desenvolver uma definição sistemática tenha sido Rudolf van Ihering, um filósofo alemão que, no final do século XIX, defendeu que um Estado era qualquer instituição que reclamava o monopólio de uso legítimo da força coerciva dentro de um determinado território (…). Segundo esta definição, um governo é um «Estado» se reivindicar uma certa extensão de terra e defender que, dentro das suas fronteiras, é a única instituição cujos agentes podem matar pessoas, agredi-las, cortar-lhes partes do copor ou prendê-las em cadeias, com von Ihering salienta, que pode decidir sobre quem mais possui o direito de o fazer em seu nome.”

E este velho adágio mongol, que ainda hoje está bem actual:

“Conquistar o mundo a cavalo é fácil; o difícil é desmontar e governar”.

E só mais uma, mostrando que, se a invenção da lâmpada pode ter sido revolucionária, há outras invenções que a História ignora e que podem ser ainda mais importantes:

“Sempre que nos sentamos para tomar o pequeno-almoço, é provável que beneficiemos de uma dúzia de tais invenções pré-históricas. Quem foi a primeira pessoa a descobrir que poderíamos fazer crescer o pão crescer através da adição daqueles microrganismos a que chamamos fermentos? Não fazemos ideia, mas temos quase a certeza de que foi uma mulher e muito provavelmente não seria considerada «branca» se tentasse imigrar para um país europeu acutal; e sabemos que a proeza dela continua a enriquecer as vidas de milhares de milhões de pessoas”.

Vale a pena ler.

“Breve História do Mundo em 50 Lugares”, de Jacob F. Field (2017)

Nascido em Londres, em 1983, Jacob F. Field é formado em História Moderna pela Universidade de Oxford e autor de diversos livros.

Esta breve História do Mundo é um excelente livro para ler em voz alta para ouvidos atentos que queiram saber coisas básicas sobre alguns lugares do mundo que se tornaram importantes para a História.

São 50 lugares que o autor escolheu, nomeadamente, a Biblioteca de Alexandria, a bacia do Rio Amarelo, a Acrópole, a Igreja de Santa Maria do Sião, Cusco, as planícies de Abraão, a casa de Anne Frank, o CERN, etc.

Sobre cada um destes lugares – e em três ou quatro páginas – o autor relata os factos principais que ficaram ligados a esses sítios. Numa linguagem simples e com uma grande capacidade de síntese, Jacob F. Field consegue prender a nossa atenção e dar umas pinceladas na História do Mundo, da Europa à Ásia, passando pela África e pelas Américas.

“História Libidinosa de Portugal”, de Joaquim Vieira (2019)

Nada destas coisas nos ensinaram no Liceu!

São centenas de bastardos a inundar a História de Portugal e que Joaquim Vieira decidiu investigar e reunir neste volume que escorre facadas no matrimónio.

Praticamente todos os reis tiveram amantes (ou barregãs, termo espantoso) e, consequentemente, filhos ilegítimos, que só não foram mais porque a mortalidade infantil era muito alta.

E entre essas barregãs, muitas eram freiras que, embora casadas com Cristo, recebiam no seu regaço os membros viris da realeza…

Um exemplo (pág. 62):

“Sendo as suas (de D. Dinis) visitas às religiosas feitas durante a noite, D. Isabel, ao saber por antecipação de uma dessas incursões, terá aguardado o marido a meio do percurso de ida, acompanhada por damas da corte com archotes acesos, dizendo ao rei quando surgiu: «Ide vê-las. Nós alumiamos o vosso caminho». E assim teriam nascido os nomes de Lumiar (a meio caminho do trajecto) e de Odivelas» (onde ficava o Mosteiro de Odivelas, onde D. Dinis ia molhar o bico…)

O livro está organizado por ordem cronológica, começando com a fundação de Portugal e das aventuras extraconjugais de D. Afonso Henriques e vai por ali fora, seguindo as várias dinastias.

Para além da listagem de amantes e de bastardos, Vieira conta-nos também outras histórias curiosas, como esta, na página 245, sobre a fealdade de D. João VI e da sua futura esposa Carlota Joaquina.

Ambos seriam tão feios que o marquês de Bombelles afirmou “ser preciso «fé, esperança e caridade para consumar este ridículo casamento: a fé para acreditar que a infanta é uma mulher; a esperança para crer que dela nascerão filhos; e a caridade para resolver fazer-lhos»”

Terminada a monarquia, também a República teve os seus episódios libidinosos (curiosa a história em volta de Balsemão e do seu ilegítimo) e Joaquim Vieira relata alguns deles, terminando relatando a tendência que José Sócrates mostrou para ajudar mulheres em aflições de dinheiro, sugerindo que, por vezes, também ele se socorria de senhoras da mais velha profissão do mundo.

O livro termina com esta frase curiosa:

“Ditosa pátria que tais filhos tem, empenhados, dia após dia, em dar continuidade à história libidinosa da nação”.

Aconselho a leitura (edição Oficina do Livro)

“Sapiens – História Breve da Humanidade, de Yuval Noah Harari (2013)

Harari (Haifa, Israel, 1976) é um professor de História que se tornou conhecido mundialmente com este calhamaço de 500 páginas em que descreve a História da Humanidade.

O Homo sapiens começa por ser um animal insignificante e, depois da revolução cognitiva, da revolução agrícola e da revolução científica, transforma-se numa espéice de um deus, capaz de acabar consigo próprio.

De um modo muito claro, Harari vai-nos mostrando como essa evolução foi possível.

Na impossibilidade de transcrever todo o livro, deixo aqui, apenas, algumas passagens:

“A grande maioria da comunicação humana é composta por mexericos. (…) Acha que os professores de História falam sobre os motivos subjacentes à Primeira Guerra Mundial quando se encontram para almoçar, ou que os físicos nucleares aproveitam as pausas para café das conferências científicas para falarem de quarks? Por vezes. Mas o mais comum é coscovilahrem sobre a professora que apanhou o marido com outra, ou o propósito da altercação entre o chefe do departamento e o reitor, ou acerca dos rumores de que um colega usou os fundos de uma investigação para comprar um Lexus. Por norma, os mexericos centram-se nas infrações. Os divulgadores de rumores são o «quarto Estado» original: jornalistas que informam a sociedade e, assim, nos protegem de trapaceiros e parasitas”. (pag 37)

“De todas as actividades humanas colectivas, a mais difícil de organizar é a violência. Dizer que uma ordem social é mantida pela força militar suscita, de imediato, a questão: o que mantém a ordem militar? É impossível organizar um exército apenas pela coerção. Pelo menos, alguns dos comandantes e dos soldados têm de acreditar verdadeiramente nalguma coisa, seja em Deus, na honra, na pátria, na virilidade ou no dinheiro.” (pag 138)

“Tal como duas notas musicais opostas tocadas em conjunto fazem desenvolver uma melodia, também a discórdia nos nossos pensamentos, ideias e valores nos obriga a pensar, a reavaliar e a criticar. A coerência é apanágio das mentes obtusas”. (pag 200)

“A 23 de agosto de 1572, os católicos franceses, que realçavam a importância das boas acções, atacaram comunidades de porotestantes franceses que enalteciam o amor de Deus pela humanidade. Neste ataque, o dia do massacre de São Bartolomeu, foram chacinados entre 5000 e 10000 protestantes em menos de 24 horas. Quando o Papa, em Roma, soube o que tinha acontecido em França, ficou de tal forma feliz, que organizou orações festivas para celebrar a ocasião e contratou Giorgio Vasari para decorar uma das salas do Vaticano com um fresco do massacre (a sala está hoje encerrada aos visitantes). Foram mortos mais cristãos por outros cristãos nessas 24 horas do que pelo Império Romano politeísta durante toda a sua existência”. (pag 255)

“Os nossos primos chimpazés raramente se lavam e nunca mudam de roupa. Também não nos sentimos enojados pelos facto dos nossos cães e gatos domésticos não tomarem banho nem mudarem de pelagem, todos os dias. Fazemos-lhes festas, abraçamo-los e beijamo-los constantemente. Muitas vezes, as crianças pequenas das sociedades ricas não gostam de tomar banho e são necessários anos de educação e disciplina parental para adoptarem este hábito supostamente atraente. É tudo uma questão de expectativas.” (pag 448)

Vale a pena ler.

Edição Elsinore, tradução de Rita Carvalho e Guerra