Mas afinal, o disco é bom ou é uma merda?

Há muito tempo que não compro discos e confesso que estou um pouco arredado das novidades musicais.

No entanto, continuo a deitar um olho às críticas aos novos discos, que surgem, por exemplo, no Público ou no Expresso.

Já sei, por experiência própria, que o facto de o crítico atribuir uma ou cinco estrelas a um determinado disco, pode não querer dizer nada.

E digo por experiência própria porque já enfiei alguns barretes, à custa das cinco estrelas. Recordo o caso do cd triplo “69 Love Songs”, dos Magnetic Fields, que mereceu cinco estrelas por parte dos críticos, que elogiavam o seu autor Stephin Merritt, como se de um génio se tratasse.

Para mim, aquilo não passa de 69 pequenas cançonetas, a maior parte delas indigentes, sem qualquer originalidade.

Vem isto a propósito de mais um título bombástico, atribuído ao novo disco de Jarvis Cocker, dos Pulp, agora a solo.

A revista do Expresso gasta duas páginas com este tipo.

Uma das páginas é toda ocupada com uma foto do tal Jarvis, um senhor de 56 anos que, apesar do seu metro e oitenta e seis, calça botins de tacão alto. Apresenta-se em pose “artística”, com um pé no ar, casaco e gravata e aspecto de quem foi apanhado desprevenido.

Conheço os Pulp e acho que as suas canções são histriónicas e pouco interessantes. No entanto, o título do artigo de Luís Guerra, no Expresso, deixa-me na expectativa.

Diz ele, em título:

“25 anos depois da bola de espelhos e dos contos de alcova de “Different Class”, Jarvis Cocker dança a desagregação do mundo com o escapismo de sábado à noite”

Mas que raio de merda é esta?!

Como é que um tipo, que não passa de um cantor pop, consegue que a desagregação do mundo e o escapismo do sábado à noite se conjuguem como tema de dança?

O que quererá dizer o crítico?

Se tivéssemos paciência para ler a prosa que ocupa toda a segunda página da revista do Expresso, encontraríamos pérolas como esta:

“Com os Pulp, Jarvis Cocker substituiu matizes e impressões por canções, adornando com arabescos sentimentais a suposta vacuidade da literatura de cordel”.

Ora, um gajo que substitui matizes e impressões por canções, só pode ser um génio que,

“transformou sintomas em diagnósticos, suspeitas em delito, fluidos em transe”.

Depois de ler isto, fico com a impressão de que o Jarvis é uma espécie de médico-cantor. Um tipo diz que está com febre, e o Jarvis diagnostica síndroma depressivo e compõe logo uma canção.

A Direcção-Geral da Saúde inglesa devia contratá-lo para tentar resolver o problema do Covid.

E afinal, o disco é bom, ou é uma seca?

Diz o crítico:

“Mais cronista do que profeta, Jarvis Cocker transporta para 2020 algumas das suas obsessões mais estimadas, envolvendo em neurose os pontos negros na parede, mas desembrulhando a paranoia como um mestre da guerra formado em coreografia”.

E quem não percebe, é porque não consegue desembrulhar a paranoia…

Valerá a pena ir ver este filme?

Finalmente aposentado, tenho tempo e disponibilidade para voltar a ir ao cinema com regularidade. Nos últimos, digamos, dez anos, fiquei tão absorvido com a minha profissão que só episodicamente fui ao cinema, ao contrário do que acontecia quando tinha 20 ou 30 anos, em que era rara a semana em que não ia ao cinema.

Na semana passada fui ver o novo filme de Gus Van Sant, de que gostei, e vi a apresentação do novo filme de Paul Schrader.

O nome de Paul Schrader é bem conhecido.

Foi ele que escreveu os argumentos do estupendo Taxi Driver, de Scorcese, de Obsession, de Brian de Palma (ambos de 1976) e American Gigolo (1980), que também dirigiu; escreveu ainda o argumento de Raging Bull, que Scorcese também dirigiu, em 1980.

Vi todos.

E também vi Cat People, com a Natacha Kinski (1982), que realizou, e The Mosquito Coast (1986), com o Harrison Ford, cujo argumento escreveu.

Estes cartões de visita seriam suficientes para me convencer a ir ver o seu novo filme, First Reformed (título em português, No Coração da Escuridão, sei-lá-porquê!).

No entanto, como o senhor está com 71 anos e, no trailer, vi o protagonista, Ethan Hawke, vestido de padre e com um colete de explosivos, pensei que talvez fosse melhor ler uma crítica antes de ir ver o filme.

Hoje, deparei com a crítica de um senhor chamado Vasco Câmara, no suplemento Ipsilon, do Público.

Começa por dizer isto:

“Fazendo resistência passiva-agressiva ao template cinematográfico dos dias de hoje, No Coração da Escuridão, violenta os dados da cronologia e, sendo um filme realizado em 2017 por Paul Schrader, coloca-se ao lado de Blue Collar (1978), de Hardcore-A Rapariga da Zona Quente (1979) e de American Gigolo (1980), três títulos iniciais da filmografia do realizador.”

Ora, portanto, valerá a pena ir ver o filme, pergunto eu?

Por enquanto, não sabemos.

Mais à frente, o Sr. Câmara diz:

“É que o presente para Schrader, nesses anos, era o corpo. Apresentara-se-lhe quando aterrou em Los Angeles. Sobre as experiências do sensualista dar-nos-ia conta American Gigolo, o filme do Call Me de Blondie/Giorgio Moroder e do “visual” (via Ferdinando Scarfiotti, que estava ali por causa da art direction no Conformista de Bertolucci). Por estar indexado ao chic de um tempo, American Gigolo talvez não se tenha deixado ver convenientemente. Por exemplo, a forma como ao mesmo tempo se embriagava (Schrader transformava o corpo no ginásio; exercitava-se no contacto físico, que estivera ausente da família, nos clubes gay, o que não representava “perigo”, segundo ele, era coreografias), oferecia resistência, arredando os corpos de Richard Gere e de Lauren Hutton do espectáculo para, com a contenção, permitir uma deflagração final. Era uma subtil frustração ou mesmo violentação da natureza empática do cinema.”

Senti uma bofetada na cara.

Está claro que, apesar de ter um curso superior e de me considerar um tipo interessado por cinema, literatura, pintura e todas as artes em geral, não percebo porra nenhuma desta merda, ao contrário do Sr. Câmara.

Daquele parágrafo imperial, retiro a menção à Blondie e ao Giorgio Moroder, que conheço da música pop dos anos 80, mas reconheço a minha ignorância quanto ao senhor Ferdinando Scarfiotti.

No que respeita aos ginásios gay, reconheço que não percebi nada: Schrader é gay? Richard Gere é que é gay? Ou será Lauren Hutton, ou a Blondie?

E onde raio está a “subtil frustração ou mesmo violentação da natureza empática do cinema”?!

São demasiadas palavras em ão: contenção, deflagração, frustração, violentação!

Não li mais nada por que não!

Por favor, ajudem-me: hei de ir ver o filme, ou não?…

“A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert”, de Joel Dicker

Os críticos literários também são culpados por grandes barretes por omissão.

A Clara Ferreira Alves, por exemplo, escreveu um longo texto sarcástico a zurzir no novo best-seller de Dan Brown, Inferno, mas ainda não li nenhuma crítica sobre este calhamaço de Joel Dicker que, segundo diz a contra-capa, foi nº 1 de vendas em França, com mais de 750 mil exemplares.

Pelo contrário, li vários textos mais ou menos publicitários, incitando à leitura do livro, dizendo que era uma espécie de mistura de Philip Roth, Jonathan Frazer e Woody Allen, e que fazia lembrar o mistério de Laura Palmer.

Joel Dicker é um jovem escritor suíço, nascido em 1985 e, com este livro, arrebatou o Grande Prémio de Romance da Academia Francesa, o Prémio Goncourt des Lycéens e o Prémio da Revista Lire.

Chego à conclusão que a literatura em França anda muito por baixo.

harry quebertPorque A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert (editora Objectiva, 2013, trad. de Isabel St. Aubyn) é um mau livro.

No fundo, a coisa não passa de um policial de baixa qualidade, que nos conta a história do assassíno da jovem Nola Kellergan. A acção passa-se em Aurora, na Nova Inglaterra e qualquer comparação com Twin Peaks é pura demagogia. Nem a história tem a densidade dramática que tinha o mistério da série de David Lynch, nem as personagens são tão credíveis, nem o humor é tão refinado. Aliás, não há humor nenhum. O livro é obviamente escrito por um jovem inexperiente com muita sorte ou muito bem apoiado.

Dizer que a escrita faz lembrar Roth, Allen e Frazer é o pior insulto que se pode fazer àqueles três autores.

Tomem lá um exemplo da prosa:

«Nola pegou-lhe na mão e instalou-o no terraço. Levou-lhe papel, blocos de notas, canetas. Fez café, pôs ópera no gira-discos e abriu as janelas da sala para que ele ouvisse bem. Sabia que a música o ajudava a concentrar-se. Dócil, Harry ganhou coragem e decidiu recomeçar tudo; pôs-se a escrever um romance de amor, como se fosse possível, ele e Nola. Escreveu durante duas boas horas. As palavras surgiam sem esforço, as frases desenhavam-se na perfeição, de forma natural, brotando da caneta que dança sobre o papel».

Haverá coisa mais banal que isto? Só lugares comuns, frases feitas.

A infantilidade do texto chega a ser insultuosa, como neste naco:

«Bloqueio mental, Marcus, é o que é! As páginas em branco são tão estúpidas como os falhanços no desempenho sexual; é o pânico do génio, precisamente o que deixa o seu pénis completamente mole quande se prepara para brincar aos médicos com uma das suas admiradoras e só pensa em proporcionar-lhe um orgasmo de tal ordem que possa ser medido pela escala de Richter.»

Brincar aos médicos?!

Mas que raio de escritor de pacotilha é este Dicker?…

Enfim, Dicker é suíço mas escreveu um romance que se passa nos EUA.

Lá, nos EUA, Dicker podia ser usado como trocadilho, a partir da palavra dick, que pode significar pila ou palerma – dick head!

É o que este rapazinho suíço é, no fundo… um dick head

E assim nasce um best-seller, com a conivência dos críticos da nossa praça que, omissos, nada disseram, ainda, sobre este logro.

Ah, a propósito: quem matou a Nola Kellergan foi o Travis, o polícia.

Estava-se mesmo a ver…

O Sindroma George Harrison

– Zézinho, gostas mais do papá ou da mamã?

– Gosto mais do tio Manel!

Eis o caso típico de Sindroma George Harrison.

Qual era o melhor Beatle: McCartney ou Lennon?

Os intelectuais/eruditos mais empedernidos respondem: George Harrison.

A pergunta é idiota, claro, como se comprovou pela fraca carreira a solo de todos os ex-Beatles, tirando uma ou outra excepção.

Os Beatles foram bons enquanto grupo e o seu êxito deveu-se, sobretudo, à sinergia das suas qualidades.

Vem isto a propósito daquelas listas que os críticos do jornais às vezes fazem, quando decidem escolher os melhores discos, ou os melhores filmes, ou os melhores livros.

Este sábado, o Expresso publica uma dessas listas: os 50 discos que toda a gente deve ouvir.

Pondo de parte os discos de jazz e de música clássica, dos quais pouco posso dizer, as escolhas dos discos da chamada música popular deixaram-me espantado.

Dos 28 discos escolhidos, apenas conheço sete!

Claro que não sou um perito na matéria mas, desde jovem adolescente que acompanho a música popular (pop-rock), sobretudo a anglo-americana. Sou contemporâneo das grandes bandas dos anos 60 e 70, acompanhei de perto o boom da pop britânica, conheço o nome dos principais “conjuntos” (era assim que se chamavam), sou capaz de reconhecer a maior parte dos seus êxitos. Depois, nas décadas seguintes, continuei atento às novas tendências, através dos meus filhos. Por ter trabalhado, durante alguns anos, na televisão e da rádio, tive contacto com alguns divulgadores de música (o António Sérgio, por exemplo), pelo que conheci mais algumas bandas mais “estranhas”.

E, mesmo assim, nunca ouvi falar de 19 discos que constam desta lista!

Ricardo Saló escolheu os seguintes discos: Pet Sounds (Beach Boys, 1966), The Music of the Ba-Benzele Pygmies (Vários, 1966), Guitarra Portuguesa (Carlos Paredes, 1967), The Velvet Underground & Nico (1967), Astral Weeks (Van Morrison, 1968), Trout Mask Replica (Captain Beefheart, 1969), There’s a Riot Goin’ On (Sly and The Family Stone, 1971) e What’s Going On (Marvin Gaye, 1971).

Desta selecção de discos da minha geração, apenas conheço os discos dos Beach Boys, de Carlos Paredes e dos Velvet Underground.

A escolha de Pet Sounds que, na opinião do crítico, o “transportou para um lugar incógnito. Era um ambiente irreal: dir-se-ia entre o sonho e a ‘magia’ da espera do Pai Natal”, é mais um caso de Sindroma George Harrison. A escolher um disco da colheita de 1966-67, o mais óbvio, digamos, o McCartney, seria o Sgt Pepper’s, a seguir, o Lennon, seria Beggars Banquet, dos Stones – mas Saló escolheu o Harrison, Pet Sounds.

Na minha opinião, Pet Sounds é um disco vulgar. O grande trunfo dos Beach Boys, nesses tempos, foi Good Vibrations, que nem sequem entrou no alinhamento do álbum. Mas o crítico acha que a canção God Only Knows é algo de esotérico, dizendo que é “um sopro de orquestra, guizos e uma pulsação entre o bater do coração daquela voz e do trenó de que se faz, nessa idade, o sonho da felicidade”.

I rest my case…

João Santos escolheu os seguintes discos: Milagre dos Peixes (Milton Nascimento, 1973), Songs of Love and Hate (Leonard Cohen, 1971), Gamelan Semar Pegulingan (Vários, 1972), The Dark Side of the Moon (Pink Floyd, 1973), Lo Dice Todo (Grupo Folklorico Y Experimental Nuevayorquino, 1976) e Imyra, Tayra, Ipy (Taiguara, 1976).

De mais esta selecção, só conheço os discos do Cohen e dos Pink Floyd e, sim, escolheria The Dark Side of the Moon como um dos 50 discos que toda a gente devia ouvir – mas os restantes…

Finalmente, João Lisboa escolheu: The Ascension (Glenn Branca, 1981), Colossal Youth (Young Marble Giants, 1980), Le Quart de Siécle de Franco de Mi Amor (Frank & Le TPOK Jazz, 1981), Music for a New Society (John Cale, 1982), “Swordfishtrombones” (Tpom Waits, 1983), United States Live (Laurie Anderson, 1984), Evol (Sonic Youth, 1986), En Concert à Paris (Nusrat Fateh Ali Khan, 1986), Sign ‘O’ Times (Prince, 1987), The Rough Dancer and the Cyclical Night6 (Astor Piazzola, 1988), 3 Feet High and Rising (De La Soul, 1989), Dressing for Pleasure (Jon Hassel & Bluescreen, 1994), 69 Love Songs (The Magnetic Fields, 1999) e New Anciente Strings (1999).

Desta lista, conheço o disco do Tom Waits (outro que eu escolheria para os 50 imprescindíveis), o do Prince e o dos Magnetic Fields (este último é um barrete que foi aclamado pela nossa crítica – 69 cançõezinhas de amor, que são isso mesmo, cancõezinhas, algumas delas feitas apenas para encher o disco e chegar ao número 69, o que não passa de uma piadinha de adolescente: 69, percebem?…)

E os Beatles, os Stones, os Led Zeppelin, Otis Redding, King Crimson, Procol Harum, Fairport Convention, Small Faces, Kinks, ou Jacques Brel, José Afonso, Chico Buarque, João Gilberto, Nine Inch Nails, Chicago, Blood Sweat and Tears, ect, etc, etc?

No final da listagem, o Expresso publica outra lista com mais algumas escolhas dos seus críticos que, segundo eles, também poderiam figurar nos 50 eleitos, mas já não cabiam. Dessa lista fazem parte coisas como Blackout (Britney Spears, 2007) e Control (Janet Jackson, 1986)!

E os Beatles também lá estão, coitados…

E com que disco?

Mais uma vez, o Sindroma George Harrison… o disco escolhido não é Sgt. Pepper’s, nem Abbey Road, nem sequer o White Álbum, mas sim o Revolver.

Típico…