Cegos, surdos, mudos

Os cegos de Santa Maria nunca pensaram vir a ser tão famosos.

Desde há uma semana que todos os telejornais abrem com notícias sobre os 6 doentes que tiveram a infelicidade de serem intervencionados, naquele dia.

Primeiro, a culpa era da droga injectada nos olhos dos doentes, que é fabricada pela Roche e que não seria a indicada, porque o Infarmed já tinha sido avisado pelo próprio laboratório produtor, e que outros centros oftalmológicos não a usavam, sabe-se lá se os médicos não a teriam usado para beneficiar a Roche e, assim, conseguir um lugar num maravilhoso cruzeiro no Mar Morto, para duas pessoas, com estadia e pequeno-almoço e a possibilidade de assistir a um congresso sobre cegueiras iatrogénicas.

Depois, a culpa era da farmácia hospitalar, bem que o Sr. Cordeiro da ANF avisou, que as farmácias hospitalares, ao ficarem fora do controlo da Associação Nacional das Farmácias iriam começar a fazer porcaria e estava-se mesmo a ver que a farmácia do Hospital de Santa Maria não percebia patavina daquilo e tinha preparado mal as seringas e o Sr. Cordeiro é que sabe porque, em terra de cegos, quem tem um olho, é rei.

Mas, afinal, a culpa poderá ter sido de uma contaminação. O Avastin não faz mal nenhum, a farmácia é uma gaja porreira, só que anda para aí um maluco í  solta, que decidiu misturar o medicamento com um produto tóxico qualquer, só para cegar aqueles 6 desgraçados.

Já temos a Maria José Morgado em campo, a investigar.

O problema é que ainda vamos descobrir que, afinal, tudo foi obra de extra-terrestres, que andam a fazer experiências em nós, e só não vê quem não quer, porque o pior cego é o que não quer ver, e eles querem ver se somos resistentes ou quê, para depois nos darem injecções nos olhos, para ficarmos todos ceguinhos e eles nos poderem colonizar í  vontade.

Cega não estará, mas surda tem estado a Joana Amaral Dias, com a malta toda a ligar-lhe e ela sem ouvir o telemóvel.

Toda a gente quer saber quem está a mentir: o Sócrates ou o Louçã?

O Louçã diz que o Sócrates convidou a Joana para as listas do PS, por Coimbra ou, no caso de não querer, outro lugar em qualquer organismo do Estado, porteira no Museu dos Coches, guarda nas latrinas da estação do Rossio ou mesmo Directora-Geral dos Directores-Gerais.

Sócrates, por seu lado, diz que não vê a Joana há meses (outro ceguinho…).

E os jornalistas, preocupados com tão importante assunto, vá de ligar para o telemóvel da moça e ela, surda que nem uma porta, não o ouve e não atende.

Cegos e surdos poderemos não estar, mas mudos ficamos nós com este país tão pequenino, com uma política que tropeça no diz-que-disse, que parece uma capelista de bairro e se resume a uma paróquia pequenina, com cheiro a naftalina.

Ensaio sobre a cegueira

Factos: seis doentes padecendo de degenerescência macular, foram submetidos a um tratamento específico no Hospital de Santa Maria, tratamento esse que consiste na injecção de um medicamento no olho.

A coisa correu mal e os doentes ficaram cegos.

O Hospital não sabe explicar o que aconteceu, uma vez que este medicamento já foi usado muitas vezes e sempre com bom resultado e todas as normas foram cumpridas. Por isso mesmo, abriu um inquérito e promete dar respostas dentro de duas semanas.

Esta seria a notícia – se é que este acontecimento merece ser notícia.

Mas a comunicação social encontrou, neste infeliz episódio, assunto para reportagens exaustivas, com declarações de peritos, opiniões de familiares indignados, afirmações de médicos, farmacêuticos, químicos, droguistas e fiéis de armazém.

Como os incêndios andam por baixo e a gripá não passa dos habituais 10 casos por dia, todos importados (não há meio de fechar um empresa com metade do pessoal doente, caramba!) – os jornalistas viraram-se para o drama destas 6 pessoas que, infelizmente, sofrem de uma doença que leva í  cegueira e que, na esperança de melhorarem, ficaram cegas mais cedo do que esperavam.

Só falta entrevistarem Saramago.

A cegueira como parábola, é com ele…