O Público traz hoje um artigo muito interessante, do Washington Post, intitulado “Um apito e uma lanterna para obrigar indianos a ir í casa de banho”.
O artigo, da autoria de Bruce Wallace, dá-nos conta do Programa Sanitário do governo indiano, que pretende que, até 2012, os indianos percam esse velho hábito de defecarem ao ar livre. Para que isso seja possível, o governo incentiva a construção de casas de banho, mas os mais pessimistas acham que isso não chega. Não é por terem uma casa de banho por perto que os indianos vão deixar de cagar ao relento. Os seus antepassados assim o fizeram – por que razão eles não o hão-de fazer também?
Os críticos deste programa governamental dizem que seria mais importante tentar mostrar aos indianos a relação que existe entre as águas contaminadas por fezes e o número de casos fatais de diarreia (cerca de 700 mil casos por ano!).
O artigo conta-nos, ainda, que um tal Ravi Shankar Singh, patrulha as estradas da sua aldeia, depois do pí´r-do-sol, í procura de cagões. Quando apanha alguém, de cócoras, no meio do acto, sopra num apito e foca o cagão com a sua potente lanterna. Talvez assim os seus conterrâneos se comecem a envergonhar.
Na viagem de autocarro, entre Nova Delhi e Agra, para ir ver o Taj Mahal, vi diversos indianos a defecar í beira da estrada, no meio de acampamentos andrajosos, búfalos-de-água esqueléticos e mares de lama, sacos plásticos rasgados e cabras famélicas.
Parece ser mesmo uma questão cultural.
Na China, uma campanha idêntica está em marcha há alguns anos, contra o velho hábito chinês de cuspir no chão.
Quem não se lembra de ver as imagens de Mao Zedung (será assim que se escreve, hoje em dia?) a receber os seus convidados estrangeiros, sentado num confortável sofá e sempre com uma escarradeira ao lado?
Também vi, há dois anos, em vários locais públicos da China, inúmeros cinzeiros, com um letreiro, em mandarim que dizia, segundo me disseram, qualquer coisa como «não cuspas no chão; usa este cinzeiro».
Os portugueses também precisavam de campanhas deste género. Bem sei que cagar ao ar livre já não se usa, em Portugal, a não ser que se seja cão. No entanto, mijar nas esquinas nos prédios, nos túneis do metro ou atrás daquela árvore, que ninguém está a ver e eu estou tão aflitinho, continua a ser prática corrente.
O mesmo no que respeita a cuspir para o chão. Português que se preze, do sexo masculino a sério, não passa sem uma boa escarradela na calçada portuguesa.
No entanto, o nosso forte é mesmo bater no ceguinho.
O que a gente gosta de bater no ceguinho!
Ontem vi, em todos os telejornais, os bons chefes de família, daqueles que dão tareias nas mulheres e as boas donas de casa portuguesas, daquelas que dão sovas monumentais nos filhos, a apupar a mãe da criança inglesa, que desapareceu, em Maio, na Praia da Luz.
Foram os mesmos chefes de família e as mesmas donas de casa que foram chorar para a porta da igreja, quando a miúda desapareceu e que correram a atar fitas amarelas í volta do pulso e que deram entrevistas a todas as televisões, com a lágrima a escorrer pela cara, até í s bocas desdentadas, mostrando quanta pena tinham dos senhores doutores ingleses, cuja filha tinha sido raptada.
Alguns meses depois, no dia em a Judiciária considera que os pais da miúda podem ter tido um papel importante no seu desaparecimento, toca a apupá-los e a dizer «a mim nunca me enganaram, estes bifes de merda, todos emproados! Estava-se mesmo a ver que aquela cabra inglesa não queria saber dos filhos para nada! Se fosse comigo, partia-lhe a cara toda!»
Bater no ceguinho – é a nossa especialidade.
Em termos de saúde pública, não é tão grave como cagar na rua.
Mas é igualmente abjecto.