“Informadores da Pide – Uma Tragédia Portuguesa” – de Irene Flunser Pimentel (2022)

Em plena época de incêndios, apete dizer que Portugal é um país de incendiários.

Não é verdade.

O que Portugal é, é um país de delatores, de denunciantes, de traidores – pelo menos, é este o sentimento que fica depois de ler este brilhante livro de Irene Flunser Pimentel que, sem juízos de valor (a não ser nas notas finais, também elas brilhantes) nos conta a história desta verdadeira tragédia portuguesa.

Quantos terão sido os informadores da Pide? Talvez cerca de 20 mil!

Não se sabe ao certo quantos foram, mas foram muitos milhares e instalaram na sociedade portuguesa o clima de medo que todos (pelo menos os da minha geração) sentiram, nos anos da ditadura. Transcrevo da página 166:

“O facto de muitos anónimos escreverem recorrentemente ao Ministério do Interior e à PIDE a oferecerem os seus serviços como informadores é revelador de que existia, no seio da população portuguesa, uma espalhada cultura de denúncia. Se foi um facto que a PIDE/DGS teve muitos informadores, a principal razão da sua eficácia foi o «clima de desconfiança criado pelo pressentimento da sua existência». O mesmo terá acontecido com a escuta telefónica, com a qual a PIDE «obtinha mais vantagens» ao difundir a suspeita de que haveria um número incalculável de telefones vigiados pela polícia, do que com as escutas que efectivamente executava.”

Muitas vezes, os informadores traíam alguém em troca de algum favor, para conseguir um emprego melhor, para receber dinheiro, para obter uma casa – era o espírito da cunha, do favorzinho, que ainda hoje impera na nossa sociedade. Claro que, graças a essa delação, alguém era preso, talvez torturado, mas o informador não se preocupava com isso.

Portugal, um país de delatores. Exagero? Talvez não. Transcrevo da página 140:

“O excesso de denúncias chegou mesmo a ser criticado e condenado pelos próprios ministros do Interior da ditadura, como se pode ver através de duas circulares de épocas diferentes, separadas por vinte anos, 1951 e 1971, da autoria dos então detentores dessas pastas. Preocupado com a quantidade de denúncias anónimas ou de candidaturas a informador que regularmente lhe chegavam, o ministro do Interior, nomeado na remodelação governamental de agosto de 1950, Joaquim de Trigo Negreiros, enviou, em 11 de outubro de 1951, uma circular à PIDE, a queixar-se da generalização da delação.”

As denúncias por vezes – muitas vezes – eram mesquinhas, como esta (página 218):

“…o mesmo elemento da polícia política denunciou o presidente da Câmara de Mourão, por ver «com indiferença o pessoal» da DGS, ao não cumprimentar, no café, o chefe e os agentes do posto fronteiriço de S. Leonardo.”

Lemos em conjunto este livro que nos fez, mais uma vez, recordar a importância do 25 de Abril de 1974 e gostaria de esfregar as suas páginas nas trombas de alguns tipos que por aí andam a tentar fazer o tempo andar para trás.

E termino citando uma das notas finais da autora:

“Viu-se que houve informadores em toda a sociedade portuguesa, desde operários a assalariados rurais, a escriturários, comerciantes, proprietários, médicos que traíram o seu juramento, jornalistas, fotógrafos, presidentes de Câmara e directores de empresa, militares e civis, homens e mulheres, jovens e de meia-idade, padres, que transmitiram o que ouviam na confissão, professores dos vários graus de ensino que denunciaram alunos e estudantes. Viu-se também que quase todos, além de ganhos financeiros e de partilha do poder em ditadura, utilizaram o velho hábito da «cunha» para arranjar um emprego melhor ou subir na carreira da Administração Pública».

De facto, uma tragédia portuguesa!

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