Expresso: Torturar a realidade

Estamos em crise. A inflação ronda os 10%, coisa que não se via há mais de 30 anos. Saímos da pandemia para uma guerra na Europa.

Apesar disso tudo, a economia cresce e vemos os restaurantes cheios, as ruas a abarrotar, os centros comerciais a transbordar, bons carros nas ruas, e muita gente sorridente, com bom ar. Estarão felizes?

Parece que não…

Segundo o Expresso, “Crise faz disparar roubo de comida nos supermercados”. A acompanhar este título bombástico, vemos uma foto de latas de atum dentro de caixas com alarme.

Oh diabo! Isto está assim tão mau?!

Fui ler a notícia, da autoria de Joana Pereira Bastos.

No interior do jornal, a jornalista titula:

“Conservas e pacotes de leite então entre os produtos mais roubados. Seguranças apanham cada vez mais idosos e pais que levam comida para os filhos. «São roubos para comer», alertam os supermercados.”

Quem são, afinal, esses seguranças que “apanham cada vez mais idosos e pais que levam comida para os filhos”. Lê-se a notícia e percebemos que esses seguranças se resumem a Edson Alves, segurança num supermercado da Areosa. O Edson deve ser uma boa alma, porque diz: “Prefiro que me peçam. Não sou rico, mas posso oferecer alguma coisa. Eu próprio vou à caixa pagar”.

Portanto, idosos e pais da Areosa, já sabem: em vez de roubarem, peçam ao Edson, que ele paga.

Ainda segundo a notícia, esses são “«roubos para comer», alertam os supermercados”.

E que supermercados são esses?

A mesma notícia diz que “o Auchan garante que «não tem verificado aumento de furtos em nenhuma das lojas»”.

Em que ficamos?

O que vale é que a jornalista descobriu “o responsável de uma das maiores cadeias, que prefere não ser identificado”, que diz que “está a haver um problema grave de quebra de stock por furto”.

Esta cadeia de supermercados devia perguntar ao Auchan o que lá fazem para não serem roubados, caramba!

A diligente jornalista foi também ouvir a opinião do presidente da Associação Nacional de Vigilância e Segurança Privada, que – qual sociólogo – afirma “nos últimos dois ou três meses nota-se um aumento muito significativo dos furtos de alimentos por parte de pessoas que já não conseguem sobreviver com o seu salário ou pensão. Estão desesperadas e escondem na mala ou no casaco pacotes de leite ou latas de atum para comer ou dar aos filhos”.

Este facto só vem demonstrar o falhanço rotundo do Banco Alimentar e iniciativas similares, que tão bem ajudaram as famílias durante a pandemia e que, agora, deixam os pais e os idosos desesperarem.

Voltando ao Edson, a jornalista escreve que no supermercado onde ele trabalha, a gerência, face ao aumento dos furtos, decidiu colocar alarmes no polvo congelado e na picanha e diminuir o número as quantidades de produtos expostos nas prateleiras, como acontece com o café”.

Não há dúvida de quem está desesperado para arranjar comida para os filhos, opta por roubar polvo e picanha, a 13 e 20 euros o quilo, respectivamente. Se vamos roubar, ao menos que roubemos alguma coisa de jeito!

E depois de nos batermos com um excelente polvo à lagareiro, ou um naco de picanha, sabe bem um cafezinho, roubado, claro!…

Quando temos uma ideia preconcebida, arranjamos a realidade de modo que ela satisfaça essa ideia.

Assim vai o Expresso, cada vez mais pasquim…

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