A idade não parece afectar a imaginação de Margaret Atwood. Actualmente com 83 anos, a escritora canadiana continua bem viva.
Esta colectânea de contos foi publicada originalmente há nove anos, e saiu agora em Portugal, pela Bertrand.
São nove fábulas de humor negro. É a própria autora que lhe chama fábulas, embora os personagens sejam humanos, e não animais.
Na história que dá nome ao livro, uma turista, a bordo de um cruzeiro no írtico, engendra um assassínio perfeito, usando um estromatólito.
Na última fábula, idosos de um lar enfrentam uma multidão de manifestantes jovens que querem acabar com os idosos que não servem para nada, a não ser, para consumirem os parcos recursos do planeta.
Na capa, a editora afirma que este é o “…«romance» que intriga os serviços secretos ocidentais”. E coloca romance entre aspas como quem diz que o livro será o relato verídico de um ex-conselheiro de Putin.
O livro é um longo monólogo desse tal ex-conselheiro, Vadim Baranov, que relata, ao longo de mais de 200 páginas, como conseguiu levar Putin ao Poder e como o manteve lá e acabou por se afastar, porque Putin, no fundo, não precisa de mais ninguém a seu lado, a não ser a sua cadela lavrador.
Não sei se haverá outro Vadim Baranov, mas googlando este nome, apenas me aparece um crítico literário russo, que faleceu em 2014. Deve ser coincidência.
Romances í parte, o autor dá-nos uma descrição do Poder russo demasiado caricaturizada, na minha opinião.
Página 35, diversas piadas sobre o tempo dos soviéticos:
“…«Sabes o que é um dueto soviético? É um quarteto que foi em digressão ao estrangeiro.»
«Uma comissão de inspectores visita um asilo de loucos. Os pacientes recebem-nos cantando: “˜Como é bom viver em terra soviética!”™ Mas a comissão repara que um homem continua calado. “˜Porque é que não cantas?”™, perguntam-lhe eles. “˜Eu sou enfermeiro, não sou doido!”™Â»
«O camarada Khrushchev visita uma criação de porcos e é fotografado. No Pravda, os grafistas discutem qual a legenda a colocar na imagem: “˜O camarada Krushchev entre os porcos”™, “˜O camarada Krushchev e os porcos”™, “˜Os porcos ao redor do camarada Krushchev?”™ Todas as propostas são rejeitadas, umas atrás das outras. Por fim, o director toma a sua decisão. A legenda escolhida é: “˜Terceiro í direita, o camarada Krushchev”™Â».
Página 126, após um diálogo com um oligarca que vai acabar por “…suicidar”:
“…Sobra a guerra civil, devo confessar que me deu vontade de rir: como dizia aquele diplomata francês, a vantagem da guerra civil sobre a outra é que se pode ir comer a casa.”
Nas páginas 172 e seguintes, o tal suposto conselheiro do Czar, fala da Ucrânia:
“…Apoiados pelos americanos, os rebeldes (ucranianos) recusaram reconhecer o resultado das eleições, ocupando a praça principal de Kiev com os seus cânticos, as suas faixas cor de laranja, os seus alegres slogans pró-ocidentais. De súbito, comissões de observadores internacionais, delegações do Congresso americano, missões diplomáticas da União Europeia, materializaram-se do nada: todas concordavam em julgar ilegítimo o resultado das eleições ganhas pelo candidato pró-russo. Tinha-se acabado de votar no Afeganistão, no Iraque, com bombas a explodirem nas ruas e as tropas americanas a ocuparem as mesas de voto ““ aí, claramente, nenhum problema, tudo estava regular. Mas na Ucrânia não, claro que não.”
Romance ou relato verídico, é um livro curioso, que se lê como um daquelas novelas para ler no aeroporto.
Empoli foi conselheiro de Matteo Renzi e conhece, por dentro, a política italiana. A partir do fenómeno do Movimento 5 Estrelas, Empoli analisa os movimentos populistas que levaram ao poder personagens como Trump, Bolsonaro, í“rban e outros.
Podemos extrapolar para o Ventrusca, sem muito esforço.
“…Os defeitos dos líderes populistas transformam-se, aos olhos dos seus eleitores, em qualidades. A inexperiência deles é a prova de que não pertencem ao círculo corrupto das elites e a incompetência deles é a garantia da sua autenticidade.” – escreve Empoli, na página 17.
O capítulo dedicado í ascensão de Trump e í influência de Steve Bannon, é simplesmente assustador. O modo como o tipo do cabelo amarelo diz uma coisa e, no dia seguinte, o seu contrário ““ e, sobretudo, como ele consegue que isso o favoreça, deixa-nos de queixo caído.
Por vezes, ficamos um pouco espantados quando percebemos que países do Leste, tantos anos, sob domínio comunista, viram agora í Direita.
Diz Empoli:
“…Aos olhos dos conservadores húngaros, checos e polacos, a Europa Ocidental representava um ideal porque, contrariamente ao comunismo, garantia o respeito pelas tradições e pela religião. Não é de espantar, portanto, que eles se tenham sentido enganados quando compreenderam que a norma, no Ocidente, era o multiculturalismo e os casamentos homessexuais”.
Um livro que devia ser leitura obrigatória em algumas bancadas da Assembleia da República.
Estava na faculdade de Ciências e Tecnologia, a inaugurar um laboratório, quando alguém lhe ofereceu um moscatel. Quente.
O presidente não resiste a um copo ““ seja de moscatel, de ginjinha, de cerveja ou de qualquer outro líquido com uma percentagem de álcool aceitável.
Ignorando o facto ““ grave! ““ de já ter engolido o conteúdo de uma embalagem de Fortimel, Marcelo bebeu o Moscatel.
Estava quente!
Toda a gente sabe o mal que faz um cálice de moscatel quente.
Assim que o moscatel entrou no estí´mago presidencial, iniciou-se uma reação química com o Fortimel que ainda lá estava, a sobrenadar.
Consultando as precauções que constam da embalagem do Fortimel, podemos ler que só deve ser usado como suplemento, não sendo adequado como fonte alimentar única.
Ora, o presidente não almoçou e usou o Fortimel como fonte alimentar única. Ainda por cima, emborcou um cálice de moscatel. Quente!
Desceu-lhe a tensão!
Estava-se mesmo a ver.
Aliás, todos os médicos receitam moscatel quente aos hipertensos. É conhecida a sua ação hipotensora.
Felizmente, Marcelo recuperou bem. Depois de ter feito exames no Hospital, teve alta í s 8 horas, mesmo na abertura dos telejornais!
Marcelo afirmou aos jornalistas que, muito provavelmente, o Moscatel interferiu com a digestão do Fortimel.
Um presidente que acredita nas indigestões, é mesmo o que todos nós merecemos!
O outro livro chama-se O Labirinto do Inumano e foi escrito por um senegalês que emigrou para França, um tal Elimane. Esse livro ou é uma obra-prima ou um conjunto de plágios e Elimane desapareceu da circulação e ninguém sabe o que lhe aconteceu. Nunca ficamos a saber, ao certo, de que tratava o livro, embora muitos o tenham lido e tenham ficado fascinados com a escrita de Elimane.
Sarr (Dakar, Senegal, 1990), recebeu o Prémio Goncourt em 2021 graças a este complexo livro, que mistura cartas, mails, notícias de jornal, depoimentos de quem privou com o autor do tal livro e mais.
Confesso que tive alguma dificuldade em seguir o livro que, para mim, me pareceu uma sucessão de pequenas histórias, sendo que o livro de Elimane serve de costura a todos esses retalhos.
Em 1962, os belgas Goscinny e Tabary criaram uma personagem de banda desenhada a que deram o nome de Iznogoud. Trata-se de um grão-vizir que se quer tornar califa e tudo engendra para o conseguir. É um ser desprezível, que recorre í mentira, í trapaça, í s armadilhas mais torpes, no sentido de tirar o califa do Poder e ficar com o seu lugar.
João Miguel Tavares é um cronista que partilha com Iznogoud todas essas qualidades. Aproveita todo o rabo de notícia para construir um ataque ao governo. No fundo, Tavares, tal como Iznogoud, quer tirar o governo do Poder e colocar lá alguém do seu agrado.
Ao longo das últimas crónicas, Tavares tem acusado membros do governo, incluindo o Costa, de dizerem meias-verdades ““ isto é, não estão propriamente a mentir, mas também não dizem a verdade toda.
E afinal, Iznogoud faz o mesmo. Constantemente. É a sua técnica habitual.
O título da crónica de hoje, por exemplo, é este “…Visitar Viktor Orbán e esquecer Pedrógão Grande”.
António Costa assistiu a parte de um jogo de futebol, sentado ao lado do primeiro-ministro húngaro. É verdade. E António Costa não foi a Pedrógão Grande no sexto aniversário dos grandes incêndios. Também é verdade.
Mas, acontece que Costa não foi visitar Orbán. Dizer isso é mentir. E Costa não esqueceu os incêndios de Pedrógão. Dizer isso também é mentir.
Portanto, que credibilidade merece um cronista que mente assim, tão descaradamente?
A mesma que nos merece um personagem de banda desenhada.
O Diário de Notícias titula, em manchete a vermelho: “…Bónus a médicos fez disparar cirurgias, mas um terço dos doentes é operado tarde demais”.
Fiquei preocupado.
Será que um terço dos portugueses, apesar de serem operados, já não tiveram salvação possível e morreram?
Parece que não.
Na página 12, o título é mais moderado: “…Incentivos a cirurgias permitem recordes em 2023, mas 30% ainda são tratados fora de tempo”.
Isto é: um terço dos operados esperam mais tempo para ser operados do que o recomendado. No entanto, dizer que são operados “…tarde demais”, é apenas mais um sintoma do populismo que tomou conta dos órgãos de comunicação social.
Ignorando mais este título exagerado do antigamente circunspecto Diário de Notícias, gostaria de me deter neste número impressionante: em 2023, 758 mil portugueses foram operados e, nos primeiros quatro meses deste ano, já foram operados mais 246 mil. Por outras palavras, um milhão de portugueses operados em menos de ano e meio!
Operar 1% da população em menos de ano e meio, é obra, caramba!
Quando comecei a ler este livro lembrei-me logo de outro: O Outono do Patriarca, de Gabriel Garcia Marquez, livro publicado em 1975 e que eu li em 1978.
Lembrei-me desse livro porque, também este, é sempre a andar, sem parágrafos, com uma oralidade muito bem conseguida, como se estivéssemos a ouvir alguém a contar-nos uma história sem pausas, sem sequer respirar. Marquez, no entanto, não facilitou a vida ao leitor porque não colocou pontuação no seu texto, enquanto Fernanda Melchor deu-nos uma grande ajuda, usando vírgulas e pontos finais ““ mas não parágrafos.
Fernanda Melchor é uma escritora mexicana (Vera Cruz, 1982) e com este livro foi finalista do Booker Internacional de 2020.
A história ““ que não é o mais importante, penso eu ““ gira em redor de uma Bruxa, numa localidade perdida do México e de um grupo de pessoas desgraçadas, pobres, drogadas, sem trabalho, que se prostituem, se drogam, se matam, se amedrontam com feitiços, acumulam más decisões e não têm futuro.
A linguagem que a escritora usa é dura.
Página 34:
“… (…) para que a velha finalmente se apercebesse do género de menino que era o seu neto, maricas de merda e cobarde, devasso de merda que nunca agradeceu tudo o que a avó fez por ele, tudo o que teve de lhe suportar, porque se não tivesse sido a avó, o raio do rapaz teria morrido, porque a puta que o pariu tinha-o completamente abandonado e cheio de parasitas, maltratado e cheio de fome numa choça enquanto ela andava na maior a fazer vida de puta na estrada.”
A linguagem é mesmo muito dura.
Páginas 134/135:
“…porque Maurílio trazia-me pelo beicinho com a sua lábia, com as suas cantiguinhas, mas sobretudo com a sua verga; porque eu tinha catorze anos quando o conheci, acabada de chegar a Villa, farta até aos cabelos de cortar limões lá no rancho e de o meu pai arrecadar o dinheiro todo e a gastá-lo a emborrachar-se e a apostá-lo nos galos; até ao dia em que eu soube que andavam por aqui a construir uma estrada nova, para ligar os poços a Puerto, e que diziam que era uma mina de ouro e que havia muito trabalho e eu não sabia fazer nada, só cortar limões, mas vim na mesma para cá sozinha, e qual foi a minha surpresa quando vi que esta terra era ainda mais fodida que Matadepitas, puta que pariu, e o único lugar onde me deram trabalho foi la na fonda da dona Tina, maldita puta velha e cara de caralho, avarenta como só ela. Eu quase tinha de lhe pedir por favor que me pagasse, negra de merda, e dizia que eu ficava com as gorjetas ““ mas quais? -, se naquela barraca de merda não paravam nem as moscas.”
E dou só mais um exemplo, caso contrário, começo a transcrever o livro todo.
Página 156:
“…Eh pá, o Nelson, o que será feito desse paneleiro? Dizem que foi para Matacocuite e que montou um salão de beleza e que já ninguém o trata por Nelson, agora chama-se Evelyn Kristal. Ganda paneleiro, as nalgotas que ele tinha, lembras-te, mano? E de como ele passava í nossa frente a dar ao cu e a fingir que não percebia que nós o estávamos a ver? Ainda era bem novo quando lhe tirámos os três, mas também já estávamos fartos de andar a ver-lhe as nalgas, cheios de tesão, e um dia levámo-lo ali para os lados da via-férrea e entre demos demos-lhe a foda da vida dele, lembras-te mano? O paneleirote até chorava de alegria, não sabia nem o que fazer com tanto caralho!”
Claro que tenho de falar nos tradutores ““ diria adaptadores, porque a autora não terá escrito termos como “…paneleirote” ou “…panisgas”, ou “…cheio de nove horas” e muitos outros. Os tradutores são Cristina Rodrigues e Artur Guerra que, segundo informação da editora Elsinore, traduziram já centenas de livros desde a década de 1990 e usam, como método de trabalho, lerem tudo em voz alta.