“A Propósito de Nada”, de Woody Allen (2020)

Sou um admirador de Woody Allen e não podia deixar de ler esta sua autobiografia, que não me decepcionou.

Claro que Allen aproveita a oportunidade para fazer a sua defesa, no que respeita às acusações de Mia Farrow, de que terá abusado sexualmente de Dylan, a filha adoptada por ambos. Gasta várias páginas descrevendo pormenores das investigações levadas a cabo por equipas independentes e que chegaram à conclusão de que não teria havido nenhuma violação; mostra-se triste e revoltado por continuar a ser considerado culpado, embora nunca o tenha sido em tribunal e, com esse facto, ter sido prejudicado na sua carreira como realizador. Fala, também, dos muitos actores que, temendo não conseguir trabalho, renegaram os filmes que com ele fizeram. Fala também dos que o apoiaram e continuam a apoiar.

Mas deixando este triste episódio para trás, o livro é divertido, como não podia deixar de ser.

Allen conta algumas coisas da sua família, fala-nos de como começou a sua carreira como inventor de piadas para outros, depois, como passou a ser ele a interpretar o seu próprio material e, finalmente, como deu o salto para o cinema.

Descreve, com algum pormenor, todos os seus filmes, desde o horrível What’s New Pussycat, que ele abomina, até ao mais recente A Rainy Day in New York.

Ficamos a saber que do que ele mais gosta é de escrever, porque, no que respeita a cinematografia, parece não perceber nada de fotografia, enquadramentos, luz, etc, limitando-se a saber que é preciso tirar a tampa da objectiva e depois, filmar. Detesta ensaios, repetições de cenas e gosta de acabar as filmagens cedo, para poder regressar a casa, que é onde ele gosta de estar.

Ao longo das quase 450 páginas, Allen desvaloriza-se; não é nenhum intelectual, muito menos um génio, e não se considera um bom realizador.

Fala longamente das suas mulheres, desde a jovem Harlene, passando pela instável e divertida Louise Lasser, Diane Keaton e Mia Farrow e, finalmente, Soon-Yi, filha adoptiva de Mia e com quem está casado há mais de 20 anos. Allen tinha 58 anos e Soon-Yi tinha 21 quando casaram, e o realizador dedica-lhe o livro e enche muitas páginas elogiando-a.

A melhor piada do livro, na minha opinião: quando morrer, Allen quer que as suas cinzas sejam espalhadas junto a uma farmácia.

Otelo e as suas duas mulheres

No próximo dia 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho vai lançar uma biografia.

De acordo com a Visão, nessa biografia, Otelo confessa viver com duas mulheres. E elas sabem.

De sexta-feira a domingo, o estratega do 25 de Abril vive com Dina, com quem se casou em 1960.

De segunda a quinta-feira, Otelo vive com Filomena, que conheceu em 1984.

Só assim se percebe por que razão Otelo não tem tempo para fazer outro 25 de Abril.

Vontade não lhe falta…

“Life” – de Keiht Richards, com James Fox

Diz-se que, quando o mundo acabar, restarão as baratas e Keith Richards. Ao ler esta autobiografia percebe-se porquê.

Numa linguagem adequadamente coloquial, o guitarrista e co-fundador dos Rolling Stones conta-nos as histórias da sua vida – e muitas histórias tem ele para contar!

Começamos pela infância de Keith, na Inglaterra do post-guerra, e ficamos a saber que os pais viviam com dificuldades. Filho único da Doris e do Bert, Keith cedo se destacou pelo mau comportamento:

Na página 62 conta-nos a perseguição que ele e outros moviam a um miúdo que se «julgava um generalzinho, só por ser capitão da equipa desportiva, o melhor da turma, e o representante de todos os delegados. Andava sempre de peito inchado e era muito arrogante com os miúdos mais novos. Decidimos pagar-lhe da mesma moeda. Lembro-me bem dele, chama-se Swanton. Chovia e fazia frio. Primeiro, despimo-lo, depois perseguimo-lo até ele trepar a uma árvore. Só lhe deixámos o boné com as fitinhas douradas. Muito depois de ele descer da árvore, o Swanton viria a tornar-se professor de estudos medievais na Universidade de Exeter.»

A memória de Richards é prodigiosa, lembrando-se de como e quando e com quem tocou o quê – ou então, foi capaz de manter uma espécie de diário, estes anos todos, o que pareceria improvável para um tipo que, como ele, foi heroinómano muitos anos, para além de ter experimentado todo o tipo de drogas, lícitas e, sobretudo, ilícitas.

Richards conta-nos como nasceram os Rolling Stones, uma banda despretensiosa, que apenas queria tocar blues de Chicago mas que, quase por acaso, começou a fabricar grandes êxitos. Um dos primeiros foi As Tears Go By, que valeram a Richards, as primeiras libras a sério.

Diz ele, na página 181: «Ainda me lembro do primeiro dinheiro a sério que recebi. (…) Punha-me a olhar para as notas. Contava-as, voltava a admirá-las. Tocava-as, cheirava-as. Não fiz nada com elas! Só as guardei numa caixa, enquanto pensava: “Foda-se! A massa que eu tenho!” Não queria comprar nada em particular e também não a queria estoirar. Pela primeira vez na vida, tinha dinheiro… “Talvez compre uma camisa nova, cordas novas para a guitarra”. Mas era, sobretudo: “Nem acredito nesta merda!” Com as fuças da rainha bem impressas, assinadas pelo tipo certo. Nunca tinha tido tanto dinheiro nas mãos., mais do que o meu pai ganhava num ano, ele que se matava a bulir.»

Richards era mesmo um pobretanas e, graças à música, tornou-se num milionário, proprietário de Bentleys e de várias mansões em, pelo menos, três continentes.

Autor de muitas das músicas dos Stones (Mick Jagger, embora também componha, dedica-se mais às letras), Richards vai-nos contando os altos e baixos da banda, a morte de Brian Jones, a saída de Bill Wyman, a entrada e a saída de Mick Taylor, a entrada de Ronnie Wood e, por vezes, não é nada meigo para com os seus companheiros.

Critica muito Brian, pelo seu gosto pelo vedetismo e por andar sempre tão drogado que pouco contribuía para a banda, fala, amargamente, dos desentendimentos com Jagger, nos últimos 20 anos, mais coisa menos coisa, o que não os impediu de continuar a compor e fazer mega-digressões. De Charlie Watts, o baterista, só diz bem…

Fala-nos, também, das suas namoradas e esposas e, claro, da sua dependência da heroína.

Na página 329, a propósito de uma das muitas curas a que se submeteu: «Não sei bem qual é a ideia que as pessoas em geral fazem de uma verdadeira crise de privação. (…) O corpo revira-se todo de dentro para fora; rejeita-se a si mesmo durante três dias. Sabes que depois disso há-de acalmar, mas serão os três dias mais longos da tua vida. É então que te perguntas: “Por que raio me sujeito eu a isto, quando podia estar a viver uma puta de uma vida perfeitamente normal de estrela de rock cheia de pasta?” Em vez disso, estás ali aos vómitos e a trepar pelas paredes. Por que é que te sujeitas a isso? Não sei, continuo sem saber. Com a pele arrepiada e as tripas num remoinho, braços e pernas aos safanões incontroláveis, vomitas-te e cagas-te ao mesmo tempo, tens merda a sair-te do nariz e dos olhos. À primeira vez que acontece a sério, um homem sensato diz: “Estou agarrado”. Mas nem isso impede um homem sensato de voltar à carga.»

Uma boa parte do livro é dedicada às digressões dos Stones, começando pelas primeiras, em ambiente familiar, com um ou dois autocarros, até às mais recentes, que envolvem centenas de pessoas e de veículos. Os acompanhantes dessas digressões podem ser, por vezes, bem curiosos, como um tal Dr. Bill (nome fictício), que acompanhou a banda na digressão de 1972.

Richards conta, na página 333: «Mas o Dr. Bill estava ali, sobretudo, para caçar pachachas. Sendo ele um médico jovem e atraente, foi coisa que não lhe faltou. Mandou fazer cartões de visita: “Dr. Bill”, digamos assim, “Médico dos Rolling Stones”. Antes do concerto começar, ele escrutinava cuidadosamente o público e entregava vinte ou trinta cartões às gajas mais boas que encontrasse, mesmo que estivessem com namorado. No verso do cartão, o nome do hotel e o número da suite. E mesmo as tipas com namorado apareciam, mais tarde, para o visitar. Mostravam o cartão na recepção e o Dr. Bill sabia que de entre seis ou sete miúdas, pelo menos uma ou duas havia de comer, só por lhes prometer que as apresentaria aos Stones.  Queca garantida todas as noites. Além disso, tinha uma mala cheia das mais variadas substâncias, Demerol ou qualquer merda que lhe pedisses.»

Problemas com as autoridades teve Richards de sobra, tendo estado detido várias vezes, a maior parte delas por posse de droga. Mas, certa vez, na Austrália, a razão foi outra.

Conta ele, na página 355: «E ainda houve a pequena temporada que eu e o Bobby passámos com duas gajas que engatámos em Adelaide. (…) Tinham ácido, que nem é uma das minhas drogas preferidas, mas tínhamos dois ou três dias de folga em Adelaide, as tipas eram jeitosas e viviam num pequeno bungalow hippie no cimo de uma colina, muitas velas e incenso e candeeiros a petróleo cheios de fuligem. (…) E quando tivemos que partir para Perth, na outra ponta da porra do continente, , dissemos-lhes: “Por que é que não vêm connosco?” Vieram mesmo. Estávamos todos mais pedrados que o Grand Canyon quando entrámos no avião. A meio caminho entre Adelaide e Perth, saíram de repente as duas da casa de banho, seminuas. Tinham-se estado a comer lá dentro e saíram aos saltos e aos risinhos, as destrambelhadas das tipas. (…) E, de facto, detiveram-nos aos quatro por algum tempo, depois de aterrarmos.»

Quase no final do calhamaço, Keith Richards conta o episódio recente, em que caiu de uma árvore, tendo feito uma fractura do crânio e respectivo hematoma subdural. E diz, na página 562: «Receitaram-me um medicamento chamado Dilantin, que torna o sangue mais espesso. Por causa disso, não voltei a snifar coca, que o torna mais liquefeito, tal como a Aspirina. Foi o Andrew quem mo explicou, na Nova Zelândia. “Faça o que fizer, acabou-se a cocaína!” Tudo bem, pá. A bem dizer, já tinha dado à narina quanto chegasse para uma vida inteira; não sinto a falta da coca nem um bocadinho. Acho que foi ela que se fartou de mim.»

De facto, com tantos excessos cometidos ao longo de quase 70 anos, chegamos à conclusão que foram as drogas e o álcool que se fartaram deste Rolling Stone genuíno.

“Life” é um livro que se lê com agrado, como um conjunto de histórias mais ou menos divertidas e, ainda, como um testemunho de um dos protagonistas da revolução que a música pop-rock causou nos usos e costumes do mundo ocidental, nos finais da década de 60.

Como bónus, Richards explica-nos como afina as suas mais de cem guitarras, com 5 cordas e em open tunning.

“Beatles – A História Secreta”, de Geoffrey Giuliano

Na contracapa deste livro, lê-se: “a leitura deste livro mudará para sempre a maneira como vemos e ouvimos os Beatles”.

Não muda coisa nenhuma!

O livro é uma aglomerado de pequenos pormenores sem importância nenhuma, descrições de crises de mau humor de John Lennon, como McCartney se entregava às drogas, como Ringo era um tipo porreiro, embora alcoólico e como Harrison era o mais simpático deles todos, muito Hare Krishna, etc e tal.

Não há história secreta nenhuma – apenas episódios soltos que talvez não tenham sido conhecidos porque, no tempo dos Beatles (1962-1970), os meios de comunicação social não eram tão agressivos e intrusivos como são hoje. Mesmo assim, os Beatles foram obrigados a viver uma vida inteira praticamente como reclusos, sobretudo durante aqueles oito anos de maior exposição.

Enfim, acabei por ler o livro todo por inércia, mas confesso que perdi o meu tempo…