“A História da V”, de Catherine Blackledge

vagina.jpgCatherine Blackledge é doutorada em Ciências e uma conhecida jornalista científica inglesa. Para escrever este livro procedeu a uma investigação exaustiva sobre a vagina, em todas as suas vertentes: histórica, científica, mitológica, antropológica, etc.

Aprendemos muito com este livro. Blackledge não se poupou a esforços para realçar o papel que a vagina tem na nossa vida, chamando a atenção para o facto de esse papel ter sido subalternizado durante séculos, não só devido aos conceitos morais vigentes, liderados por homens, mas também devido a uma certa cegueira científica. Como é possível, por exemplo, que a Ciência tenha deliberadamente ignorado muitos factos sobre a importância da vagina, já detectados pelos Antigos? Neste particular, o papel obscurantista da Igreja é notável.

Penso que vale a pena transcrever algumas passagens deste livro, embora nada disto substitua a sua leitura integral.

Sobre a concepção, por exemplo: o papel determinante da mulher na concepção, melhor, o papel único, já que, para os Antigos, só a mulher estava implicada na concepção.

“O poeta grego Homero revela o quanto os homens ainda esperavam um papel principal na concepção, com a sua descrição de como as éguas são fertilizadas pelo vento. Uma teoria posterior propunha que o ar estava cheio de microscópicos ‘animálculos’ etéreos que, por acaso, o vento ou a corrente de ar penetravam na mulher e a engravidavam. (…) A versão cristã da concepção da Virgem Maria diz que ela foi ‘visitada’ por um Espírito Santo etéreo. Em contraste, os ilhéus das Trobriand contam como Bolutukwa, mãe de Tudava, seu herói lendário, concebeu quando gotas de água penetraram na sua virginal vagina.”

Quer dizer: parece que os homens não tinham nenhum papel na concepção. A importância da mulher na perpetuação da espécie era essencial para os povos antigos.

Sobretudo para certas culturas orientais, a vagina era (e é) sacralizada, em vez de ser demonizada, como acontece no ocidente, sobretudo depois da Idade Média e da Inquisição.

Blackledge coscuvilhou e encontrou coisas curiosas, como a ligação entre chifres, fertilidade e útero. Os médicos sabem que, segundo a anatomia humana, o útero tem cornos. Diz a autora: “a associação entre um homem corneado e chifres prevalece em toda a Europa meridional. Em português (cornudo ou cabrão), em espanhol (cornudo), em catalão (cornut ou cabron), em francês (cocu) e em grego (ketatas), a palavra para a pessoa corneada quer dizer ‘o que foi corneado’ ou ‘aquele que transporta os chifres’. (…) É significativo que esse termo só se aplique a homens, nunca a mulheres”.

A autora procura também decifrar o significado das palavras relacionadas com a vagina.

“Na verdade coño é uma palavra tão vulgar em Espanha (embora seja usada como imprecação) que, tal como os ingleses foram chamados de fuckoffs pelos franceses, no Chile e no México, os espanhóis são conhecidos como coños. (…)

A dicotomia do significado de cona também é visível noutras regiões da Europa. Em Itália, figa (cona) não é um insulto nem um palavrão. Trata-se, pelo contrário, de uma imprecação bastante comum (depois de cazzo – caralho – talvez seja a mais usada). Figa é a forma falada, e fica, o termo escrito. Che figa! É, de facto, uma expressão brejeira. Pode aplicar-se a pessoas, ‘que pedaço de mulher!’, a objectos – Che festa figa! – ‘que bela festa!’ e a situações, ‘que sorte!’ (…) No entanto, na Alemanha, tal como na Grã-Bretanha, cunt ou fotze são os supremos tabus. Mas fotze é igualmente uma antiga palavra para boca.”

Blackledge dedica muitas páginas ao clítoris e acho muito bem. Pena que muita gente nem sequer saiba muito bem onde fica o clítoris. Mais uma vez, a autora mostra como a Ciência escondeu, durante séculos, as descrições que anatomistas antigos fizeram desse órgão glorioso, como ela lhe chama, e com razão. De tal modo, que até parece que o clítoris só foi descoberto no século 17, quando existem descrições pormenorizadas dessa órgão em escritos antiquíssimos.

Neste particular, entram em acção os puritanos. Blackledge conta como, no final do século 19 e princípio do 20, a clitoridectomia esteve tão na moda, para resolver problemas de histeria e outros. “Kellog, o rei dos flocos de aveia, (…) defendia que se despejasse ‘fenol concentrado no clítoris’, caso as jovens continuassem a satisfazer-se sozinhas”. O que era preciso é que as mulheres não sentissem prazer. O papel das mulheres e da vagina, como simples receptoras do esperma para a concepção, dominou (domina?) o pensamento durante séculos.

São deliciosas, as lendas que a autora conta sobre o clítoris e a vagina, sobretudo as que são contadas em algumas ilhas do Pacífico, no Amazonas e também em África. Só por essas histórias, o livro vale a pena. As histórias da vagina dentada, que comia os pénis,  são muito engraçadas.

O papel da vagina na relação sexual é bem destacado pela autora. Contradizendo a ideologia dominante, de uma vagina passiva, mero receptáculo do esperma, Blackledge explica como a vagina é essencial, por exemplo, na escolha dos espermatozóides mais promissores e como participa activamente na relação sexual. Os exemplos são às dezenas, das besouras às macacas. Baseada na teoria evolucionista, a autora mostra-nos como as fêmeas controlam tudo, no que respeita à perpetuação das espécies.

E dá exemplos deliciosos: “o escritor francês Gustave Flaubert refere-se com entusiasmo aos seus encontros com as prostitutas profissionais exiladas na cidade egípcia de Esneh: ‘a sua cona ordenhava-me como rolos de veludo – eu enloquecia.” Através do mundo, Shilihong era uma profissional de sexo de Xangai famosa pelo seu excepcional controlo dos músculos vaginais. Consta que era capaz de movimentar o pénis do homem para dentro e para fora, simplesmente contraindo e relaxando os seus músculos, movimento que produzia uma sensação de sucção. Diz-se igualmente que a ‘chupeta de Xangai’, de Wallis Simpson, foi um dos motivos pelo qual a Grã-Bretanha perdeu um rei em 1936. Comentava-se que a Sra. Simpson conseguia que um palito de fósforo se sentisse um charuto de Havana”.

Pesquisando a literatura, Blackledge acaba por descobrir que, afinal, também as mulheres têm próstata ou, pelo menos, um tecido semelhante à próstata, algures na parede ventral da vagina, naquilo a que se convencionou chamar o ponto G – aquele que, estimulado, provocaria, indubitavelmente, o orgasmo da mulher. Afinal, como muita gente já desconfiava, a mulher possui diversos tipos de orgasmos, com o clitoridiano à cabeça. Sempre baseada em estudos, a autora avança mesmo com algumas ideias revolucionárias, como o facto de existirem semelhanças entre as estruturas tecidulares da tal próstata feminina e do nariz. Por isso, se percebe a importância do cheiro para as relações bem sucedidas. Quando uma mulher diz “este tipo não me cheira”, é natural que a relação não avance…

A importância do orgasmo para a concepção, o facto de os vibradores terem sido um dos primeiros utensílios domésticos a serem electrificados, a moda de os médicos dos finais do século 19 e princípios do século 20, masturbarem as suas pacientes, para as “curarem” das histerias e, simultaneamente, a Ciência condenar a masturbação feminina – tudo isso e muito mais percorre este livro interessantíssimo e que nos fez passar um bom bocado.

Aconselhamo-lo a toda a gente, nomeadamente a colegas de profissão, que, da vagina, só devem ter uma pálida ideia.

5 thoughts on ““A História da V”, de Catherine Blackledge

  1. Muito interessante. Obrigada pela sugestão. Já agora, na sua opinião porque é que a autora, no título, não escreveu vagina e ficou-se pelo V?

  2. Não faço ideia. O livro tem um subtítulo: “Abrindo a caixa de Pandora” e a capa é ligeiramente erótica, com uma bolinha vermelha no canto superior direito. Penso que, neste caso, a parte comercial deve ter jogado o seu papel: ao fim e ao cabo, apesar da seriedade do projecto, o livro tem que vender e (talvez) se se colocasse a palavra vagina, por extenso, alguns potenciais leitores não comprariam o livro. Mas isto sou eu a especular.

  3. Boa tarde!
    Achei os comentarios sobre o livro muito interessantes.
    Estou em Mocambique (Maputo) e sou Medico de profissao.
    Gostaria de saber onde se pode adquirir o livro?

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