Erotismo ou pornografia?

Confesso que o “fenómeno” das “50 Sombras de Grey” me passou praticamente ao lado.

Só recentemente, com a estreia do filme baseado no livro, me interessei perifericamente pela coisa. Ouvi então falar de “pornografia para mamãs” e deparei-me com acérrimas defensoras do estilo.

Claro que não li os livros da E. L. James, nem faço tensão de os ler. Tenho uma prateleira cheia de livros a sério para ler.

2015-02-21 11.40.14Só que ontem, ao visitar a Fnac, em busca de um livro de contos de Joyce Carol Oates (“Terra Amarga”), deparei com uma prateleira pejada deste lixo:  “O Inferno de Gabriel”, “Pede-me o que quiseres”, “Proposta Indecente”, “Noites Escaldantes”, “Rosa Selvagem”, “O Êxtase de Gabriel”, e, claro “As 50 Sombras de Grey”.

Não sei se isto é “pornografia para mamãs”. Há muitos anos, o meu tio Zé Ricardo diria que era literatura para grávidas e pupilos do exército.

No fundo, vai dar ao mesmo.

Gina91Por brincadeira, lembrei-me dessa publicação democrática que surgiu em setembro de 1974, resultado das “portas que Abril abriu” e que se chamava Gina.

Assim como nunca me passou pela cabeça comprar um dos calhamaços de E. L. James, também nunca comprei um único exemplar da Gina.

Isso não quer dizer que eu não conheça ambos os fenómenos.

Para o comprovar, aqui ficam algumas frases respigadas de ambas as obras:

1)”Eu não faço amor, eu fodo com força”

2) “Agora vou-te cavalgar, enfiar-me toda nessa grossa verga.”

3) “A linha entre o prazer e a dor, é muito fina.”

4) “Paris é uma cidade onde todos os dias se passam histórias de orgias”

5) “Por algum motivo não consigo ficar longe de você.”

6) “Olha para o costureiro e não resiste à tentação de lhe tirar as calças para baixo e ver como está o seu membro”

7) “Ele deixa-me louca. Ouço-o sorrir.
O gelo no meu umbigo esta derretendo. Estou para lá de quente – quente e gelada e querendo-o dentro de mim. Agora.”

8) “Solta um pequeno gemido, quando sente aquele monstro começar a entrar nas suas entranhas”.

Claro que os entendidos perceberam logo que as frases 1, 3, 5 e 7 são citações da E. L. James, enquanto as 2, 4, 6 e 8 são da Gina.

Escusam de perder tempo a ler as coisas. Procurem aqui: http://pensador.uol.com.br/frases_cinquenta_tons_de_cinza/ e aqui http://revistagina.tumblr.com/.

Tudo isto me fez lembrar um texto do Mário-Henrique Leiria, publicado em O Coiso, em 16 de Maio de 1975, sob o título “Erotismo ou pornografia”.

Rezava assim:

“O Coiso tem andado bastante preocupado, dado que se sente inculto, ignorante, indigno de ser intelectual do novo tipo. O Coiso não sabe qual é a diferença entre erotismo e pornografia, vejam vocês!

(…) Sem saber essa diferença que parece ser fundamental, como é que ele podia candidatar-se a crítico literário, de arte, de teatro, de televisão, enfim, crítico importante no processo revolucionário? Sim, como?

Achei por bem que nos fôssemos esclarecer. É que eu tenho um amigo, professor universitário, é evidente, que sabe dessas coisas. É democrata tremendo há já um ano e alguns dias, o que nos dá garantias suficientes. Além disso, percebe muito de semântica e tem uma barba razoável. Mais garantias ainda.

Fomos, velozes.

O meu amigo, professor universitário, repito, afirmou-nos, concreto:

– Ora vejamos. Quando declaro grunf tobutu grink zunk zunk anabólico toribu chi cué damoi trabusni, isto é erotismo. Dado que a incidência zunk zunk se projecta directa e integralmente em trabusni. Muito bem. Mas se eu afirmar, peremptório, grunf tobutu grink zunk zunk anabólico toribu chi cué trabusni damoi, isto é pornografia. E porquê? Porque, meus caros, a incidência passa de trabusni para damoi. Creio que fui suficiente e dialecticamente claro. E agora deixem-me trabalhar.”

Espero que vocês também tenham ficado esclarecidos.

Nota: livros verdadeiramente aconselhados, a quem gosta de sexo na literatura ou literatura no sexo: Sexus, Nexus, Plexus, Trópico de Câncer e Trópico de Capricórnio, todos de Henry Miller, Henry & June, Passarinhos, Incesto, Delta de Vénus, de Anais Nin, A Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro, A Vida Sexual de Catherine M., de Catherine Millet, etc…

Erotismo ou pornografia?

Há três ou quatro dias, passou no telejornal da Sic uma reportagem sobre uma descoberta arqueológica, penso que em Lisboa.

Não estava muito atento e, por isso, não recordo os pormenores. Mas lembro-me do arqueólogo, com uma taça de porcelana na mão, dizendo que a dita estava decorada com “imagens eróticas, ou melhor, pornográficas, já que representam cenas de sexo explícito”…

E pensei: então as imagens decorativas passam de eróticas a pornográficas porque representam cenas de sexo explícito?

Esta foi uma discussão muito presente nos anos subsequentes ao 25 de Abril. Com o fim da ditadura, muitas coisas que estavam proibidas, viram a luz do dia e era difícil distinguir entre, por exemplo, o cinema erótico e o cinema pornográfico.

“O Último Tango em Paris”, em que Marlon Brando penetra o ânus de Maria Schneider, com a ajuda de um pouco de manteiga (ambos já morreram…), estreou no S. Jorge e era erótico, enquanto “Garganta Funda”, cuja protagonista tinha o clítoris nas amígdalas, se ficou pelo Ódeon ou o Politeama, já não me lembro bem, e era pornográfico.

“O Coiso”, em papel, preocupou-se com esta discussão e, no seu nº 12, de 16 de Maio de 1975, publicava um texto de Wilson Gazosa (pseudónimo de Mário-Henrique Leiria), em que se dissecava a diferença entre erotismo e pornografia.

Aqui está ele:

«O Coiso» tem andado bastante preocupado, dado que se sente inculto, ignorante, indigno de ser intelectual do novo tipo. «O Coiso» não sabe qual a diferença entre erotismo e pornografia, vejam vocês!

Então veio a minha casa, rebolando o mais depressa possível, e fez-me a pergunta. O diabo é que eu também não sei, para mim é assim: ou gosto ou não gosto.

Dado isto, «O Coiso» ficou ainda mais ralado. Sem saber essa diferença que parece ser fundamental, como é que ele podia candidatar-se a crítico literário, de arte, de teatro, de televisão, enfim, crítico importante no processo revolucionário? Sim, como?

Achei por bem que nos fôssemos esclarecer. É que eu tenho um amigo, professor universitário é evidente, que sabe dessas coisas. É democrata tremendo há já uns anos e alguns dias, o que nos dá garantias suficientes. Além disso, percebe muito de semântica e tem uma barba razoável. Mais garantias ainda.

Fomos, velozes.

O meu amigo, professor universitário, repito, afirmou-nos, concreto:

– Ora vejamos. Quando declaro grunf tobotu grink zunk zunk anabólico toriku chi cué damoi trabusni, isto é erotismo. Dado que a incidência zunk zunk se projecta directa e integrantemente em trabusni. Muito bem. Mas se eu afirmar, peremptório, grunf tobotu grink zunk zunk anabólico toriku chi cue trabusni damoi, isto é pornografia. E porquê? Porque, meus caros, a incidência passa de trabusni para damoi. Creio que fui suficiente e dialeticamente claro. E agora deixem-me trabalhar.

Deixámo-lo.

Estávamos esclarecidos e certos de que a revolução ia caminhar mesmo em frente. Lúcida, com excelentes colaboradores.

«O Coiso» ainda me falou em Marcuse, Reich, Freud e Josefa de Óbidos, numa maior necessidade de informação. Confesso que nunca encontrei nenhum. E disse-lhe.

Portanto, fomos para minha casa, cada vez mais preocupados.

Começámos a pesquisa, gráfica e outra.

Analisámos, numa relação profunda, tudo o que encontrámos.

Obtivemos, é claro, alguns resultados parciais e não satisfatórios, mas que talvez pudessem coincidir com as afirmações exactas do meu amigo professor universitário (como já disse).

Assim, observando atentamente esta foto (foto de muçulmano com óculos escuros)…

…pensamos que provavelmente será erótica. O óculo escuro, ocluso, o sorriso excitante, enfim, o doutor Rebelo de Sousa que explique melhor, que nós não podemos. Será realmente erótica?

Com esta outra foto, tivemos a sensação de pornografia (foto de Henry Kissinger).

Vejamos, o óculo claro, a boca activa, a orelha em posição atenta. Mas também não estamos certos. O doutor Ferreira que nos ajude, se puder. Será pornográfica?

Mas a grande dúvida, o enorme espanto e suspeição, fica-nos com esta foto (foto da rainha Isabel e de membros da Commonwealth).

O que será? Talvez o doutor França, o doutor Coelho, os lógicos autênticos, nos possam dar qualquer achega.

No entanto, e com as exaustivas e construtivas observações feitas, chegámos a uma conclusão provisória que se pode traduzir por zuink trombose catum astroibo unqueque du. Afinal, será isto pornografia ou erotismo?

Leitores amigos, agradecemos qualquer contribuição válida. É só mandar, que nós aceitamos.”